Decidir voltar ao Brasil com o meu título de PhD na área de ensino não foi fácil. Fora do Brasil conquistei amigos e namorados temporários, sendo o último o Greogory. Eu fui muito feliz nesse período, mas eu sempre soube que era tudo temporário, assim como o meu visto de estudante. Vou sentir muita falta do Paul, da Vick, da Tammy e principalmente do Greogory. Mas eu preciso voltar, não por livre e espontânea vontade, mas simplesmente por pura pressão do meu visto de estudante. Quando contei aos meus amigos que precisaria voltar ao Brasil, eles me entenderam bem, pois, assim como eu, também são imigrantes e, a qualquer momento, também passarão pelo mesmo processo. Já o Greogory, teve dificuldade de entender, pois na cabeça dele, era só nos casar e eu viraria americana. Mas, definitivamente, eu não posso me casar com ele, na verdade, não é questão de poder e, sim, de não querer, e o motivo é a certeza de que não é com ele que eu gostaria de iniciar a minha família. Quando tentei explicar isso a ele, bom, posso dizer que além de romper com o namoro, rompemos uma linda amizade, afinal, não era tão óbvio para ele que estávamos juntos por qualquer outro sentimento, exceto o amor para formar uma família. Ele era um amigo que se tornou namorado, não por amor, mas por comodidade mesmo, mas ainda assim eu tenho certeza de que irei sentir falta da companhia dele e de poder compartilhar conquistas, decepções e um simples domingo regado à cerveja e risadas.
Insensível, é assim que os meus amigos me chamam e, de fato, eu me tornei insensível, foi uma forma de sobrevivência às marcas que o passado deixou na minha alma, marcas vivas que têm textura, cheiro e rosto. Depois do que passei, eu me tornei a melhor na disciplina de Biologia, eu estudava de um jeito que não podia, por hipótese alguma, falhar. Diferente do que o meu pai falava “ela tem muita aptidão em Biologia”, o que eu tinha mesmo era necessidade de aprender para nunca, nunca mais precisar tirar alguma dúvida ou conversar com alguém sobre o assunto. Os livros eram os meus melhores amigos e naquela etapa da minha vida, os únicos em que eu poderia confiar fielmente. Sem contar que eu havia prometido me tornar a melhor docente que eu pudesse ser, eu queria poder ajudar outras pessoas, eu queria poder ensinar de um jeito que eles não precisassem ter aquele medo de sentir incapaz por não conseguir compreender quem está tentando ensinar.
Fiz faculdade fora do país através de bolsa de estudo e, em seguida, fui me inserindo em pesquisas para não precisar chegar tão rápido a essa etapa de agora: VOLTAR. Eu precisava respirar em um mundo que ele não existisse, como não era possível, eu escolhi respirar em outro país, para tentar que aquelas lembranças silenciadas, pudessem ser esquecidas. Quanta inocência! No fundo, eu sabia que um dia precisaria voltar para o que eu havia abandonado, fugido e, principalmente, abdicado. Abdiquei viver junto aos meus pais, conhecer e conviver com meus sobrinhos e escolhi viver longe da minha irmã, que se casou com o Tomaz. Lembro que no dia do casamento dela, meu pai me perguntou, encabulado, por videoconferência, sem saber muito como, afinal, era constrangedor tanto para ele, quanto para mim: “Meu docinho, aquilo que um dia você disse que ele fez, foi verdade?” Eu não consegui responder, porque eu teria que me explicar como tudo ocorreu e eu não conseguia dar voz a algo que eu fui obrigada a silenciar. Eu fingi falha na ligação e nós nunca mais tocamos no assunto. Acho que ele sabia que eu estava falando a verdade e talvez por culpa, ele tenha respeitado a minha necessidade de não falar sobre o ocorrido.
A Carol, até onde sei, tem uma vida tranquila financeiramente, casada com o Tomaz, mas é dependente química assumida e, vez por outra, é internada para tratamento de suas crises. Ela engravidou de gêmeos logo quando eu viajei para fora do país, cujo pai é o Leo. Depois que fui embora, passei a não querer saber nada da vida dela, eu não consegui a perdoar pelo que ela fez comigo, mas vez por outra meu pai, em nossas conversas on-line, me falava que o Leo não era um pai muito presente, sobrando para ele e minha mãe criarem o Joaquim e o Felipe. Eu não os conheço pessoalmente, mas eu gosto de falar com eles on-line, eles são divertidos e engraçados. Moram com meus pais e meu pai sempre que entra no mérito de explicar o motivo de eles não morarem com a Carol, eu mudo a conversa, não quero saber.
Embora eu não tivesse vivido nada de mais, além de olhares, curiosidades e desejos pelo Leo, ele não sai da minha cabeça. É insano pensar desta forma no pai dos meus sobrinhos. Tentei de diversas formas tirá-lo da minha cabeça em camas e corpos diferentes, mas a curiosidade de saber qual gosto ele tem e como seria a textura de sua pele, sempre prevalece.
Eu perdi contato com a Bárbara, e ela passou a fazer parte do Descomplicando. Virou uma das melhores amigas da minha irmã e, quando passou a fazer parte do grupinho seleto do colégio, começou a me tratar como invisível.
Bom, são águas passadas e agora é hora de viver o presente e, principalmente, ir em busca de um bom emprego e, quem sabe um dia, eu volte para os EUA, desta vez com um visto que me permita trabalhar e viver legalmente para sempre por lá. Na verdade, poderia ser qualquer outro país, cidade, exceto o lugar que eu precise respirar no mesmo ar que aquele monstro que, infelizmente, agora também faz parte da minha família.
Meu pai está com um cartaz escrito bem grande: Bem-vinda, Jéssica. Minha mãe, ao me ver saindo pela porta do desembarque de passageiros, sai correndo para me abraçar e, embora agora eu seja a insensível, eu deixo lágrimas escorrerem no meu rosto ao ver meus sobrinhos correndo na minha direção, com seus cabelos escorridos castanhos e olhos castanhos-escuros brilhando com muita emoção. E como é de se imaginar, minha mãe os veste iguaizinhos e, inclusive, os cabelos no mesmo corte, igual era comigo e com a Carol. Eu só sei os diferenciar porque um é mais gordinho e o outro, mais magrinho, assim como eu e minha irmã, vê-los na minha frente é como vivenciar um déjà-vu. Eu falo, envergonhada, os afastando:
— Ok, ok, estão todos olhando.
Felipe grita:
— A tia Jess está com vergonha!
Ah, eu estou, mesmo!
Eu não posso deixar de reparar, eles me chamaram igual ao pai deles me chamava na escola. Merda, sinto que voltar ao Brasil será um desastre para meu coração.
O Joaquim começa a cantarolar a frase e a dançar:
— A tia Jess está com vergonha!
E todos ao nosso redor começam a sorrir, os vendo fazer essa dança engraçada e, confesso, que até acho engraçado também, mas mantenho minha pose de tia insensível e não demonstro divertimento.
Diferente da mãe, as crianças adoram o carro velho do meu pai e é uma verdadeira festa no caminho para casa deles. Eu vou dormir lá até achar um lugar para mim, acho que não me adaptaria a morar de novo com eles, após tantos anos sozinha com minha independência, mas tudo terá o seu tempo e este é momento de economizar para conseguir voltar ao meu verdadeiro lar. Mas qual é o meu verdadeiro lar, mesmo? Sem contar que o meu quarto agora é o quarto dos meninos, então dividir um quarto com duas crianças de 9 anos não deve ser a melhor experiência.
Minha mãe, exagerada como sempre, fez bolo, decorou a casa com várias fotos minhas e é inevitável pegar uma das fotos em que a Carol e eu nos abraçamos com entusiasmo em nosso aniversário de 12 anos, éramos muito amigas antes de entrar naquela escola. Ela se tornou gananciosa, ambiciosa e confesso que não consigo entender as escolhas dela que não tinham coerência e, segundo meu pai, a matavam a cada segundo com seu vício. Sou surpreendida pela voz da minha irmã, que fala:
— Seja bem-vinda, Jéssica! Sentimos sua falta.
Fico observando seu corpo doente que exibe ossos. Tudo em nós agora é diferente, arrisco dizer que nem parecemos gêmeas idênticas. O sonho dela se tornou realidade. Meu cabelo que está longo na cor mel natural e com as pontinhas loiras, com franja curta, conforme ideia da Vick, contrastam com o cabelo curtinho picotado da Carol pintado de preto. Ela fica me observando e aposto que conferindo nossas inúmeras diferenças que transcendem ao exterior, em seguida, abre os braços como sinal verde para um abraço, mas confesso que... confesso que não tenho vontade de abraçá-la, mesmo que seja um abraço de compaixão pela situação atual dela. Meu pai já havia me alertado sobre a situação deplorável da minha irmã, mas pessoalmente é algo pior e ver esse reflexo de uma Jéssica quase morta, é de cortar o coração. O Tomaz chega logo em seguida, com os cabelos grisalhos, e anda na minha direção, imponente, e a cada passo que ele dá, eu sinto que minha força é absorvida pela simples presença dele. Ele fala, com ironia:
— E não é que as gêmeas conseguiram ficar completamente diferentes?!
É sério que ele veio?
Eu não consigo responder, fico inerte, faz tempo que eu não sei o que é respirar no mesmo espaço que ele, mas não demoro a me lembrar daquela sensação de ser sufocada por um ar tóxico que ele expelia. Meu pai me abraça repentinamente e fala, me afastando do Tomaz:
— Venha, preciso que você conheça o Theo.
Ele me puxa na direção de um rapaz de estatura média, corpo normal e com cabelos com um penteado estiloso. Ele é diferente dos amigos do meu pai que eu estava acostumada a conhecer, ele parece ter minha idade e eu não me recordo dele na época que morava no Brasil. Ao pararmos na frente dele, ele abre um sorriso, ok, ele tem um sorriso lindo e até me esqueço que ele usa esse topete que é a cara de um adolescente. Meu pai nos apresenta:
— Essa é a Jéssica, Theo! Meu docinho, que eu tanto falei para você.
Eu fico hipnotizada, observando seu sorriso que parece ter um encaixe perfeito, muito branco, e até esqueço que meu pai está me apresentando com um apelido carinhoso só nosso. Esse sorriso tem algo diferente, algo que me foi tomado há anos e talvez esse seja o verdadeiro motivo de me manter aqui, hipnotizada. Os lábios se movem e ele fala timidamente, com um sotaque lindo do interior:
— Oi, Jéssica, seja bem-vinda!
Ele baixa a cabeça com vergonha e o sorriso se esconde, me fazendo despertar daquela hipnose. Eu olho para baixo e o vejo estendendo a mão e sinto meu rosto esquentar, pois tenho a certeza de que ele já estava com aquela mão levantada há um tempo. Meu pai fala:
— Filha, cumprimente meu amigo, não é possível que você tenha se esquecido do que te ensinei.
Eu volto a olhar para o Theo e lá está o sorriso, mais tímido, mas não menos bonito. Eu o cumprimento e respondo:
— Obrigada! — eu gaguejo. — Eu não me lembro de você...
Meu pai fala, me interrompendo:
— Ele é nosso vizinho, filha, e me ajuda muito aqui em casa. Sem contar que é um grande amigo nas horas vagas. Eu já falei dele para você.
Ele responde, com o sorriso no rosto, aquele mesmo sorriso que me encantou:
— O senhor que me ajuda muito.
Percebo que ainda estamos de mãos dadas e puxo minha mão delicadamente e ele muda o sorriso de novo para mais tímido. Que lindo! Eu respondo:
— Ah, você é o amigo que o papai tanto falava para mim!
Jamais imaginei que o tal amigo fosse esse Theo. Como amigo do meu pai, imaginava alguém mais velho, não sei, eu subestimei e... nossa, eu preciso confessar, que amigo lindo e do sorriso encantador.
Meu pai então fala, interrompendo meus pensamentos:
— Filha, que tal a gente dar um passeio pelo bairro, para você ver algumas mudanças na vizinhança? Faz tempo que você não anda por aqui, vai estranhar as novidades.
Eu balanço a cabeça positivamente, o Theo abre o caminho para a gente e ao passar por ele, confesso que não deixei de notar o perfume mais ardente que ele usa, que combina com seu estilo mais informal e eu aprovo.
Seguimos abraçados caminhando e quando passo de novo pelo Tomaz, eu desvio o olhar e meu pai percebe, ele fala baixinho:
— Faça de conta que ele não existe!
Como se eu não tivesse feito isso todo esse tempo!
Quando saímos de casa, sinto um alívio imediato, que me faz parar e respirar fundo diversas vezes o ar ligeiramente limpo da toxidade do Tomaz. Meu pai fala, abrindo a grade da casa:
— É difícil para mim também, filha, é muito difícil.
Eu o observo e ele está nervoso, talvez ele esteja se referindo a mim, mas talvez seja referente à outra circunstância e, pela primeira vez em anos, sinto a necessidade de saber o que aquele monstro está aprontando. Eu pergunto:
— O que aconteceu?
Meu pai esboça várias tentativas para falar, mas ele não consegue e eu o entendo, afinal, eu também tenho dificuldades de falar sobre o que passei, na verdade, depois do ocorrido, eu nunca mais consegui contar a ninguém. As pessoas achavam estranho eu não usar roupas com as pernas à mostra e em meus relacionamentos, também achavam estranho que eu não me sentia confortável que tocassem nas minhas pernas, ali era uma área proibida e eu nunca consegui explicar, apenas sempre determinei meus limites e fui respeitada. Eu o abraço e continuamos andando pelo bairro, ele fala:
— Eu sinto muita sua falta, meu docinho! Nunca me imaginei passar tanto tempo longe de você.
— Eu também, pai, mas foi necessário para mim.
— Sim, você nasceu para ganhar o mundo. Vencer, você nasceu para vencer!
— Bom, eu não ganhei o mundo, mas viajei bastante nesse período.
Ele sorri e fala:
— Tenho todas as cartas e fotos que você mandou.
Dou um beijo leve no rosto do meu pai e falo:
— Você é muito especial!
Ele para repentinamente de andar e fala, apreensivo:
— Eu ando preocupado com sua irmã e com as crianças.
— O que aconteceu?
— O Tomaz não é uma boa pessoa, minha filha, e eu... eu não sei como provar isso.
— Como assim, pai?
— O Felipe e o Joaquim ficam aterrorizados com a presença dele e sua irmã passa muito tempo internada, sem que a gente possa ter acesso a ela.
— Você já procurou algum advogado? Ou já tentou falar com o pai das crianças?
— O Leo é um covarde, que se esconde com a desculpa de ter muito trabalho e sua mãe morre de medo de ele tirar as crianças de nós, já que nos passou a guarda sem nenhum problema. E eu não entendo muito essas coisas de advogado, então será que você poderia me ajudar?
Não, por favor, não me peça para me meter nisso tudo de novo! Ouvir a história é diferente de intervir.
Ele me olha com seus olhos pretos que têm o brilho mais lindo que já vi na vida e pede:
— Por favor! Hoje não é por mim, ou por sua irmã, é por duas crianças inocentes.
— E o que você quer que eu faça?
— Quero o Tomaz na cadeia.
— Mas por qual motivo? Não se coloca uma pessoa na cadeia do dia para noite, sem provas concretas.
Ele abaixa a cabeça envergonhado e fala:
— Porque eu acho que ele é maior envolvido na dependência química da sua irmã.
Eu pergunto, confusa:
— Você acha que ele entrega as drogas a ela?
— Também, mas eu acho que ele é o fornecedor direto disso para ela.
— Você acha que ele vende drogas?
— Eu acho que ele não só vende para ela, mas para os adolescentes da escola.
Fico o observando, incrédula, porque eu sei que ele é um pedófilo, mas estar envolvido em drogas, em dependência química de jovens é algo que nunca havia imaginado. Ele continua:
— E eu acho que ele estar envolvido em uma rede de prostituição de adolescentes.
Desta vez, a informação é ainda mais forte e eu fico sem reação. Meu coração acelera e o medo volta a tomar conta de mim, igual quando eu me senti presa nas garras dele. Ele continua, desta vez, nervoso:
— Eu só acho, eu não tenho provas, meu docinho, e por isso eu preciso de você para descobrir a verdade e pôr, de uma vez por todas, aquele cretino na cadeia!
Eu, então pergunto, quase sem voz, é informação demais para alguém que passou anos longe do Brasil, fugindo de alguém e, de repente, descobre que é tudo muito pior do que um dia pude imaginar:
— Pai, isso é muito sério! Se tudo isso for verdade, estamos falando de um criminoso perigoso. Por que você acha isso?
Ele baixa o rosto, responde, quase sem voz e extremamente nervoso:
— Porque eu acho que sua irmã foi uma dessas adolescentes.
Um turbilhão de informações nocivas me são entregues e eu não consigo me sustentar. Eu preciso desabar, não tenho capacidade para atender ao pedido do meu pai. Eu também sou uma vítima e não quero desenterrar meu pior pesadelo. Ele percebe meu silêncio de dor e finaliza:
— Como falei, eu só acho, mas sei que com sua astúcia, sua vontade de justiça e, principalmente, com essa força que você adquiriu para sobreviver às cicatrizes que ele deixou em você, você vai descobrir...
Ele sabe! Eu agora tenho certeza de que ele sabe e desabafar comigo não fez bem a ele, pois, de repente, ele revira os olhos e a voz fica rouca, ele repete o mesmo som que se mistura com meus gritos de desespero, pedindo ajuda. Ele vai esmorecendo e eu tento o segurar, mas não tenho força suficiente para sustentá-lo e vamos caindo no chão. Ele já não tem mais voz e os olhos arregalados demonstram que ele não está bem e neste momento nem eu estou. Verifico seu pulso em busca de batimentos cardíacos e eu não os sinto, aquele homem dono de um abraço quente e caloroso que tanto me acalmava, agora está gelado demonstrando que ele não está mais aqui. Eu começo a chorar, gritar, pedir socorro.
Não demora para algumas pessoas se aproximarem de nós e, embora eu saiba exatamente o que fazer para salvar meu pai, eu não consigo, grito o nome dele incansavelmente, na tentativa de acordá-lo. Uma ambulância chega e não me deixam ficar junto a ele, sou afastada para longe, enquanto os profissionais tentam reanimá-lo. Colocam-no na ambulância e uma enfermeira me fala rapidamente que o levarão para o hospital regional.
*
Seguimos todos para o hospital, esperando alguma notícia do meu pai. Eu sinto um mix de culpa, dor, desespero, medo... Fico sentada em uma das cadeiras da recepção e o balançar das minhas pernas demonstram o quanto eu estou nervosa. Olho para meus sobrinhos abraçados com minha mãe e percebo a Carol e o Tomaz do lado oposto, ele com uma expressão de incomodado com o local e ela, com a expressão triste, mas eles não se abraçam, não se consolam, não há conexão como casal e eu, de imediato, me lembrei do último pedido do meu pai.
Quando me levanto da cadeira para pedir informações na recepção, vejo “ele” chegando, com os cabelos lisos caidinhos sobre o rosto, balançando como antes. Ele está igual, apenas veste roupas mais formais. Tanto tempo sem vê-lo e meu coração não se importa com isso, sinto-o acelerar no meu peito, é uma overdose de sentimentos que eu não sei explicar, e sentimentos não são o meu forte, ou pelo menos, ultimamente não tem sido. Ele me olha, surpreso, como se não soubesse da minha chegada, então para ligeiramente a caminhada e eu continuo inerte, sem conseguir decifrar o que eu estou sentindo. Ouço a voz do Felipe:
— Papai.
Leo volta a caminhar e desta vez na direção dos meninos e eu vou em direção à recepção. Por quê? Por que o meu coração tem que acelerar deste jeito, de novo e, principalmente, por que tem que ser com ele? Merda!
Quando volto, ainda sem informações do meu pai, encontro as crianças abraçadas com o Leo, que as consola, quando ele me vê, volta os olhos para os meus e merda, meu coração consegue bater tão forte que tenho certeza de que é audível. Ele fala:
— Oi, Jess!
Eu balanço a cabeça positivamente e ele continua:
— Não deve ser fácil para você.
Eu me abraço, tentando me acalmar, acalmar aquela avalanche de sentimentos e só consigo responder:
— Nem um pouco!
Ele fala para as crianças:
— Meninos, eu pedi ao Sr. Marcelinho para pegar as roupas de vocês na casa da vovó e vamos passar um tempo na minha casa, ok?
Eles balançam a cabeça positivamente e o Joaquim fala, com a voz tristonha:
— E quem vai cuidar da vovó?
Eu respondo rapidamente:
— A tia Jéssica! Podem ficar tranquilos que cuidarei bem da vovó, está certo?
Eles sorriem forçadamente e o Leo fala, incomodado:
— Eu preciso ir, será que você pode falar com a Caroline? Eu não queria ter que falar com o Tomaz. Eu não sei se você sabe, mas não nos damos bem.
Eu balanço a cabeça positivamente e respondo:
— Pode ir, eu falo com ela.
Ele murmura:
— Obrigado!
Ele dá uma leve piscada para mim, assim como ele costumava fazer na escola e, por segundos, um sentimento diferente de dor invade meu coração e eu me desespero. Eu me sento na cadeira e fico os observando irem embora. E ver as crianças com o Leo me faz lembrar o último pedido do meu pai, eu olho para o Tomaz, que observa com uma expressão rancorosa as crianças irem embora com o pai. Eu realmente preciso manter inocentes a salvos de qualquer maldade desse monstro. Eu não sei como, mas eu preciso entender, eu preciso entrar na história da minha irmã para poder atender ao último pedido do meu pai. Pela primeira vez, em anos, eu só tenho uma opção: a de não silenciar.