Capítulo 1 - O dia "D"
Nicolas
– Bom dia, senhor Campidelli. Ansioso para hoje?
– Eu me preparei para esse momento durante toda minha vida Dylan, não preciso ficar ansioso. - Devolvo o cumprimento com um gesto de cabeça ao meu motorista e também segurança pessoal.
Em silêncio no banco passageiro, me atualizo das notícias relevantes enquanto tomo meu café puro e seguimos direto para o escritório, para o dia mais importante de toda minha existência: minha nomeação como CEO da Campidelli Jewelry.
Atualmente somos a maior e mais tradicional rede de joalherias em todo mundo. São mais de 200 lojas espalhadas por diversos países sendo guiadas pelos punhos de ferro do patriarca da família, Joseph Campidelli, vulgo, meu avô.
Fui criado por ele e minha avó Mariela desde que meus pais morreram. A verdade é que eu nunca os conheci, então todo referencial de família que tenho vem deles e honestamente, não é dos melhores.
Minha avó até tentou me passar algo sobre amor, mas fui semeado nas diretrizes da família paterna e finquei raízes na empresa, transformando-a em tudo que tenho de mais importante e valioso.
Por isso, no auge dos meus 27 anos, me sinto pronto e preparado para assumir o cargo de CEO, pegar as rédeas do negócio e colocar nos seus devidos lugares, os diretores do conselho de administração que me julgam incapaz de prosperar a empresa.
Bufo, ao lembrar da voz irritante do Oliver McCann ao dizer para todos no meio da nossa última reunião de planejamento, que eu não estava pronto emocionalmente para a chefia.
“ - Não preciso estar pronto emocionalmente, Oliver. Eu sou formado em Administração de Empresas, com diversas pós e MBA, sem contar que nasci, cresci, vivi e continuo vivendo todos os meus dias aqui dentro. Conheço mais desse lugar do que qualquer um pode conhecer. – Ainda sendo fuzilado pelo olhar do homem e de todos os outros diretores, continuei o m******e. – O que quer dizer que eu, dentre todos vocês, sou o único capaz de assumir esse cargo e também, o único que tem direito de fazê-lo.”
Se eu não soubesse que ele é amigo de faculdade do meu avô, julgaria que estaria tentando usurpar algo que é meu. Mas ainda sim, nada me impede de continuar de olho nele, mesmo que Joseph insista para que eu pare de enxergá-los como inimigos e passe a vê-los como aliados.
“- Nós vendemos jóias preciosas, mas a verdade, Nick, é que o que mais temos de valioso aqui dentro, são as pessoas.”
A voz do velhote continua ecoando em minha mente enquanto o elevador subia para o quinquagésimo-quinto andar, onde a minha sala fica. Gosto de ficar sozinho antes de momentos importantes como este.
– Bom dia, senhor Campidelli. Hoje é um grande dia! Como o senhor está…
– Não quero ser incomodado até a hora da reunião. - Não espero a secretária terminar de falar e adentro minha sala, sendo inundado pelo aroma insuportavelmente doce dos donuts em minha mesa.
Inacreditável.
– Michele! Venha aqui agora!
– Pois não, senhor.
– Quantas vezes eu já disse para não deixar NINGUÉM entrar na minha sala? - Totalmente irritado e sentindo ânsia pelo cheiro, pego a caixa e a jogo no lixo do corredor.
– Desculpe-me, mas não vi quem deixou isso aqui, senhor. - Reviro os olhos ao notar o quão inútil ela foi. Nem perguntei quem foi, pois já sei que a culpada tem nome e sobrenome, que é o mesmo do meu. Eu apenas desejava que as pessoas fossem mais atentas às suas funções.
– Saia. - Como se esperasse apenas isso para fugir do d***o, a jovem secretária deixa minha sala o mais rápido que pode em cima dos seus saltos agulhas, fechando a porta em seguida.
Aproveito os últimos minutos de paz antes da reunião para tentar tirar esse inconveniente da minha mente, deixando ela livre para pensar de forma produtiva. Meu foco eu recupero fácil, mas é difícil fazer as coisas funcionarem quando as pessoas insistem em serem indiscretas.
E é isso que Mariela, minha avó, está fazendo agora ao entrar na minha sala sem ser anunciada.
– Mariela, eu já te disse que odeio coisas do…
– Cale-se, Nicolas. - Interrompo o sermão sobre os donuts que eu pretendia dar no instante em que ela me chama pelo nome completo.
Ela nunca me chama assim.
– O que houve? Andou chorando? Joseph fez algo com você? - Ao ouvir o nome do meu avô, ela praticamente desaba em meio às lágrimas. Me apresso para ampará-la antes que venha ao chão e quando seguro aquele corpo pequeno e frágil em meus braços, com espasmos e soluços, soube que o pior aconteceu.
Eu não esperava que isso fosse acontecer.
Melhor dizendo, ninguém esperava que uma tragédia dessa magnitude fosse acontecer num dia como esse. O velho resolveu partir dessa para uma melhor e nem se despediu. Não que eu seja adepto a essas coisas, mas ainda assim saber que ele se foi assim, sem mais nem menos é angustiante.
Eu não convivi com meus pais, ele literalmente era o exemplo de tudo para mim. Cresci vendo ele se dedicar a empresa, liderar, expandir e me treinar para ser exatamente como ele. E eu sou, com um único detalhe de que eu jurei nunca me casar um dia. Não depois do que eu passei…
– Nicolas? Está tudo bem? - Jacob, o amigo mais próximo que tenho, perguntou me tirando do transe da cena onde minha avó chorava próximo ao caixão fechado. Pelo que soube, o acidente foi tão grave que o desfigurou completamente. Eu preferi ficar longe para evitar que as pessoas viessem até mim com aquele olhar de piedade e dó que eu tanto odeio. Fingir bons modos não é característica minha, sou objetivo e não gosto de enrolações, nem mesmo se é para receber condolências de uma perda como a do meu avô.
– Estou. - Respondo seco, ansiando pelo momento em que sairíamos dali para acabar com a outra parte da tortura que seria a recepção na mansão Campidelli.
Faz meses que eu não piso lá, na primeira oportunidade que tive, comprei minha cobertura na Upper East Side e era para lá que eu queria ir agora, apenas para me sentar na varanda e provar do whisky mais amargo, aproveitando o silêncio e a paz que ele trazia.
Mas não posso.
Minha avó insiste nisso e que tipo de pessoa eu seria por negar algo a uma viúva de luto? Por isso engoli minhas vontades e fui, hesitante e relutante, para a mansão.
– Meus sentimentos, Nicolas.
– Obrigado. - Agradeci pela milionésima vez em menos de duas horas, os cumprimentos desses abutres da empresa, que no meu ver não se importam de estar aqui pelo o que aconteceu, e sim o que está por vir.
Cansado disso, me afastei para a biblioteca da casa, procurando a garrafa de scotch 12 anos que Joseph tinha escondido atrás da coleção de romances da minha mãe. Estes foram os únicos livros que não li de toda essa sala. E olha que devem haver mais de mil livros aqui, já que as três principais e maiores paredes estão cobertas de estantes, cheias deles.
– Nicolas Campidelli.
– Oliver, que bom que está aqui. - Levantei, deixando o copo de lado e respondendo o cumprimento com um aperto de mão. – Por um momento eu realmente achei que conseguiria um momento de paz.
– Vou ignorar sua amargura por saber que está passando por um momento difícil, Nicolas.
– Mas…?
– Porque tem que haver um “mas”?
– Não seja ingênuo, senhor McCann, somos homens de negócios. Meu avô faleceu, mas a empresa vive e eu sei que está aqui por ela. - Os olhos de serpente me examinam por um tempo, temerosos e astutos, buscando a melhor forma de destilar o veneno.
– Tem razão, eu, assim como todos os outros diretores, estamos preocupados com o futuro da Campidelli Jewelry.
– Ora, não há motivos. Eu estou aqui e não sei se sua cabeça antiga se lembra, eu estava prestes a assumir o posto de CEO.
– Exato, estava, mas não assumiu. Consideramos que agora que houve esse imprevisto, talvez possamos repensar sobre isso.
– O que você quer dizer? - Sentindo uma vontade visceral de acabar com ele ali mesmo, me contenho em manter a civilidade para evitar escândalos nesse momento delicado.
– Eu só acho que deveríamos propor…
– Vocês não têm um pingo de respeito por mim. - Somos surpreendidos por uma senhora elegante, com o semblante triste e exaurido, parada na porta.
– Vovó?
– Senhora Campidelli, meus senti…
– Guarde seus sentimentos para você, Oliver. Meu marido acaba de ser velado e tudo com o que os dois sem escrúpulos se preocupam é quem vai ficar ocupar o lugar dele?
– Não era isso o que eu esta…
– É exatamente isso, vó. - Corto a fala do covarde e assumo nossas ações. De alguma forma ela não se assusta, como se já esperasse isso. Ela apenas suspira e deixa os ombros caírem.
– No escritório dele, agora. O advogado quer falar conosco.
– Tudo bem, estou indo.
– Você também, Oliver. - Confuso, olho do abutre para vovó, procurando resquícios de loucura na sua expressão, mas não encontro nada. – Não sei porque, Nick, mas seu avô exigiu isso. Apenas… vamos acabar com isso.
Ainda sem acreditar, sigo em silêncio a viúva que a passos lentos e que lhe parecem causar dor, segue para o antigo espaço que meu avô usava para trabalhar em home office. É absurdamente estranho estar aqui sem ele. Tenho várias lembranças de suas lições e sermões.
E é exatamente em frente a enorme mesa de madeira maciça, onde alguns porta-retratos com meu rosto, junto dele e de Mariela estão estampados, que me sento para ouvir o advogado começar a falar. Não me atenho às primeiras palavras, que não passam de condolências desnecessárias. Fico observando a foto onde há também um casal de olhos azuis e cabelos castanhos escuros olhando para mim.
– … aproveitando esse momento, venho incubido de cumprir o último desejo do senhor Joseph César Campidelli, que é a leitura de seu testamento para sua esposa, neto e amigo próximo, Oliver McCann.
A estranheza de saber que meu avô exigiu a presença do Oliver na leitura do seu testamento - que eu nem sabia da existência, faz minha atenção voltar ao que interessa. Corrijo minha postura e mantenho minha mente limpa para saber o que foi que ele aprontou.
“Se chegamos até aqui, é porque o pior aconteceu e infelizmente, não posso esperar esse baque do primeiro momento passar, para evitar outro maior. Sinto muito Mariela, por tê-la deixado. Fui testemunha do quanto você lutou por essa família e desejou que eu, Andrew e Nicolas, víssemos a vida com outros olhos. Você e Sophia tinham razão, a vida é mais que apenas negócios.
Por isso te deixo uma missão, talvez a mais importante a partir de agora.
Sei que Nicolas está presente e fui consciente de que tive êxito na sua formação como profissional, mas falhei em ensiná-lo a ser humano.
Nick, meu neto, vejo muito de seu pai em você, exceto quando pensa que as pessoas são dispensáveis e tem que te oferecer algum benefício. Eu já te disse inúmeras vezes, o que temos de mais precioso na empresa não são as jóias e sim as pessoas.
Por isso, deixo registrado em meu testamento, que a posse do posto de CEO da Campidelli Enterprise, só será passada para Nicolas Levi Campidelli, se o mesmo aceitar se casar e viver em matrimônio, por pelo menos três anos, com uma mulher escolhida a dedo por Mariela Rosa Campidelli.
Deixo também como condição para cumprimento dessa exigência, que Oliver McCann seja o “fiscal” responsável por monitorar o casamento, se assim Nicolas o escolher fazer.
Caso você se negue, meu neto, que fique claro que minha escolha como o próximo CEO seja Oliver McCann, excluindo Nicolas da hierarquia da empresa
Peço desculpas, à você Mariela, por te incubir de tal missão tão árdua, e à você, Nick, pelo transtorno, mas se tudo correr como eu espero, talvez no fim desse casamento por contrato, você entenda que nem só de negócios um Campidelli pode viver.”
Sentindo o ar me faltar, com o choro de minha avó como trilha sonora de fundo, sinto as paredes se encolhendo e o chão ondulado sob meus pés. Isso é absurdo!
Me casar para ter o que é meu por direito?
Onde esse velho estava com a cabeça quando ele escreveu isso? Eu jamais vou abrir mão do que é meu, nem que eu passe por cima de tudo e todos.
A Campidelli Jewelry é tudo que eu tenho e por ela eu luto até o fim.