Melissa
Ainda desconfio que há algo de errado, afinal, quando é que um homem como Nicolas Campidelli se lembraria de uma mulher como eu e a convidaria para ir jantar? Ele só pode ser ou estar louco!
Meu coração sapateia em meu peito, animado com a mínima possibilidade de que ele possa se lembrar de mim, que talvez eu signifique algo ou quem sabe, na noite de hoje passe a impressão certa. Não tenho uma amiga daquelas que está ao meu lado para me dar dicas sobre homens, ou para tentar desvendar o mistério de suas intenções. Não tenho alguém que me empreste vestidos, me maquie ou que faça penteados no meu cabelo. Ter vivido em meio à elite no tempo de escola apenas me fez aprender duas coisas. A primeira é que eu claramente não pertencia ao seu grupo seleto e inacessível. Jamais teria a******a para criar elos e menos ainda, ter alguém de sua estirpe ao meu lado. A segunda, é que eles podem ser cruéis além do normal, apenas por acharem que a armadura de ouro os protege da lei da ação e reação.
Enfim, memórias felizes ou não, me viro como posso e o resultado disso não é dos piores. Eu sei que não, já que em seus olhos eu vejo a chama azul inflamar ao me excrutinar.
Não sou inocente, apesar da pouca experiência, sei ao menos reconhecer o desejo quando o vejo. E mesmo que seja apenas carnal, por um momento Nicolas me desejou no segundo em que entrei no seu apartamento. Caramba, quando foi que cogitei estar na casa dele, em um jantar íntimo, com direito a degustar uma garrafa decente de vinho que não tivesse sido comprada no mercadinho da esquina? Nada contra a bebida que a senhora Tompson vende. Não, longe disso. Mas é que o dinheiro de fato não torna as pessoas melhores, mas compra as melhores coisas para as pessoas.
A conversa fluía e em dado ponto, o nervosismo que me consumiu até a chegada do seu motorista na minha porta, desapareceu. Talvez fosse o queimor do álcool em meu corpo, o torpor que vem junto. Pode ser também pelo aconchego do lugar, as luzes baixas e quentes, a mesa posta e as massas com molhos deliciosos. Tudo estava em harmonia e o homem pelo qual delirei por anos, se empenhava em me deixar confortável. Falava pouco, mas me ouvia muito.
Estava um clima perfeito, até que ele destruiu tudo com o assunto de negócios. Caramba, fui muito ingênua por achar que ele me via como mulher, sendo que ele - inexplicavelmente, tinha interesses comerciais apenas.
Atrevida retruquei, sem me arrepender dessa vez. Álcool, aliado ou inimigo? Não importa. Nada mais tinha sentido quando ele disse que era uma reunião e a solução para um problema era casar-se comigo.
Casar-se comigo.
“Nicolas” e “casar comigo” não combinam na mesma frase.
Definitivamente, Nicolas é louco! Teve o disparate de me insultar ao citar a situação delicada do meu negócio e usá-lo como barganha para ter o que quer. Não sei qual o seu ponto, qual vantagem ganhará com isso, mas apesar de ser o homem por qual sou perdidamente apaixonada, ainda me resta dignidade. E não, casar-me com ele não melhora minha moral.
Pelo menos não por interesse.
Sai de lá arrependida por não ter dito tudo que passou pela minha mente. Com vagas palavras deixei claro o absurdo que isso era e mesmo ele pedindo que pensasse melhor, dei-lhe as costas para que não tivesse tempo de notar minhas lágrimas.
Eu me sentia i****a, enganada e tão… tola! Como fui tola por pensar que Nicolas fosse me querer de verdade? Meu coração estava envergonhado, enquanto meu cérebro dava o maior sermão de todos no pobre coitado. Apressei meus passos, ouvindo o som dos meus saltos ecoaram pelo corredor e me sentindo claustrofóbica, praguejei quando o elevador demorou demasiado a chegar na garagem.
Vinte e cinco anos e nada aprendi nesse tempo com a dureza dos homens. Tive decepções com dois deles que eram como eu, simples, taxados de classe baixa. O que passou na minha mente que alguém com o status dele não faria pior? Tratar o matrimônio como algo fútil a ponto de ser comercializado, certamente não é algo banal.
— Senhorita Stone, está certa de que está bem para voltar para sua casa agora? - Indiferente o motorista perguntou, por dentro ele deve estar rindo de mim.
Será que já presenciou algo do tipo? Talvez, quem sabe. Se Nicolas for tão babaca quanto foi comigo com outras mulheres, com certeza sim.
— Sim. - Minto.
Me esforço para acalmar meu corpo, não preciso de uma senhora tagarela vangloriando-se aos quatro cantos que estava certa sobre ele. Vovó Matilda tem um coração enorme, mas um filtro falho para as palavras. Capaz de dizer palavras que só pioraria minha situação sem nem ao menos se dar conta de que o está fazendo.
Maldita seja a hora que Nicolas me olhou novamente. Ele conseguiu estragar a imagem perfeita que eu tinha dele, mas não conseguiu diminuir o que sinto. Como se para me punir, o destino apenas deixou claro que o que sinto vai além de uma paixão boba de adolescente e agora, a missão de viver minha vida ignorando suas palavras, se tornou ainda mais difícil.
— Chega…
— Não me diga? - Respondo irônica, antes mesmo que o i****a venha me avisar o óbvio. Chegamos? Sério mesmo que ele pensou que talvez eu não reconheceria minha própria casa? i****a!
Pulo para fora, batendo a porta do veículo sem bondade alguma e logo me arrependo. Não pelo carro, nem pela grosseiria, mas por medo de vovó escutar e acordar. A luz de seu quarto está apagada, dando-me esperanças de fugir de um interrogatório. Ele não dá partida enquanto não entro, como se quisesse se certificar que não vou para qualquer outro lugar. i****a! Como o chefe.
Diferente do carro, fecho a porta com cuidado e descalça, vou para meu ambiente de paz. Poderia me ajoelhar e louvar aos céus por dormir em uma suíte. Trancar a porta do quarto e chorar embaixo do chuveiro sem que ninguém ouça, é uma dádiva. Deixo tudo emergir, na esperança de que quando eu me deitar, eu me sinta melhor.
Demoro, sem permitir que a culpa de estar ajudando a água do mundo acabar mais rápido me atinja. Lavo o cabelo, mesmo sem necessidade, apenas para que não haja resquícios do cheiro dele em nenhuma parte de mim.
Tola!
Vou precisar queimar o vestido se for assim.
Esfrego minha pele, tentando expurgar meu pecado de ter ansiado que ele me tocasse. Mas que droga!
Quando ele me prendeu na parede tentando me impedir de sair, tudo em mim vacilou. Mas o horror à oferta me trouxe de volta. Cubro-me com o roupão e desço mais tranquila para procurar um chocolate. Vó Matilda sempre guarda alguns no armário e cada um é designado para alguma situação.
O de chocolate 50% são para discussões onde há possibilidade de remediar.
O de chocolate 75% é para os momentos onde talvez não haja solução, restando-nos apenas lamentar e ter fé em um milagre.
E o puro, 100%, é para corações partidos. Há anos ele está aqui, sendo necessário trocá-lo devido ao vencimento.
Peguei o 75%, pois apesar de achar que não há solução, ainda tenho orgulho em pegar o puro. Coloquei como meta para mim não me deixar enganar a ponto de deixar meu coração em pedaços. Sobrevivi a situações deploráveis junto com vovó e ainda assim, sobrevivemos ao chocolate puro. Seria a gota d’água eu comê-lo só porque Nicolas me magoou.
Ele não merece o chocolate puro, no máximo terá o 75%, ainda que eu não tenha fé de que ele volte pedindo perdão.