Capítulo 3

1401 Words
CAPÍTULO 03 ESME BEAUFAY Rue Saint-Dominique, Nº142 / 09:22 PM Não consegui me concentrar em nada além do que havia acontecido naquele beco. Os olhos de Enzo estavam vivos em minha mente, como uma pintura que seria eterna, ou ao menos duradoura, e graças àquilo, mäl consegui me lembrar de ligar para Fallon. Pensei que um longo banho e a minha cama pudesse ser suficiente para me tirar de pensamentos que não seriam úteis, mas ainda assim, nada pareceu mudar. Eu queria dizer que depois que acordei, não pensei no homem chamado Enzo sequer uma vez, mas seria mentira e por mais que soubesse que as pessoas tendiam a mentir para se sentirem melhor, eu também sabia que aquilo era tão inútil quanto fugir dos problemas no lugar de enfrentá-los. Mas o ponto em si era, eu já não fazia ideia de como tirar aquela conversa, aquele olhar penetrante e aquele beijo da cabeça. Claro, havia sempre a possibilidade de minha leve obsessão estar enraizada no perigo que me atraia para aquele homem, mas como uma profissional que possivelmente iria tratá-lo, não poderia me envolver. Não podia correr o risco de ultrapassar os limites estabelecidos para manter os dois em segurança. Era errado e, definitivamente, jamais me envolveria com um paciente. Com aquilo em mente, me apressei para me levantar, me trocar e pôr algo dentro do meu estômago, ao menos o suficiente para me manter até a hora do almoço. Meu corpo estava devidamente descansado e sabia que o dia seria cheio, porque todas as terças eram assim. Meus pacientes se estendiam até às 20:00 horas e quando, enfim, voltava para casa, sempre havia um novo drama de Fallon para resolver. Fallon... O fato de não ligar para ela me voltou à mente enquanto encarava as chaves sobre a mesinha de centro e, suspirando pesadamente, sibilei antes de pegar o celular. Ela nem mesmo tinha se dado ao trabalho de responder minhas últimas mensagens. Talvez, tudo aquilo fosse uma perda de tempo no fim das contas. Peguei as chaves e jogando o celular dentro da bolsa, me enfiei dentro do carro antes que pudesse sentir a consciência pesar. Fallon era uma mulher adulta, assim como eu, e embora sempre fosse um problema ambulante, era parte da minha família. Mas, porrä! Ela não era fácil. Estava começando a ficar cansada de sempre ser arrastada para o furacão que a vida dela se tornava e sabia que nossos pais também. Girei a chave na ignição do carro e enquanto dirigia, aproveitei para repassar mentalmente os pacientes do dia, normalmente teríamos cancelamentos, mas nas terças aquilo nunca acontecia, até porque 3 dos 4 pacientes, eram obcecados por controle. Mas o ponto "negativo" de se morar próximo ao lugar onde se trabalhava, era que o percurso acabava mais rápido. — Esme, Deus do céu! Você não atende a drogä do celular? — Jéssica praticamente gritou assim que passei pela porta da frente do consultório e a encarei sem entender. — Acalme-se, o que aconteceu? Estava dirigindo. — A mãe da Sofia Watson cancelou a sessão dela hoje à tarde, mas a garota de ontem, Beatrice, queria marcar dois horários pra hoje. Pisquei. — Isso é impossível. — Eu disse a ela, mas como Sofia desmarcou... — Ainda teríamos apenas um horário. — Lembrei, mas Jéssica suspirou. — Bom, ela ofereceu o dobro do valor para que você estendesse o horário dela até as 21:00 horas. Foi a minha vez de suspirar. Porrä! Ela era realmente como Fallon e eu já não sabia se aquilo me deixava confusa ou irritada, mas sabia como responder àquela proposta. — Não. Isso não vai acontecer — falei de forma direta, me segurando para não virar os olhos. Sabia que Beatrice não era a Fallon, mas aquela atitude foi o suficiente para encher minha paciência, que já não estava muito boa depois do susto que havia levado com aquele homem na noite anterior. Enzo… Seu nome martelava na cabeça e antes de Jessica sair da minha frente, escrevendo algo em sua agenda, que mais parecia ser uma enciclopédia, decidi chamá-la. — Por acaso, veio algum paciente novo hoje? Um homem alto, bronzeado, de olhos claros… — perguntei tentando manter certas lembranças de lado e vi Jessica negär, levantando a sobrancelha de forma pensativa. — Não tivemos nenhum cliente assim hoje. Posso ver se alguém mandou mensagem, mas até alguns minutos não tinha recebido nada. Estava aguardando alguém? Ao ouvir que ele não foi até o consultório, senti algo semelhante à tristeza no peito. Não era problema meu de qualquer forma e não sabia por que acabei me importando tanto com ele. Por conta do beijo, ou pela personalidade difícil que ele pareceu ter, que me deixou tentada a ajudar? — Não, não estou esperando ninguém — respondi olhando para o chão. — Qualquer coisa estou na minha sala — falei junto a um sorriso meio forçado, então caminhei até minha sala e acabei vendo algo de relance na televisão da recepção, algo que fez meu corpo paralisar. — Nem fodendö! “Lorenzo Angelle, o filho de um dos magnatas mais bem-sucedidos dos últimos tempos, finalmente saiu da prisão após cinco anos cumprindo pena por tráficö de drogäs e porte de arma ilegal. Sabemos que quando sua sentença foi dada, era esperado que seu pai fosse pagar fiança, mas, para a surpresa de todos, isso não aconteceu. Foi realmente incrível, o quanto a índole de Louis Angelle permaneceu inabalável após receber a notícia. Em pensar que muitos diziam por aí que ele estava envolvido com coisas ilícitas…” — Lorenzo Angelle... Então ele é o cara que veio no consultório ontem à noite. — Senti a espinha gelar, como se uma brisa fria tocasse a pele diretamente e me segurando para não deixar as pernas tremerem, caminhei com passos apressados até a sala, onde me joguei na poltrona, tentando relaxar. — Enzo… Agora entendi, aquele psicopatä é filho de Louis Angelle… Mesmo com a mídia e os políticos dizendo que era mentira, todos sabiam que Louis era o chefe do quartel francês, um mafioso sem coração ou alma que fazia de tudo para ter poder. — Eu poderia ter morrido... — Olhei para o teto de forma pensativa, imaginando as merdas que poderiam ter acontecido, no risco que corri. Mas enquanto tentava me focar, me manter calma e imaginar o que ele poderia querer comigo, fui interrompida pela ligação de Jessica, informando que o primeiro paciente havia chegado. Tudo que pude fazer foi respirar fundo e fingir que nada havia acontecido, que o filho doido de um mafioso não havia vindo até meu consultório me encher de perguntas e que ele não havia me beijado de forma forçada. Nada fazia sentindo, sabia daquilo, e tive que me esforçar durante todo o dia para não deixar aqueles malditos pensamentos estragarem minhas sessões. Somente quando terminei de atender o último paciente e tranquei a porta do consultório pude finalmente respirar e tentar pensar em tudo que havia acontecido. Entrei no carro e, confusa com tudo, dirigi em direção à minha casa, até ser pega por um engarrafamento na Av. Bosquet, como sempre, me fazendo perder minutos preciosos da vida. — Eu só preciso de um banho… — disse a mim mesma, massageando as têmporas enquanto tentava relaxar, mas meu minuto de paz foi tirado pelo telefone, que quase me matou de susto ao tocar. E ao atender, pensando ser algum paciente ou algo do tipo, fui surpreendida quando, do outro lado da linha, alguém disse ser um policial e que algo havia acontecido no meu consultório. — Eu já estou indo! — quase gritei desesperada ao responder, sentindo o corpo formigar por causa da adrenalina. Quando finalmente voltei ao consultório, pude ver com meus olhos que o policial que me ligou não estava mentindo. Fogo... Era o que via por todos os lados. O consultório havia se tornado um monte de cinzas e escombros, o que me fez quase cair de joelhos. Parceria o infernö aquilo. Logo vieram até mim, me ajudando a me manter de pé enquanto chorava igual a uma criança ao ter seu sonho arruinado, e me contavam o que havia acontecido. — Senhora Esme Beaufay? Lamentamos muito pelo ocorrido, mas encontramos restos de explosivos no seu consultório, o que levou a explosão de grande escala. A senhora teve sorte de ter saído a tempo. Felizmente, ninguém se machucou.
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