CAPÍTULO 02
ESME BEAUFAY
Avenue Montagne, Nº1351 / 09:22 PM
— Boa noite, olha, me perdoe, mas já fechamos — falei dando meu melhor sorriso para o homem à minha frente. — Não atendo depois das oito da noite, então terá que voltar amanhã se quiser marcar um horário, ou pode tentar ligar para a Jessica, minha secretária. Ela costuma responder algumas mensagens até as dez da noite, então se tentar ainda poderá conseguir um horário para amanhã de manhã.
Ele se aproximou junto a um bufar, com uma das sobrancelhas arqueadas.
— Acredite, não estou aqui para uma sessão.
Pisquei, olhando para ele com uma sobrancelha erguida quase no automático.
Quantas vezes escutei aquela desculpa na minha vida?
E, pelo amor de Deus, eu só tinha 21 anos.
Todo paciente dizia aquilo, ou pelo menos, todo paciente que, assim como ele, tinha o péssimo costume de aparecer no último horário, tendo a menor possibilidade de sucesso ao marcar uma sessão.
Era quase cômico.
“Não seja uma pessoa tão rápida em julgar os outros, Esme”, acabei tendo que repetir para mim mesma, porque depois de algum tempo trabalhando com aquelas pessoas, era óbvio que todos precisavam de ajuda, mas nem todos estavam prontos para assumir aquilo.
Bom, também deveria ser difícil para eles admitirem aquilo para uma garota de 21 anos, considerando quão rápido me formei na faculdade e abri meu consultório.
Era praticamente um milagre que conseguisse trabalhar nos últimos 3 anos.
— Bom, então no que posso te ajudar? Precisa de informação? — Acabei por perguntar, já que era a coisa mais óbvia e comum a se dizer.
Ele me encarou, colocando meu corpo contra a parede de forma brusca.
— Pareço estar perdido pra você? — Um arquear de canto surgiu em seus lábios enquanto seu rosto ficou ainda mais próximo do meu. — Ou você não é a doutora Esme Beaufay?
— Sim, sou eu. — Tentei manter a calma, porque ele provavelmente, estava querendo descontar em mim, o fato de não aceitar que precisava de terapia. — O senhor realmente tem certeza que não veio em busca de um horário? Porque sabe até mesmo meu nome.
— Para de brincar! — O seu tom ficou mais grave, junto a seu semblante que, cada vez mais, tinha um ar psicótico. — Sou Enzo Angelle, não vê? — falou com um ar de grandeza, o que me fez pensar que teria ainda mais trabalho. — Apenas vim para falar sobre o que aconteceu cinco anos atrás .
— Sim, entendo. — Suspirei enquanto meus olhos iam ao chão. — Bom, senhor Angelle … Posso te ajudar com isso, afinal, é meu trabalho e questões passadas são muito importantes por sempre afetarem o nosso presente e futuro .
O tal Enzo arqueou uma das sobrancelhas quando falei aquilo, completamente confuso, então me olhou de cima a baixo e parecendo entender algo, sua expressão tensa relaxou, em seguida gargalhou .
Era como se eu tivesse acabado de falar o maior absurdo que já chegou a ouvir .
— Pareço algum tipo de retardado pra você? — ele rosnou, avançando em mim, segurando meus braços contra a parede, me fazendo questionar se foi uma boa ideia parar para conversar .
— Eu ... — Minha boca se abriu para responder, mas ele não esperou e me pressionou com mais força contra a parede .
— Sou algum tipo de brinquedo? Alguém que serve apenas pra te divertir e depois ser jogado fora?
Eu não minto quando falo que senti medo, mas aquilo era esperado quando se tratava de um homem que parecia estar tão transtornado como ele .
Um homem problemático em busca de ajuda psicológica tarde da noite, que clássico!
Apenas respirei fundo e desviei o olhar do dele, porque ainda precisava me acalmar. Ele estava tão perto a ponto de sentir a sua respiração .
— Não sei quais foram suas experiências com os outros profissionais, mas prometo que farei o melhor para ajudar — respondi, tentando controlar o coração que queria sair pela garganta e voltei a olhar para seus olhos, rezando para que me soltasse, mas aquele malditö sorriso psicopático ainda permanecia ali, estampado em seu rosto enquanto parecia examinar cada detalhe meu .
— Promete que vai fazer seu melhor? Que boazinha você é … — Ele encostou sua testa na minha e mäl consegui piscar, sentindo as pernas perdendo as forças quando se aproximou lentamente, encostando o nariz no meu, dando a impressão que fosse me beijar . — Vai continuar dizendo que não sabe de nada? Que não se lembra? — Ele me encarou, claramente duvidando das minhas respostas . — Talvez isso refresque sua memória. — Ele avançou em minha boca, me beijando como realmente pensei que faria .
“O que esse s*******o pensa que está fazendo?”
Mesmo sabendo que ele era um completo desconhecido, um louco que não falava nada com nada, não consegui afastá-lo …
Bem, até tentei, mas, no fim, acabei apenas o empurrando quando ele terminou .
— Qual é o seu problema? — perguntei, sentindo o rosto queimar, limpando a boca com a costa da mão e vi uma expressão estranha surgir no rosto do tal Enzo .
Ele estava visivelmente estressado, mas não parecia ser só aquilo .
— Eu não devia ter pegado leve com você no começo ... Se quer brincar, iremos brincar . — Ele passou a língua nos lábios, enquanto dava alguns passos para trás, afastando-se ainda me olhando, o que fez junto as suas palavras, minha pele se arrepiar .
— s*******o do caralhö! — Tentei recuperar o fôlego, observando “Enzo” sumir no beco escuro .
Segui para meu carro, como se fosse a minha tábua de salvação, e segurando o telefone na mão, pronta para ligar para a polícia, caso ele desse as caras novamente, me joguei no banco do motorista trancando as portas e girando a chave na ignição enquanto me perguntava como diabos aquilo tinha acontecido .
Era normal que houvesse pacientes como “Enzo” e todo psicólogo teria um daquele um dia, mas aquela era a minha primeira vez e sabia que não podia ter vacilado tanto .
Encarei a mim mesma pelo retrovisor e me certifiquei de dar algumas voltas pelos quarteirões em torno do consultório em ruas diferentes das que costumava usar, antes de ir para casa, no intuito de despistar quem quer que pudesse me seguir, afinal, em um momento como aquele, todo cuidado era pouco.
Quando finalmente cheguei em casa e senti a segurança de passar 4 tipos diferentes de fechaduras na porta, suspirei aliviada, ao saber que estava tudo bem por hora .
— Cada dia que passa esses pacientes estão cada vez piores — disse a mim mesma, lembrando detalhadamente dele, suas tatuagens, seus olhos, seu cheiro, e quando as lembranças vinham até a cabeça me pegava sentindo o eco do toque dos seus lábios nos meus . — Sério, Esme? Tá tão na seca que gostou do beijo daquele doido? — Dei um suspiro tentando não pensar nos detalhes, enquanto jogava as chaves sobre a mesinha do hall e entrava em casa .
Era comum discutir com alguns clientes, brigar e até mesmo receber alguns flertes, mas ser beijada à força?
Aquilo era novidade e mesmo uma parte minha tendo gostado, a outra sentia medo .
— Talvez ele volte no consultório para buscar ajuda. — Era uma possibilidade e sabia que ele seria o paciente que me usaria como forma de escape.
Sim, ele parecia estar fora de si e pessoas com problemas agem de forma inesperada, sabia bem como era.
No fim, ele era apenas mais uma pessoa quebrada em busca de alguma cura ou resolução para seus problemas.