ESME BEAUFAY
Rua Mouffetard, Nº75 / 09:45 AM
Havia três dias que estava na casa dos meus pais e, como se não bastasse todo o infernö que havia se tornado minha vida, ainda era obrigada a vê-los discutir diariamente, como se fossem dois animais selvagens .
Meu pai começou a beber com mais frequência, estava depressivo, e toda vez que passava em frente à porta de seu escritório podia vê-lo chorando enquanto tomava whisky .
Aquela cena se tornou comum, ao ponto de me questionar o que era toda aquela merdä e o porquê da empresa do meu pai ter entrado em uma bola de neve que parecia não ter fim .
Minha mãe, a pessoa que antes apoiava a todos e mantinha as coisas da casa em ordem, tornou-se outra mulher e já não a reconhecia mais .
Ela estava diferente, distante .
Eram 20:00 horas, e ela estava saindo de casa novamente, usando vestido vermelho colado e batom de cor forte nos lábios, parecendo ser uma garota solteira indo para uma balada ou coisa do tipo . Ela estava agressiva, nervosa com tudo e mesmo não querendo acreditar sabia bem o que aquelas ações significavam .
— O que anda fazendo? Sai sem dizer nada e volta completamente bêbada durante a madrugada . Você não devia estar fazendo isso! Não quando meu pai tá quase cometendo suicidiö por causa de toda a merdä que vem acontecendo — falei, já não aguentando mais guardar tudo para mim .
Parecia que todos estavam à beira do precipício e não iria suportar ver ninguém pulando .
— Você é a última pessoa na face da Terra que pode me falar alguma coisa, pois está tão fodidä quanto qualquer um aqui . Não venha me dizer que estou fazendo algo errado apenas por tentar não ficar deprimida igual ao seu pai .
Pisquei, não acreditando no que estava ouvindo, pois foi a primeira vez que minha mãe disse coisas tão diretas . Ela nem se preocupou em pensar nas palavras que saíam da sua boca ou em como me sentiria em ouvi-las .
Como se não devesse explicação nenhuma para mim, ela saiu pela porta sem falar mais nada, deixando meu pai e eu para trás, como se não passássemos de empecilhos em seu caminho .
— Chega ... Eu não aguento mais! — Eu me joguei no sofá tentando ficar calma, enquanto colocava o braço sobre o rosto .
Acabei pegando no sono, sendo acordada algumas horas depois com o telefone tocando alto, tanto que levei um susto e com um pulo levantei, atendendo a ligação mais rápido que pude, pensando que pudesse ser alguma das locadoras das salas comerciais ou algum paciente .
Mas não, para minha surpresa, não era nenhum dos dois .
— Esme Beaufay?
Ouvi a voz séria de um homem do outro lado da linha falar meu nome e senti o corpo enrijecer, mas tão logo consertei a postura no sofá e tentei pensar positivo .
— Sim, sou eu mesma — respondi com hesitação ao perceber o silêncio que se estendia .
Talvez fosse algum policial, ou algum investigador, já não sabia mais o que esperar .
— Sou Pierre Dubois, médico do Hospital Saint-Louis, Jasmine Beaufay acabou de dar entrada por conta de uma överdose, estamos ligando para informar sobre o ocorrido .
Congelei, pois aquilo não poderia ser real .
Estaria mentindo se dissesse que não suspeitei de drogäs, mas a minha mãe ?
Quase deixei o telefone cair, mas me mantive firme, pois era a única com sanidade no momento para fazer alguma coisa .
Sabia que não podia contar para o meu pai, então, deixei que ele dormisse em seu escritório e pegando as chaves fui para o hospital sozinha .
Eu tinha que ser forte, sabia daquilo, mas quando cheguei e a vi daquela forma, foi demais pra mim .
Ela estava em coma induzido e tão pálida .
— Senhorita Beaufay? Acredito que Jasmine seja sua mãe … Tivemos algumas complicações e foi necessário colocar um suporte de vida temporário . Ela estava fora de si e acredito que seu quadro deve ter piorado por conta da idade, junto a alguns problemas de saúde que vinha tendo .
Eu mäl conseguia prestar atenção no que o médico dizia, apenas me aproximei da cama onde a minha mãe estava e segurei sua mão. Pude ver por estar perto, o quanto ela andava se escondendo atrás da maquiagem pesada .
— Ela vai ficar bem? — Foi tudo que consegui perguntar, dada a circunstância em que minha mãe se encontrava .
Tudo que vinha à mente era que o pior aconteceria, por isso senti as lágrimas quentes rolarem sobre a bochecha .
Naquele momento, já não importava mais demonstrar o quanto estava destruída por dentro .
— Sei o quanto deve estar sendo difícil, mas garanto que faremos o possível para que ela fique bem — doutor Pierre falou se aproximando e quando me virei para vê-lo, pude o encarar pela primeira vez após ter entrado naquela sala .
Vi o quanto era bonito e até mesmo atraente .
Ele se aproximou mais e com a mão delicada estendida em direção ao meu rosto, usou o polegar para limpar minha bochecha .
— Uma garota bonita, como você, não deveria chorar tanto . Tenho certeza que vai dar tudo certo. — Ele sorriu de forma simpática me tranquilizando um pouco.
Sabia que tudo não passava de protocolo, que mesmo que minha mãe fosse morrer, ele diria a mesma coisa, mas ouvir alguém dizendo que tudo ficaria bem, mesmo que sendo mentira, me fazia sentir um pouco melhor.
— Obrigada. — Foi tudo o que consegui dizer, antes do celular começar a tocar e como alguém com 5% de bom senso, eu me afastei, saindo do quarto, vendo no visor o nome do meu pai.
Drogä!
Ele não podia descobrir aquilo naquele momento.
Eu me esgueirei para a saída do hospital, o mais rápido que pude, e quando peguei o celular para atender algo atingiu minha cabeça e tudo ficou escuro.
Eu já sabia que estava no fundo do poço, mas quando meus olhos se abriram e me deparei em meio a uma sala com uma luz fraca, presa a uma cadeira e amordaçada, vi que tinha chegado realmente ao subsolo.
Havia alguém sentado em uma poltrona grande à minha frente e grunhi de frustração.
Que tipo de merdä era aquela?
O rosto da pessoa à frente foi levemente iluminado por um feixe de luz e vi um sorriso largo nos lábios de Lorenzo Angelle.