ELE
Ares estava no salão de artes do castelo antigo, que ficava no centro da cidade principal do seu território. Nesse salão, ficavam os quadros e bustos dos Alfas anteriores. Diante dele, a pequena estátua de Luna Edite, onde ele havia, como todos os dias, trocado as flores do vaso.
Ele olhava fixamente para aquela que era a figura que representava a Luna conhecida por sua bravura e bondade.
A saudosa Luna cujo vincula ainda percorria a aura de todos os membros do clã.
A amada líder que dedicou a vida para cuidar do seu povo.
A fêmea que ele nunca teve a oportunidade de chamar de mãe, mas que, ao nascer, causou a morte.
“ Você não é meu filho, muito menos o meu herdeiro! Por sua causa, a minha companheira morreu, você é um maldito!”
Ares retirou as flores do vaso e as arrumou novamente, uma a uma, até que o arranjo lhe parecesse perfeito.
Pegou uma pequena vela de cera e parou diante da imagem de Hecate, a Deusa dos lobisomens, mãe de todas as Lunas.
Aquele era o aniversário de morte de Luna Edite, a data mais triste para o seu povo, também a data do seu aniversário.
Vinte e sete ciclos solares…. Catorze deles sobrevividos entre dor e escuridão, até que se libertou, causando mais mortes. A morte parecia seguir os seus passos, levava destruição por onde ia.
O Alfa Maldito.
— Ares, O Alfa mais temido em existência, o mais forte dos três escolhidos. Quem diria que tem o seu lado doce e nunca deixa de trazer flores para a sua mãe?
Ele terminou de acender a vela e a colocou diante da imagem da Deusa.
— O que faz aqui, bruxa?
— Não sou uma bruxa, Alfa, sabe disso.
— Hm… — Ele apenas grunhiu em resposta.
Tive uma visão sobre o seu futuro e sabia que te encontraria por aqui…
— Não gosto das suas visões!
Ele estava sendo sincero, como sempre. Ares odiava mentiras com a mesma força que odiava as visões de Dófona, a oráculo do clã.
A última visão dela a seu respeito acabou com o pouco de esperança que ele tinha nessa vida e desencadeou a tragédia que o fez ascender ao trono de Alfa ainda praticamente um filhote.
“ O Alfa amaldiçoado pelo próprio sangue nunca encontrará uma loba companheira, nenhuma loba terá a alma gêmea à sua.”
Alfa Hermes gargalhou ao ouvir as palavras de Dófona, satisfeito por ter a suas pragas concretizadas. O filhote que ele culpava por levar a sua companheira nunca teria uma para si!
Ele não era um solo, como ômegas, mas um lobo vazio, condenado a solidão eterna.
Esse foi o pretexto para que Alfa Hermes deserdasse Ares e nomeasse o seu Beta como sucessor.
Dófona foi consultada, e teve outra visão:
“ Alfa Hermes, o seu desejo é o seu destino, pois enquanto estiver vivo, Ares nunca ascenderá ao trono!”
O Alfa anunciou um baile em comemoração, onde apresentaria o novo sucessor, seu Beta e sobrinho, primo de Ares, herdaria o seu lugar.
Naquele mesmo baile, Alfa Hermes morreu e Ares tomou o trono.
— Talvez goste dessa visão, meu Alfa. Não há palavras, nem versos, apenas uma imagem e um aviso. Deve ir ao encontro dos caçadores de humanos essa noite e adquirir alguns deles.
Ares finalmente se virou na direção dela, o rosto inexpressivo e olhos vazios.
— Não gosto de humanos!
— Me pergunto se há alguém de quem gosta, meu Alfa… .— Dófona sorriu lentamente, antes de tirar um pequeno objeto do alforje que carregava na cintura. — Pegue, Alfa, pois é chegada a hora de te entregar um pequeno presente de agradecimento por salvar a minha vida no passado.
Ares olhou para a mão dela, em seguida, a fitou nos olhos, antes de aceitar. Dófona depositou uma pedra na palma da mão do Alfa.
— Para que eu quero isso? — Ele olhou para a pequena pedra verde translúcida com desdém.
— Algo me diz que encontrará uma utilidade para ela. Por enquanto, apenas a guarde e, caso queira, leve-a consigo para o covil dos caçadores de humanos. Não sei a razão, mas é importante que vá, meu Alfa, peço que confie em mim.
*********
ELA
“Allahu Akbar”
Levantei a cabeça, ainda de joelhos, olhos fechados, pedindo a Deus para que tudo desse certo. Finalmente o dia que planejei desde a noite de núpcias chegou. Enrolei o tapete de oração e o coloquei no gavetão, junto ao Corão. Dei mais uma olhada na mochila que preparei e escondi debaixo da cama e o meu coração bateu acelerado.
É hoje!
Preparei o desjejum, e enquanto estava a coar o chá, Amir entrou na cozinha vestindo apenas a calça do pijama e abraçou-me por trás.
Nunca gostei do toque dele, mas hoje a minha repulsa estava ainda maior do que o normal, acho que o meu corpo sabia que logo ficaria livre e não o suportava mais.
Forcei um sorriso e me virei de frente para ele.
— Bom dia, marido!
— Está toda produzida para quê? — Perguntou apalpando o meu traseiro.
— Tenho consulta marcada, esqueceu?
— E precisa se arrumar toda para sair de casa?
— Não estou toda arrumada, marido, essa roupa eu uso em casa e esse Hijab tinha antes de nos casarmos.
— Está maquiada para ver o médico? — Ele deslizou o dedo indicador pela minha camisa, sobre os meus s***s. — Isso é exposição da sua figura! Quem tem que ver você bonita sou eu!
— Não posso ficar feia só para sair de casa…
Disse, tentando ser engraçada, mas ele não gostou e arrancou o meu hijab, para poder ter acesso aos meus cabelos, que enrolou na mão e puxou a minha cabeça para trás.
— Não quero que outros homens vejam a minha esposa, além disso, acordei com t***o, vamos para o quarto, quero que me sirva na cama.
Ele me puxou pelo braço de volta para o quarto, mas eu travei os meus passos.
Ah, não, eu já não estava aguentando a mão nele na minha pele, deixar que ele usasse o meu corpo mais uma vez estava fora de cogitação.
— Marido, espera, não podemos fazer nada hoje, tenho consulta com o ginecologista, esqueceu?
— Qual o problema? É uma mulher casada, eles sabem que tem um marido, se virem esperma em você, só mostrará que temos uma vida s****l saudável.
— Farei preventivo, não pode ter nenhuma substância estranha no canal vaginal, todo mundo sabe disso!
— Vou te pegar por trás e ser rápido.
Qual a novidade? A única parte boa do sexo com ele é que acaba rápido.
— Não dá tempo, Amir! Estou em cima da hora e não posso me atrasar, é muito difícil conseguir uma data e quero que tenhamos um bebê o mais rápido possível.
Ele me olhou com a cara fechada, a boca torcida em desgosto e raiva. Ele detestava ser desobedecido, ou quando eu o rejeitava na cama. Aliás, Amir era um adulto mimado que não suportava ouvir um “não”.
Ele me encarou com o olhar raivoso e intimidador e o seu tom de voz fez percorrer um frio na minha espinha:
— Tem certeza que quer sair de casa hoje?
Ah, não apenas certeza, criatura, mas desespero. Tudo planejado para escapar de você, da sua mãe, da minha “família” ingrata e dessa vida miserável!
— Pela nossa felicidade, marido! Quero ter filhos no futuro e a ida ao médico hoje é um passo importante para isso!
Esse i****a não fazia ideia do peso dessas palavras e o que eu escondia por trás delas.
— Então, vá, mas tenha em mente que vou fazer tudo o que eu quiser contigo quando voltar para casa…
Eu sorri, com nojo e vontade de vomitar.
Não voltarei para casa, nunca mais vai botar essas mãos nojentas em mim!
— Tome o seu café da manhã, Amir, não quero que o meu marido vá trabalhar em jejum!
Ele sorriu de volta e comemos juntos, mas quando ouvi barulho do quarto da megera, indicando que acordou, terminei a refeição e fui para o meu quarto.
Sem fazer muito barulho, tirei a mochila debaixo da cama e fui para a janela. Amarrei uma corda nas alças para descê-la sem danificar os objetos dentro dela. Larguei a corda que caiu sobre a mochila. A janela dava para o pátio externo e eu passaria por lá ao sair pelos fundos.
Continha dinheiro, que roubei do cofre de Amir, pois não sou boba nem nada de sair com as mãos abanando. Também tinha os meus documentos, a minha câmera fotográfica digital que papai me deu, alguns objetos de recordação, peças de roupa e necessidades.
Ainda estava olhando para a mochila caída no chão, lá em baixo, quando amir entrou no meu quarto.
— Muda de roupa, está muito exposta, a minha mãe mandou você vestir esse niqab, é mais apropriado para uma mulher casada.
Àquela altura, eu só queria sair, então, acatei a ordem dos hipócritas e vesti o niqab, que deixava somente os meus olhos à mostra.
Ele me encarou com o rosto sério e irritado quando nos despedimos. Ele saiu pela frente, para trabalhar, como de costume e eu saí pelos fundos. Olhei para os lados, me certificando de que ninguém me seguia nem podia ver o que estava fazendo, peguei a mochila com o coração na mão e saí. A cada passo que me distanciava da casa, a sensação de alívio aumentava.
No fundo, Amir me fez um favor, vestida com estava, ninguém me reconheceria na rua. Peguei um táxi e fui para o consultório da médica que me ajudaria a escapar. Ela sabia toda a minha história, minha feridas internas e externas, e se ofereceu para providenciar passagens de trem até sair da minha cidade, onde eu pegaria um avião e mudaria de estado.
No consultório, abracei a médica aos prantos de felicidade. Ela era uma senhorinha muito agradável, era de outra religião, mas compreendia a minha doutrina e fé. Ambas sabíamos que os abusos de Amir e da megera nada tinham a ver com Allah.
Era a crueldade deles, que usavam o nome de deus para praticar atos hediondos.
Ela me examinou, cumprindo a sua parte no plano, para que não desconfiasse dela. Teve que retirar o DIU, pois tinha saído do lugar. Fiquei pálida e assustada, se Amir conseguisse me pegar de volta, o meu útero estaria vulnerável. Ela, então, para apaziguar os meus nervos, me entregou dezenas de cartelas de anticoncepcional, que enfiei no compartimento secreto da mochila.
Todo cuidado era pouco, se algo desse errado, precisaria de um plano B.
Entregou-me os bilhetes para os trens que pegaria, ofereceu-me algum dinheiro, mas rejeitei, dizendo que já tinha o suficiente comigo. Abraçou-me mais uma vez, desejou boa sorte, e eu saí do escritório, pronta para encarar um novo começo.
Estava tão ansiosa que não usei o elevador, desci correndo as escadas, sonhando com o futuro diferente que planejava construir longe daquela gente.
Peguei um táxi, sorrindo de orelha a orelha. Agradeci ao motorista e dei uma boa gorjeta quando cheguei na estação.
Na entrada, o meu coração pareceu parar de bater. Amir estava em pé diante do balcão, um sorriso c***l nos lábios, ao seu lado a jovem secretária da médica que me ajudou. Ela tinha o hábito de flertar com Amir quando ele me levava ao consultório no início do casamento.
Eu devia ter desconfiado dela!
A sua mãe, que me encarou, orgulhosa.
Estavam cercados de vários dos homens que trabalhavam para Amir.
— Eu disse que essa vagabunda não prestava! — Gritou a megera apontando para a minha mochila.