Prólogo - Continuação

3771 Words
O recreio finalmente chega, a Bárbara e eu nos concentramos em revisar os assuntos da prova na cantina da escola. A Bárbara aproveita para anotar algumas coisas que não conseguiu decorar na mão como cola e eu infelizmente não posso correr o risco de ser pega, minha bolsa de estudos é muito valiosa para eu botar tudo a perder, por conta de uma cola. Risadas chamam minha atenção e vejo minha irmã sentada no colo do Leo e a turma dela sorri, divertida, sem preocupação com a pior prova da vida, a prova decisiva do ano. Não dá para entender como eles estão na mesma turma que nós. Há boatos que o professor tem um caso com a Vanessa, a melhor amiga da minha irmã, mas é tão improvável essa união que, para mim, só pode ser boato de adolescentes que veem muitos filmes ou séries com amores improváveis, e isso deveriam ser sinônimo de crime e não de romances. Eu deixo escapulir um: ECA! A Bárbara fala, chamando minha atenção: — Ele não olha para ela como olha para você. Eu retruco: — Você não é normal, como só pensa nisso? — Na forma como ele olha para você? — Também, mas estou falando mesmo em romance. — Você não sonha em se apaixonar? Em beijar? Ela faz um biquinho, balançando os cachinhos dourados que parecem emitir luz e me faz rir de imediato, eu volto a olhar para minha irmã que beija o Leo apaixonadamente. Então respondo, segura de mim: — Nem um pouco... Eu sonho em fazer uma faculdade. Eu sonho em ter minha casa. Eu sonho em viajar. Eu sonho em conquistar o mundo. Esse sonho de príncipe encantado é da Carol e da minha mãe. Volto minha atenção para a Bárbara que está com os olhos vidrados na turma da minha irmã, ela responde, não para mim, mas para ela mesma: — Eu sonho em ser beijada, eu sonho amar e ser amada, eu sonho... — Ela respira fundo e fala, hipnotizada no grupo: — Eu sonho em ser notada. Eu balanço o braço dela, tentando a acordar daquele sonho fantasioso e falo, apontando para os livros: — Vamos nos concentrar em sonhar neste exato momento em passar nessa matéria que é conhecida por reprovar muita gente. Nosso futuro está nas mãos daquele professor i*****l. Ela sorri forçadamente, nitidamente incomodada em precisar voltar à realidade e, como se fôssemos notadas, começam a jogar bolinha de papel de guardanapo na gente. Eu falo: — Bom, fomos notadas, seu sonho virou realidade. O sinal toca, sinalizando que nosso recreio acabou e meu corpo começa a tremer, de nervoso, eu preciso passar naquela matéria. Embora eu esteja preparada, com toda matéria na ponta da língua, meu emocional não está. O professor já está na sala e à medida que vamos entrando, ele nos cumprimenta. Fala apelidos carinhosos para o grupo de estudos do Descomplicando e eu coloco o dedo na boca, com uma careta de nojo, encenando um vômito para a Bárbara, que sorri discretamente da cena. O professor nota a minha brincadeira com minha melhor amiga, então pergunta, incisivo: — Está tudo bem, Jéssica? Eu faço um legal para ele e xingo mentalmente o desejo da Bárbara de ser notada. Ah, desejo maldito! Sentadas em nossas mesas, o professor explica que mudará os alunos de lugar, sem nenhuma surpresa para a gente. Como sempre, a patotinha dele fica na parte de trás e os meros mortais, como eu e a Bárbara, ficam na frente. A Bárbara falava que era uma forma de permitir que o grupo colasse sem que a gente descobrisse ou tivesse como provar o ocorrido. Chega o momento de ele determinar meu lugar na sala de aula, então, ele fala: — Quero a Jéssica na última cadeira da fila E. É a última cadeira encostada na parede, a famosa cadeira da Vanessa. Olho para o grupo do Descomplicando e percebo que estão surpresos, inclusive, minha irmã que, além de surpresa, está nitidamente nervosa. Fazia tempo que não a via assim! A Carol fala, com a voz trêmula: — A Jéssica precisa ficar próxima da porta de saída, por conta da incontinência urinária. Incontinência urinária? É sério, Caroline? Que loucura é essa? Que vergonha, meu Deus! As pessoas começam a rir de mim e eu falo, com indignação: — Deixe de ser louca, Caroline, estou indo para o meu lugar e ninguém me tira de lá agora. Quando passo pela Bárbara, a caminho do local que o professor Tomaz indicou que eu me sente, ela fala baixinho: — Hoje você vai tirar dez! Eu já posso morrer de inveja? Eu mostro a língua para ela, enquanto vou para o meu lugar e ela sorri de satisfação. Todos se sentam nos lugares demarcados por ele e, em seguida, ele começa a colocar as provas na mesa de cada aluno virada para baixo. Ouço quando ele pede para desvirarmos as provas e eu rapidamente começo a lê-la com atenção, cada segundo é precioso neste momento. Concentrada, não percebo quando o professor se aproxima de mim e me assusto, sem saber o motivo de sua aproximação sem minha permissão. Será que eu estou fazendo algo errado? Ah, não, por favor, eu preciso passar na sua matéria, professor Tomaz! Vai encher a paciência de outro. Quando meus olhos encontram os dele, percebo olhos acesos e obstinados que nunca havia visto nas aulas de Biologia e, de imediato, tenho medo. Eu me recolho na cadeira, tentando me defender de um olhar que mais parece ser tangível no meu corpo. Tenho medo desses olhos e do que eles têm a me dizer, ou melhor, a intenção daquele olhar que eu nunca tinha visto, não daquela forma, não daquele jeito, muito menos, com ele. Ele se abaixa na minha direção e eu olho todos da sala para ver se alguém está percebendo que ele está se inclinando na minha direção sem eu pedir ou perguntar, ainda mais com um olhar duvidoso que me amedronta. Segundos, que parecem horas, tudo por conta desse olhar e, posso até estar enganada, mas a expressão da boca também mudou, que era relaxada, para uma boca rígida, molhada. Molhada? Sim, eu consigo ver até a saliva. O que é isso? Eu balanço a minha perna na cadeira da frente, esperando que o Pedro faça algo, mas ele continua inerte, até parado demais, está incomodado, é notório, ninguém faz uma prova tão decisiva estando tão paralisado dessa forma. Ele não olha para baixo, ele olha para as laterais, como se estivesse acobertando algo, ou melhor, acobertando aqueles olhos. Eu devo estar com muito sono mesmo e imaginando coisas. Engulo a saliva com dificuldade e pergunto, quase que sem a voz que esse olhar está roubando de mim a cada segundo: — Professor? As mãos dele, com rapidez tocam minhas pernas e eu enrijeço imediatamente, já sem a voz e agora esse olhar rouba de mim também meus movimentos. Ele rouba minha possibilidade de pedir socorro e deposita em mim um terror de me deixar inerte. Eu tenho certeza de que parei de respirar por segundos, em contrapartida, a respiração dele está mais rápida e a boca se movimenta como se quisesse falar algo. Eu sinto o ar voltando a entrar no meu peito com dificuldade, estou tremendo e, mesmo assim, ele continua e, desta vez, sobe o suficiente para tocar na minha i********e. Eu sinto um toque leve, ao mesmo tempo doloroso, o que p***a está acontecendo? Eu não consigo falar, não consigo gritar e meus sons são todos abafados pelos olhos famintos daquele professor e do peso das mãos que machucam na minha pele, o dedo dele tem o objetivo de atingir mais profundidade do meu corpo. Eu só consigo desabar no choro e, desta vez, o Pedro fala alto, ofuscando meu grunhindo de terror: — Professor, preciso tirar uma dúvida. Tomaz sai de perto de mim e eu olho para meu corpo, procurando alguma marca da dor que eu sinto, mas essa ferida aberta que dói não tem cor, não tem marca. Eu estou tremendo, chorando, quero gritar, quero me lavar, neste momento eu quero tudo, menos estar viva. Olho para o lado, esperando que alguém possa ter visto, eu quero ter a certeza de que eu não estou louca e encontro a Bárbara me olhando, assustada. Ela viu? Eu pergunto se ela viu sem voz com lágrimas escorrendo pelo rosto e ela baixa os olhos, de forma negativa. O professor volta para o meu lado e se encosta na parede, então fala baixinho: — Se abrir a p***a da boca, vai ser reprovada. Ele entrega uma borracha com as respostas da prova e fala: — Assine sua prova de acordo com o que tem na borracha e passe para frente. Fico inerte, eu ainda não consigo olhar para ele, consumida pelo medo, ainda não consigo olhar aqueles olhos famintos que continuam buscando me devorar com tortura. E se ele fizer isso de novo? Ele fala, se aproximando ainda mais de mim: — Não é um pedido, é uma ordem. Estica a mão na minha frente e a outra coloca em cima no meu ombro. Ele pressiona meu ombro, o apertando e, como um plano perfeito, o Pedro fala algo alto, ofuscando para as pessoas da sala o que o Tomaz quer, para que apenas eu ouça: — Você quer que eu faça de novo? Tremendo, eu obedeço rapidamente, na tentativa de ele sair de perto de mim e eu poder voltar a respirar. A mão dele sobre o meu ombro mais parece que está no meu pescoço, me enforcando e aumentando a tortura de estar ao meu lado. Eu me apresso a obedecer e só assino a prova com as respostas rápidas na borracha e entrego ao Pedro. Um sinal toca, nos liberando para sairmos da sala de aula e entregar a prova, e eu me levanto de imediato. Ele aponta para a mesa dele na frente da sala e eu coloco a prova sobre ela, o obedecendo, e saio da sala como um foguete com lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Vou para a quadra, lugar que costumo me encontrar com a Bárbara, após as provas, para conferir nossas respostas, e choro sem parar, a cena passa pela minha cabeça em câmera lenta e eu começo a esfregar meu corpo, na tentativa de tirar essas lembranças de mim. O toque dele tinha textura, tinha cheiro e eu consigo sentir em tempo real cada pedaço de maldade que ele depositou no meu corpo e na minha alma. Vomito duas vezes enquanto choro, nada me faz parar de pensar no que se passou. A Bárbara chega assustada e eu pergunto, com desespero: — Você viu? Me diz que viu e vamos na coordenação e direção entregar esse pedófilo nojento. O Sr. Manoel precisa saber disso tudo. Lágrimas caem por seu rosto e eu pergunto, de novo: — Você viu, não foi? Diz que viu, por favor, me diz que eu não estou louca. Ela balança a cabeça positivamente e eu falo, segurando a mão dela: — Então vem, eu preciso de uma testemunha para colocar esse pedófilo na cadeia. Ela puxa o braço com recusa e fala sobre lágrimas: — Me desculpe, Jéssica, mas eu não posso. Eu pergunto, apavorada: — Você não pode o quê? — Eu não posso me meter nisso e correr o risco de reprovar. — Você não pode estar falando sério. — Antes de sair da sala, ele foi claro comigo, que se eu falasse alguma mentira por aí sobre ele, ele iria me reprovar, e você sabe que minha família se esforça muito para pagar este colégio para mim. Eu represento um sonho de várias pessoas. Eu não posso decepcioná-los. — Mas não foi mentira, é verdade, você viu. — Desculpe, mas eu não posso. Ela sai de perto de mim e eu fico inerte, sem acreditar que ninguém, exatamente ninguém, vai me ajudar. Eu estava ao lado de pessoas pertencentes ao grupo do Descomplicando, com certeza eu não fui a primeira a passar por aquilo e nenhum deles vai me ajudar. Eu estou sem saída, sem provas e devastada com este sentimento de impotência. O Leo se aproxima de repente de mim e fala: — Jess, você está bem? Eu estou tão desnorteada, que não o vi se aproximar e ao vê-lo, insanamente eu o abraço e volto a chorar, desesperada. Ele retribui o abraço e ficamos abraçados sei lá quanto tempo, mas sei que este abraço era o que eu precisava. Confesso que não imaginei essa cena desta forma e não posso aproveitar o momento para descobrir a textura da pele dele, muito menos, posso degustar do cheiro cítrico dele por conta do meu nariz congestionado pelo choro sem controle. Eu só posso degustar do sentimento de compaixão dele por mim. Ele fala: — Calma, você fez uma boa prova, vai dar tudo certo e, em breve, estará na faculdade que tanto sonha. Eu me separo do abraço repentinamente e fico o observando, será que ele poderia me ajudar? Será que ele também viu? Meu corpo se encolhe com vergonha de ser notada dessa forma, seria bom se ele tivesse visto, mas ao mesmo tempo é tão humilhante me ver nessa posição de presa devorada. Ele continua: — O professor Tomaz é só um sujeito durão, mas este ano já está no fim e você, com certeza, fez uma boa prova. Sua irmã me contou que você é muito estudiosa, então não tem o que temer. Eu pergunto, ainda com esperança de ter uma testemunha: — Você viu algo? Ele faz uma expressão de desentendido e a resposta aparece na minha cabeça: ele se sentou na primeira cadeira da minha fila, óbvio que não. Ele responde: — Eu vi que você saiu m*l da sala e... Eu o interrompo, pois preciso ter certeza de que ele não pode me ajudar: — E você não viu nada? — Antes de falar com você, vi que você e a Bárbara, tiveram algum desentendimento. Eu sempre vejo vocês duas juntas alegres e, de repente, vejo você saindo chorando da sala e, depois ela saiu daqui chorando, imagino que aconteceu algo. Se eu puder ajudar... eu não quero te ver triste. De repente, penso na minha irmã, ela deve ter pedido para ele vir aqui me ver devastada, ela neste exato momento deve estar feliz em me ver tão despedaçada e exposta na frente do Leo. Como ela pode acobertar um criminoso daquele? Eu enxugo minhas lágrimas e pergunto: — Foi a Carol que pediu para você me ver assim, não foi? — Não, a Caroline não saiu da prova ainda e... Eu respiro fundo e falo, interrompendo: — Olha, Leo, eu preciso ir, ok? Pego minha bolsa no chão e saio da quadra carregando o peso da minha alma sozinha. Ele fica parado, sem entender, e eu não quero ter que explicar nada. Na verdade, a única coisa que quero neste momento é esquecer e me libertar desta dor depositada em mim. Eu não quero ir direto para casa, como de costume, pois eu preciso de espaço para digerir a dor que parece não ter fim. Mando uma mensagem para o meu pai, dizendo que vou fazer um trabalho com a Bárbara e começo a andar sem destino pela rua, chorando, controlada por memórias que têm cheiro, textura e embrulham meu estômago. Eu preciso ficar sozinha e organizar meus sentimentos, sentir minha dor e desabar na escuridão que o Tomaz depositou em mim. Entro em uma igreja no caminho e, ao perceber que não tem ninguém, me escondo no confessionário e neste lugar escuro me jogo na minha dor. Eu tenho a esperança de que este lugar divino consiga me fazer esquecer de tudo o que passou. Acordo com um padre perguntando o que eu estou fazendo aqui, sentada, dormindo sozinha. Infelizmente, eu não consigo esquecer o que passei, mas ao menos eu consigo controlar mais meu choro. Eu peço desculpas ao padre por ter invadido o local sem pedir permissão e decido voltar para casa. Já é tarde e eu encontro meus pais e a Carol sentados na mesa, jantando. A Carol sabe o que aconteceu, era a melhor amiga dela que se sentava naquele lugar que eu fui colocada de surpresa, inclusive, por ela, que tentou arrumar uma desculpa para me tirar daquela armação, ela tinha a obrigação de ficar do meu lado. Quando nossos olhos se encontram, eu volto a me lembrar do ocorrido e começo a chorar de novo, eu estou devastada física e emocionalmente e é visível. Meu pai, ao me ver completamente despedaçada, se levanta vindo ao meu encontro e fala, apreensivo: — O que aconteceu, meu docinho? Eu não consigo olhar meu pai nos olhos e me mantenho olhando minha irmã, na expectativa que, ao menos desta vez, ela esteja do meu lado e segure minha mão para andar na mesma direção: a de incriminar o professor. Mas, para o meu desespero, ela abaixa a cabeça, tirando o nosso contato visual e volta a comer algo, mas sem naturalidade, demonstrando que ela está nitidamente incomodada. Eu abraço o meu pai e choro, ainda mais desesperada, pois do mesmo jeito que eu tenho certeza de que a Carol sabe o que eu passei, eu também tenho a certeza de que ela não está disposta a me ajudar. Minha mãe vem ao meu encontro e pergunta, assustada: — O que aconteceu, Jéssica? Minha irmã continua na mesma postura de culpada, então, eu me largo do meu pai, vou na direção dela e pergunto, chorando: — Eu conto, ou você conta? Ela cinicamente responde: — O quê? Você estava normal na escola, aí foi para a casa da Bárbara e ficou assim? — Caroline, por favor, não faça isso comigo, sou sua irmã. Minha mãe nos interrompe: — Do que vocês estão falando? Eu disparo: — O professor de Biologia é um louco, um pedófilo. Passou a mão pelas minhas pernas... Eu não consigo finalizar, a cena em câmera lenta na minha cabeça me faz reviver o momento exato com todos os sentidos apurados decorrente do terror instalado na minha alma. Meu pai me abraça de novo e um silêncio ensurdecedor entre eles é contrastante com meu choro estridente. Caroline fala: — Que absurdo! Duvido que ele tenha feito algo. Ele é extremamente respeitador, extremamente profissional, um professor renomado. Minha mãe fala: — Jéssica, pelo amor de Deus, o que você está falando? Isso é muito sério. Meu pai me abraça mais forte e fala, com raiva: — Eu vou matar esse... Caroline o interrompe: — Jéssica, pare de frescura e assuma logo. A minha mãe pergunta, confusa: — Assumir o quê? Ela continua: — A amiga dela está para ser reprovada e elas estão tentando armar para tirar o professor da escola. Um plano i****a, porque ele é o melhor professor da escola. Ridículo isso, Jéssica. Meu pai me solta do abraço e, olhando nos meus olhos, pergunta: — Jéssica, é sério isso? Carol continua: — Se ela tem certeza do que está falando, cadê a prova? Uma sala com tanta gente, você ao menos deveria ter uma testemunha. Quem é? Me poupe, Jéssica, deixa de ser ridícula. Eu fico olhando para minha irmã, incrédula que ela está fazendo isso comigo. É inacreditável que eu esteja fazendo isso. Ela insiste: — Cadê a prova? Quem viu isso? Eu não consigo responder. Eu não tenho provas, a não ser as lembranças vivas e cheia de texturas, que só em fechar os olhos se tornam reais. Minha mãe pergunta: — Alguém viu isso? Eu balanço a cabeça positivamente e ao lembrar que não tenho testemunhas, balanço a cabeça lentamente de forma negativa. Carol fala: — Bom, se ninguém viu, significa que você estava sozinha com ele, fazendo o quê? A maldade dela não tem tamanho nem limites, eu preciso pará-la para não me machucar ainda mais. Ela sabe que eu estou despedaçada e faz questão de me machucar ainda mais a cada palavra e pergunta. Minha mãe, então pergunta: — Você estava sozinha com esse professor? Por quê? Eu saio correndo para o banheiro e me tranco, desabando em choro, completamente despedaçada. Meu pai bate à porta, minha mãe faz perguntas que eu não consigo responder, me tornando uma vilã de um crime que fui vítima. Eu começo a gritar de ódio, de raiva, de tristeza, de dor. Minha irmã fala algo que não consigo compreender, mas faz com que meus pais saiam de trás da porta rapidamente. Quando consigo me acalmar, tomo banho inúmeras vezes, tentando me limpar de uma sujeira que sabão nenhum tirará, a sujeira está na minha alma. Vou para o quarto, exausta, e encontro minha irmã deitada na cama, acordada. Eu não consigo a encarar, deito-me na cama que fica de frente à cama dela e me viro de costas para ela. Ela fala baixinho: — Fique longe de tudo isso e esqueça o que aconteceu. Eu garanto que ele não vai mais mexer com você. Viro-me para a observar, e a encontro de olhos fechados, como se estivesse dormindo. Ela só pode estar querendo me ver louca, só pode ser. Eu me levanto da cama e falo, gritando: — Você está me fazendo de louca? Agora há pouco me humilhou na frente dos nossos pais, menosprezou a minha dor. Você não tem ideia do que eu estou sentindo. Ela continua com os olhos fechados, fingindo dormir. Eu grito: — Não me faça de loucaaaaaaaaaaaaaaaaaa! Minha mãe entra no quarto com brusquidão e grita para mim, com raiva: — Jéssica, vá dormir, agora! Parou com essa palhaçada. Se continuar com isso, vai ficar de castigo por um ano todo. Meu pai aparece entristecido e fala: — Jéssica, vá dormir, isso deve ser o cansaço. Eu quero gritar e apontar um criminoso, mas como fiz na sala de aula, de novo obedeço, sem questionar, e me deito na cama. Meu pai desliga a luz do quarto e, sem perceber, me tira a esperança de solucionar um crime e ver a justiça acontecer. A Caroline se mantém parada e, pela respiração, eu sei que está acordada, arrisco dizer que ela está chorando. Sem saída, eu só tenho uma alternativa neste momento, me calar, assim como o Tomaz fez comigo naqueles minutos que seus olhos me mantiveram parada, enquanto suas mãos machucavam minha alma. Na verdade, esta noite eu não estava me calando, esta noite eu estou sendo calada por minha família e por minha amiga. E ser silenciada, infelizmente, não significa esquecer, significa ser esquecida.
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