Capitulo 2 - Continuação

4247 Words
Acordo disposta a encontrar um emprego e focada em desvendar todas as teorias criadas por meu pai. Minha mãe já está acordada organizando nosso café da manhã e ao vê-la, falo, entusiasmada: — Bom dia! Ela responde, mas com tom de preocupada: — Filha, o Leo me falou da proposta de emprego, você precisa aceitar, ele me falou do salário e, sinceramente, você não está em tempo de recusar emprego. Eu respondo: — Primeiro, bom dia, mãe! E segundo, hoje mesmo eu vou procurar emprego, então fique tranquila que as coisas irão se ajustar. — Filha, agora com seu pai internado, não teremos os extras que ele recebia, sem contar que agora tendo que me dedicar às crianças e ao hospital, eu não consigo trabalhar. — Calma, já disse que as coisas irão se acertar. Ela me olha atenta e fala, com tom de pedido: — Eu preciso de você! Eu respondo: — Eu já disse que hoje vou em busca de algo. Tenho contatos em toda parte do mundo, inclusive, por aqui. Poucas pessoas têm o título que tenho, então... — Eu estou te falando que temos pressa e você tem a solução na sua frente. — Mãe, sinceramente, eu não quero trabalhar em um escritório... Eu não posso explicar que preciso descobrir mais sobre o Tomaz e a Carol, muito menos que não posso me trancar em um escritório com o Leo. Ela insiste, me interrompendo: — Filha, se você não trabalhar, ficaremos sem dinheiro e o Leo pode querer requerer a guarda das crianças. Eu respondo o óbvio: — Ele é o pai! Não vejo motivos de preocupação. É natural que um pai queira criar seus filhos, caso a mãe não queira. Ela derruba uma xícara no chão nervosa e responde, brava: — O lugar deles é aqui, conosco. Eu sei que você passou muito tempo longe e não consegue entender, mas o lugar deles é aqui. Por favor, arrume um emprego e me ajude a mantê-los seguros. Eu fico sem entender o medo instalado na minha mãe. Será que ela também suspeita de algo? Eu olho da janela e vejo o Theo de bermuda e camisa de malha na casa da frente, regando um girassol e falo para minha mãe: — Eu preciso falar com o Theo, já volto! Ela resmunga: — Esse menino é uma perda de tempo. Eu sempre dizia ao seu pai que ele não tem nada a oferecer. Eu finjo que não escuto os resmungos da minha mãe e saio depressa de casa e, ainda de pijamas, grito: — Theo? Ele, ao me ver, sorri e... Ah, que sorriso lindo! Não sei se ele sorriu só porque me viu, ou porque me viu de pijamas. Eu pergunto, envergonhada e tentando esconder meu pijama: — Você está indo para a escola? Ele balança a cabeça positivamente e ao perceber que estou envergonhada, baixa a cabeça, escondendo o sorriso e controversamente eu acho r**m. Eu pergunto: — Será que você pode esperar vinte minutos para eu ir com você? Ele olha no relógio e responde: — Será que você consegue em quinze minutos? Eu respondo: — Sim! Ele continua sem olhar para mim, com respeito. Eu nunca conheci alguém assim, tão... sei lá, tão Theo de ser. Eu volto para casa como um foguete, me apressando a me arrumar. Hoje eu irei conseguir um emprego naquela escola, a qualquer custo. Hoje o meu plano de desvendar o que o Tomaz faz e/ou fez naquela escola de forma errada com os alunos entrará em ação. * Theo aparece com um carro velho, que balança e faz barulho na vizinhança. Eu acho que entendo por que meu pai gosta tanto do Theo, eles se parecem demais e eu acho isso muito bom. Eu então pergunto, quebrando o silêncio entre nós: — Vi você regando um girassol hoje. Ele responde: — Ah, ele lembra demais minha prima Bárbara, é sua flor preferida. Eu me lembro bem disso, Theo. Ficamos em silêncio e ele percebe que me senti incomodada em falar da Bárbara. Então, ele pergunta: — O que você gosta de ouvir? Eu respondo: — Achei que meu pai tivesse falado a você também meu gosto musical. Ele sorri e responde: — Bom, disso ele não me contou. Então vou precisar que você me fale. Eu respondo: — Eu gosto de tudo. — Tudo mesmo? — Para mim, música é uma marca de momento. Então, não é a letra, ou estilo musical, mas a forma que a música naquele dia toca minha alma. — Bem poética. Gargalhamos e ele fala: — Então, vou colocar uma música que marcou hoje de manhã. E assim ele faz, coloca a música Girassol e eu sorrio, porque de fato vê-lo regando um girassol foi tão encantador. Ele começa a cantar a música, olhando para mim: “No coração de quem faz a guerra Nascerá uma flor amarela Como um girassol Como um girassol Como um girassol amarelo, amarelo[1]...” E nesta manhã até me sinto um pouco como um girassol em busca da luz do Theo. A música acaba e eu decido colocar uma que eu gosto e ele começa a cantar comigo, de um dos meus cantores preferidos: “Hoje eu acordei com uma vontade danada De mandar flores ao delegado De bater na porta do vizinho e desejar bom dia De beijar o português da padaria...”[2] Paramos no sinal e a música acaba, ele então olha para mim e fala, com o sorriso mais lindo que eu já vi na vida: — Você é divertida. E os olhos dele, que brilham de uma forma intensa, me fazem querer observar os detalhes. Ele tem um sinal no olho, um pontinho preto que briga com a cor mel. Cílios grandes pretos que parecem proteger aquele olhar tão preciso. E ficamos nos observando mais tempo que o normal, ou que deveríamos e sinto meu coração acelerar. Meu Deus! O que está acontecendo? Eu engulo a saliva que neste momento está abundante, como se estivesse faminta e de frente para algo que irá me satisfazer. Buzinas soam e ao olharmos para frente o sinal está verde. Eu respiro, um pouco aliviada, porque aquele olhar, aquele pontinho preto, aquele sorriso são hipnotizantes. Ficamos um tempo em silêncio, sem ouvir música, sem cantar, sem nos olharmos, porque foi estranho sentir aquilo naquela intensidade e daquela forma. Eu devo estar muito carente, mesmo. Na esquina da escola, meu coração volta a acelerar, mas desta vez é de terror. Ele percebe, então fala: — Calma, vai dar tudo certo! — Dar certo depende muito do contexto. — Você fala em relação ao emprego? Eu balanço a cabeça positivamente, querendo gritar: não. Ele fala: — Fique calma, vai dar tudo certo. Se você quiser me esperar, depois do almoço eu pretendo ir ao hospital ver ser pai, se quiser ir comigo... Minhas mãos suam, meu coração está tão acelerado que tenho certeza de que ele irá sair do meu peito com as batidas vorazes que estão relacionadas ao terror que essa escola e as recordações que eu tenho dali me causam. As lembranças começam a surgir em câmera lenta e eu me apavoro, deixando lágrimas cair. A mão quente dele toca meu rosto e ele fala: — Calma, vai ficar tudo bem! Se você não se sentir preparada hoje, posso te levar para casa e você tenta vir outro dia. Eu respiro fundo várias vezes e respondo: — Obrigada, mas eu preciso fazer isso, não só por mim, mas por meu pai. Ele, que me olha atento e acho que entende minha aflição, pois responde, como se estivesse me encorajando: — Eu sei e você vai conseguir! Ele enxuga minhas lágrimas e, sem perceber, eu cedo o rosto, apreciando o leve carinho dele que é quente e macio. É muito bom! Estou de olhos fechados e, ao perceber essa atitude esquisita para uma pessoa insensível como eu, dou um pulo no banco, tirando rapidamente o cinto de segurança e falo, já saindo do carro como fuga à avalanche de sentimentos que estou sentindo, quer dizer, que sinto quando estou com ele: — Obrigada, Theo! Ele acena de longe, indo estacionar o carro e eu entro na escola. Minhas pernas tremem, está difícil andar e controlar o medo incontrolável dentro de mim. Eu coloco em prática as técnicas de respiração que certa vez li em um artigo acadêmico, em busca de controle de ansiedade. A escola está um pouco diferente em estrutura, está mais moderna, mas olhando bem direitinho, ainda é a mesma escola com seus verdinhos passeando pelo pátio, as crianças e adolescentes correndo, sorrindo, brincando e encontro até outras Jéssicas e Bárbaras em locais escondidos das patotinhas da escola. E não preciso andar muito para constatar que é a mesma escola, tudo igual, apenas maquiada com novas cores, pinturas, revestimentos..., mas a essência é a mesma. Chego à direção e falo com a recepcionista de cabelos médios, óculos estilosos que servem como moldura para seus olhos puxadinhos lindos, e mesmo sentada dá para perceber que é bem baixinha. Ela recebe meu currículo e não é de se estranhar que ela, ao analisar, fica impressionada, é impressionante mesmo e eu adoro me vangloriar com isso, afinal, eu me dediquei por quase uma década. Eu falo: — Estou em busca de emprego e tenho experiência na docência com adolescentes, principalmente na área de ciências biológicas. Vocês estão contratando professores? Ou auxiliares? Ela pergunta: — Seu nome é Jéssica, estou certa? Eu balanço a cabeça positivamente e ela fala: — O Theo me falou que você viria e eu nem imaginei que fosse ser tão boa assim. Este currículo é tudo o que o Sr. Manoel está esperando. Estamos com uma vaga para início imediato de coordenação do ensino médio. O que eu queria era ir para sala de aula, que é o local que eu domino bem. Coordenar ensino médio do Evolução será uma tarefa difícil, desafiadora, mas me manterá perto do Tomaz, então eu toparei se conseguir a vaga. Eu falo: — E como eu posso concorrer a essa vaga? Ela sorri amigavelmente e fala: — Vou levar agora seu currículo para o Sr. Manoel. Espere só mais um pouquinho, aqui na recepção. Se ele gostar, o que tenho certeza de que irá acontecer, ele já conversa e acerta os detalhes para você iniciar esta semana. Precisamos de alguém com experiência para iniciar imediatamente. Ela olha de novo o papel e pergunta, animada: — E você ainda é ex-aluna? Eu sorrio forçadamente e respondo: — Sim. Infelizmente. Ela não demora para voltar e, pelo sorriso contagiante no rosto, aposto que ela conseguiu que o Sr. Manoel me receba. Ela fala, ainda mais animada e empolgada: — O Sr. Manoel vai te receber agora! Eu me levanto da cadeira, confiante, e ela fala baixinho, antes de eu entrar na sala: — Boa sorte! Faço um legal para ela e, assim que entro na sala, encontro o Sr. Manoel, o mesmo da minha época, desta vez está com um aspecto cansado, já idoso e não parece ter mais aquela disposição de antes. Ele fala, animado: — Jéssica, que maravilha encontrar você por aqui, ainda mais se candidatando a uma vaga de professora. É um orgulho ter uma ex-aluna com esse currículo de invejar a qualquer docente. Você é uma joia preciosa, lapidada e em extinção. Eu sorrio timidamente e ele continua: — Li suas cartas de recomendação e, sinceramente, eu só acho que seu lugar aqui neste colégio seja sentando-se na minha cadeira e me substituindo. Ele gargalha e eu fico apreensiva, afinal, essa ironia toda denota que eu não vou conseguir a tão desejada vaga. Então, eu falo: — Eu soube que estão ampliando a escola e eu posso ficar como monitora nesse período, enquanto não termina o ano letivo e vocês não abrem vaga para novos professores. Ele fala, com deboche: — Com esse currículo, te colocar como monitora? Você só pode estar de brincadeira. Não, querido, eu só preciso estar nesta escola a todo custo, para honrar o último pedido do meu pai consciente. Eu forço um sorriso e insisto: — Será bom para me adaptar ao ensino do Brasil. Passei muito tempo fora e as coisas aqui são diferentes do que me habituei. — Eu justamente quero a diferença que você aprendeu fora do país, aqui no meu colégio. Esse currículo tem tudo a ver com a nova proposta da escola, mas não quero te colocar em um nível abaixo do que você merece. — Mas eu preciso de um emprego... Ele me interrompe: — Temos uma coordenadora do ensino médio saindo de licença maternidade e acho que seria bom ter você com sua experiência coordenando os professores e administrando a ansiedade dos pais dos alunos. Tínhamos em mente promover um dos professores da casa, mas vendo esse seu currículo, me sinto na obrigação de te colocar no cargo, sem nem sequer conversar com nossos conselheiros. Respiro, aliviada, afinal tirar a aprovação do Tomaz da jogada é uma vitória, pois com certeza ele me traria problemas para conseguir o emprego. Eu falo, segura: — Por mim, tudo bem. Ele fala: — Eu só não consigo te pagar agora um salário de coordenadora, então você entra com um salário de professor iniciante que não é alto. — Tudo bem! É só você me dizer quando posso começar. — Amanhã? — Amanhã. Ele estende a mão e finaliza: — Pode entregar seus documentos à recepcionista, que ela irá dar andamento à sua contratação. Seja bem-vinda! Eu aperto a mão dele rapidamente e respondo: — Obrigada, Sr. Manoel. — Agora, eu peço licença, pois tenho uma reunião com alguns fornecedores. Eu saio da sala animada e até dou uns pulinhos de felicidade. A recepcionista me vê alegre e responde: — Eu sabia que você iria conseguir. Com esse currículo, seria impossível ele deixar você sair daqui sem te contratar. Sorrimos juntas e ela continua, animada: — Se você quiser, posso te levar para fazer um tour na escola, muita coisa mudou da época que você estudou aqui, então acho que você vai gostar. — Se você estiver com tempo livre, eu topo! — Eu preciso levar esse documento — ela mostra um papel — na área do fundamental, então não vai atrapalhar em nada na minha rotina. — Desculpe, eu nem perguntei o seu nome. — Laura. Estendo a mão para cumprimentá-la e ela me abraça. Eu fico rígida de início, mas vou cedendo à medida que ela aperta o abraço, me forçando a ceder. Ela fala: — Eu sou grudenta mesmo, viu? Não se assuste. Rimos e começamos o nosso tour pelos corredores da escola, eu posso até estar enganada, mas acho que seremos grandes amigas. Caminhando pelos corredores, é inevitável não procurar cada um daqueles colegas de turma que eu tive. É inevitável não me lembrar de momentos com a Bárbara e me pergunto: Será que ela publicou o livro? Eu devo perguntar ao Theo sobre ela? Depois do ocorrido com ela, após a prova do Tomaz, nós nos afastamos e ela passou a fazer parte do Descomplicando, fazendo com que fôssemos pessoas tão distintas que eu nem a reconhecia quando passava por mim na escola. A Laura não para de falar, ela é do tipo de pessoa que precisa falar, independente se alguém irá ouvir, e eu confesso que não consigo me conectar muito com as conversas dela neste momento, pois eu estou com minha cabeça no passado. Ela aponta para uma das salas e fala: — Esse professor estudou aqui na escola, na mesma época que você. Talvez o conheça! Eu olho pela pequena janela de vidro da porta e encontro o Pedro, não mudou muito, continua o mesmo, apenas com cabelos maiores, cachos grandes, que quase o deixam irreconhecível. Mas é ele, eu sei, infelizmente eu o reconheceria de qualquer maneira. O cúmplice de um criminoso, um ser sem sentimento, sem empatia e que me viu sofrer sem sequer tentar intervir para me salvar. Ele fazia parte do grupo de pessoas que me silenciou. Eu jamais o esqueceria. Ela continua: — Pedro Albuquerque. O nosso professor pupilo, foi recomendado muito por um dos professores mais queridos do Sr. Manoel, o conselheiro Tomaz. Ele que iria assumir o cargo que você acabou de preencher. Ele deu continuidade aos projetos de estudos que o professor Tomaz implantou na escola... Falamos na mesma hora: — Descomplicando. Ela sorri e fala: — Atualmente há Descomplicando em todas as séries do ensino médio e aborda várias disciplinas. O Tomaz saiu do colégio como professor, mas possui um percentual pequeno de ações da escola. O Descomplicando é independente das atividades curriculares da escola, então você não vai precisar se preocupar com esse projeto, mas se quiser saber detalhes, precisará colher informações com o próprio Tomaz, pois ele acompanha de perto o andamento das aulas. Provavelmente, você conhece o Tomaz, ele era professor na sua época de escola. Eu balanço a cabeça positivamente e falo: — Além de ter sido meu professor, é meu cunhado. Ela para repentinamente de andar e responde, assustada: — Ai, meu Deus, você é irmã da Caroline? — Sim. Ela me observa e eu sei que está encontrando as poucas semelhanças que restaram em irmãs gêmeas. Ela muda a expressão de antes que era de entusiasmo e fala, como se forçasse um sorriso: — Seus sobrinhos são lindos demais. — Obrigada! Voltamos a andar pelos corredores, mas desta vez em silêncio, até que ela entrega o documento que precisava no setor do fundamental. No caminho de volta, eu avisto a cantina do ensino médio e lá está o Theo sentado nas mesas, cheio de papéis e distraído com uma calculadora. Eu me despeço da Laura e vou para junto dele. Ele não percebe minha chegada e eu pergunto, timidamente: — Oi? Ao me ver, ele abre um sorriso e pergunta, juntando os papéis: — Oi, como foi a entrevista? Eu me sento junto a ele e respondo: — Deu tudo certo, vou ficar como coordenadora do ensino médio. — Que felicidade, seu pai vai gostar de saber disso! Eu começo a organizar os papéis que estão na mesa juntamente a ele e com um descuido proposital tocamos nossas mãos, e é bom sentir sua mão macia quente sobre a minha. Ele sorri e eu fico hipnotizada no pontinho do olho dele. Ele fala: — Em breve, o sinal vai tocar para liberar a galera para suas casas e poderemos ir ao hospital, você quer? Com os olhos fixos um no outro, eu respondo: — Sim. Eu puxo a mão delicadamente de baixo da dele e tento falar sobre qualquer outra coisa para mudar o sentimento que está invadindo meu coração. E imediatamente me vem a Bárbara na cabeça, então sem ter muita certeza de que eu quero ouvir, pergunto: — Você é mesmo primo da Bárbara? — Sim, sou. — E como ela está? Ele baixa os olhos, perdendo meu contato visual e o sorriso desaparece. Então fala: — Eu não sei, ela sumiu há alguns anos e não se tem mais notícias dela. — Como assim? — Saiu de casa certo dia e não voltou mais. — E vocês procuraram a polícia para encontrá-la? — Sim. — E o que a polícia diz disso? — Não se tem pistas de onde ela esteja, ou se ela está viva, então está tudo parado. — Vocês eram próximos? — Muito, como irmãos, mas... O sinal toca e ele volta a me olhar, e eu percebo a necessidade que ele tem de não falar no assunto. Eu não questiono o que ele iria falar em seguida, eu respeito a sua barreira, a necessidade de silenciar neste momento é dele. Após um suspiro que mais parece um agradecimento a mim, por não o pressionar a terminar a frase, ele pergunta, mudando de assunto: — Vamos para o hospital ver seu pai? Eu balanço a cabeça positivamente e ele se levanta da cadeira, falando: — Só vou falar com o pessoal da cozinha e já volto. Espero-o sentado e percebo o Pedro caminhando no pátio. E de imediato me lembro dele sentado na cadeira à minha frente, acobertando o crime do Tomaz. Com certeza, naquela época ele já vislumbrava esse cargo de pupilo do Tomaz, mas desta vez nem a voz dele, nem a voz do Tomaz vão me silenciar, desta vez eu irei passar feito um trator por cima de todos eles. O Theo fala, distraindo meus pensamentos de vingança: — Vamos, Jéssica? * Meu pai ainda está conectado aos aparelhos que o mantêm vivo, fico ao lado dele, que está inerte sem demonstrar qualquer sinal diferente com a minha chegada, me perguntando se sou a verdadeira responsável por ele estar aqui, afinal, foi depois de tentar me contar que sabia do que eu tinha passado com o Tomaz, que ele passou m*l. Também me pergunto várias vezes como será que ele passou a desconfiar de que a Caroline está envolvida com atos ilícitos? Minhas lágrimas caem sem eu perceber e, de repente, a enfermeira entra no leito do meu pai e fala baixinho: — Infelizmente, o horário de visita acabou, vou precisar que você se retire. Eu dou um leve beijo na cabeça do meu pai e falo: — Eu vou conseguir, pai! Fique tranquilo! Assim que saio da UTI, encontro o Theo me esperando, mexendo no celular. Ele percebe meu semblante de tristeza e fala: — Ele vai ficar bem, em breve ele vai sair daqui. Eu dou uma leve piscada com um olho para ele e falo: — Eu sei, mas ver um homem como ele tão forte e ao mesmo tempo tão debilitado em cima de uma cama, é doloroso. — Eu te entendo bem, por isso não consigo passar muito tempo lá dentro. Vamos caminhando na direção da saída do hospital e o Theo então pergunta: — Bom, a essa altura do dia, você já deve estar com fome. O que você acha de a gente parar para almoçar em algum lugar? Eu respondo: — Boa ideia, só não me leve para lugar caro, que eu só vou receber meu primeiro salário no final do mês. Gargalhamos juntos e ele fala: — Você é minha convidada de honra e hoje vamos comemorar seu emprego. No carro ficamos em silêncio um tempo, ouvindo músicas aleatórias no rádio, então eu pergunto: — Por que você tem todo esse cuidado e carinho com o meu pai? Desculpe a pergunta, mas é que tem sido tão conturbado esses dias. Parece que vivo um pesadelo de um novelo todo emaranhado. Ele continua dirigindo e fala, observando o trânsito: — Ele me ajudou muito, acreditou em mim desde o princípio e ficamos amigos. Seu pai é um cara especial que não gosta de ver injustiça. — Eu sei. Vem à minha mente o último pedido dele e fico pensativa nas estratégias que deverei usar quando entrar na escola Evolução como coordenadora. Chegamos a um restaurante que pela fachada demonstra ter um cardápio bem caseiro. Ao entrarmos sou rendida pelo cheiro fantástico do buffet servido tipo self-service. O restaurante está repleto de idosos e conforme sempre ouvi do meu pai: “se o restaurante tem muito idoso, significa que a comida é boa, pois só os mais experientes possuem um paladar apurado”. O Theo fala, animado: — Bom, o lugar é simples, mas a comida é muito boa! Sem contar que é o que hoje eu consigo pagar para nós dois. Nós nos servimos e nos sentamos em uma das poucas mesas vazias no final do restaurante. Degustando a comida, eu falo, animada: — A comida realmente é muito boa. Ele sorri de satisfação e continuamos comendo, nos deliciando com aquele sabor caseiro que recorda minha infância e momentos de felicidade em família. Antes de entrar no colégio Evolução, éramos uma família unida, minha irmã era a minha melhor amiga. Sem contar que fora do Brasil eu tinha a maior dificuldade de encontrar boas comidas caseiras nordestinas brasileiras. Após finalizar o meu prato, eu falo: — Obrigada, Theo! Você tem sido um amigo incrível! Quando saí daqui do Brasil, para viver o meu sonho de estudar fora e construir uma carreira internacional, eu joguei tudo para o ar, desde relacionamentos com minha família aos relacionamentos com amigos. E voltar a morar aqui no Brasil sem ter o apoio do meu pai tem sido bem difícil, me sinto sozinha, muitas vezes. — Você não está sozinha, sempre que precisar é só atravessar a rua. — De verdade, obrigada. Ele faz um leve carinho na minha mão e sinto o coração disparar, é a primeira vez que me sinto assim com um amigo, ou um recém-amigo. Não é só um disparar de coração qualquer, não é confortante como era com o Greogory, ou frenético como era com o Leo, é diferente, é a intensidade exclusiva do Theo. Ele está se tornando uma pessoa importante para mim e eu estou gostando de sentir isso, nem rápido, nem lento, mas extremamente intenso. Intenso como o seu sorriso, intenso como o pontinho preto que vez ou outra eu tenho o privilégio de admirar, intenso como o seu cheiro ardente, intenso como um calor em seu abraço ou dos seus toques sutis. Intenso como o Theo! Ele então fala com aquele sorriso lindo que tanto me encanta: — De nada! [1] Girassol - Cidade n***a. [2] Telegrama - Zeca Baleiro.
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