Misericórdia

1706 Words
Senti como se estivesse fora da realidade. Aquilo não podia ser real, eu planejei tudo por meses! Era o meu momento de liberdade, apenas uma plataforma de distância do trem…. E o que essa megera está fazendo abraçando a fulaninha secretaria cujo nome nem me dou o trabalho de lembrar? Se gosta tanto dela, e me odeia, bastava me deixar ir embora! Mas não, esse “Shaytan” gosta de me maltratar, aposto que os únicos orgasmos que teve em vida foram quando me maltratou. Quem sou eu para falar de orgasmos, nunca vi, só ouço falar… Esse era o grau de desprendimento da realidade que eu me encontrava, minha mente vagando por coisas s*******o para me afastar da vida real, onde, entre a minha liberdade e eu, estava um grupo de “Djins”. Amir caminhou lentamente na minha direção, com um sorriso c***l nos lábios e olhos faiscando de raiva. Ele acha mesmo que eu sou i****a de ficar parada? Pelo portão que entrei, sai correndo. Se ele me pegar, vai me castigar de qualquer jeito, mas se não conseguir me pegar, vai enfiar a raiva no meio do… Infelizmente, correr com o corpo todo coberto não é muito fácil, e o barulho dos passos dele indicava, que estava cada vez mais perto. As buzinas gritaram como loucas quando atravessei uma rua movimentada sem olhar, torcendo para que ele fosse atropelado atrás de mim. Eu também desejo coisas ruins… Virei numa esquina, e para o meu azar, como nos piores filmes, encontrei-me num beco. Virei na direção de onde vim, mas Amir já estava lá. Ele estava bufando, como um touro irritado. — Para com a palhaçada, Esmeralda, ou vai ficar muito pior para o seu lado! — Amir, sejamos francos aqui, não existem sentimentos entre nós. Eu não gosto de você e claramente você me detesta! — Você é minha esposa, e está obviamente alterada. Serei paciente e te levarei para um terapeuta que possa te ajudar a controlar a histeria. A mãe dele apareceu ofegante acompanhada da oferecida cagueta. — Eu não sou louca, não seja condescendente comigo! E não te suporto, odeio a sua mãe, que é uma desgraçada escravista! Deixe-me ir embora e pode ficar com a secretária que está doida para tomar o meu lugar! Ficaremos todos muito bem! — Meu filho, mostre para ela quem é o homem da casa! Aninha será a sua segunda esposa e essa rameira está dando um péssimo exemplo a ela! — Esposa? — Eu ri alto. — Amir, na frente de Allah, eu te repudio! — O que está fazendo, Esmeralda, não se atreva! — Eu te repudio! — Você é louca, é apenas uma mulher, não tem essa autoridade! — Berrou a megera com o rosto vermelho. E peça terceira e derradeira vez, eu recitei as palavras: — Amir, eu te repudio! Arranquei a aliança do meu dedo e atirei no chão, aos pés dele, com toda a minha força. Quando o anel atingiu o chão, a coisa mais assustadora da minha vida até então aconteceu. Um forte feixe de luz e um ruído ensurdecedor veio do fundo do beco. A luz era tão forte que me cegou e perdi totalmente o senso de equilíbrio. Não sabia onde estava, não conseguia ver nada, tudo era uma luz branca e ardente. Ouvi vozes estranhas, que grunhiam e retumbavam num idioma desconhecido. Senti alguém segurar o meu braço, falando rapidamente coisas incompreensíveis. Apenas uma das vozes eu conseguia discernir, era feminina e sedosa, mas parecia estar vindo debaixo d'água. “ Andem logo, não podemos demorar neste mundo, sabem o que pode acontecer!” A pessoa que apertava o meu braço grunhiu feito um porco e gritou algo ao tentar arrancar o meu Niqab, mas a voz feminina o interrompeu. — Não tire o pano da fêmea, Demon! São vestes de sacerdotisas dos deuses humanos, não contrariamos deuses! Depois disso, apaguei. Acordei deitada numa cama estranha, com muito barulho de vozes e choro a minha volta. Eu ainda era a mesma, inteira e viva. Confusa, mas desperta. Será que estou presa em um pesadelo? Que lugar é esse? Olhei em volta, estava numa espécie de prisão, com as paredes cobertas por azulejos muito brancos, grades na entrada. Não estava sozinha, havia uma garota chorando sentada no chão. — Esmeralda, você está bem? — Ah, não, Amir me persegue até nos meus pesadelos estranhos? — Não quero falar contigo! É o meu sonho e não preciso te atirar! — Falei sem olhar na direção dele. — Não é um sonho, esposa, fomos sequestrados, olhe ao seu redor mais uma vez! Eu olhei, ele estava numa cela em frente a minha, com mais dois rapazes, um deles desacordado no chão. — Eu não sou mais sua esposa, Amir! Te repudiei em publico! — Não é hora para suas palhaçadas, Esmeralda, fomos sequestrados. A essa hora devem estar pedindo resgate, só o que me faltava ter que dar o meu dinheiro para bandidos! Tudo por sua culpa! — Seria bom se fosse simples assim, mas não haverá resgate para nenhum de nós… Afirmou um idoso sentado numa cadeira de rodas na cela ao lado da minha. — Como assim? — Perguntei aflita. — Não escute esse velho, não sabe de nada! — Estou aqui há muito tempo, acho que sei algumas coisinhas. Uma delas é que a sua atitude não vai te ajudar neste mundo. — Eles vêm e escolhem a gente como se fôssemos algum tipo de mercadoria. — Vocês são malucos, só estão falando merda! — Cala a boca, Amir! Chato pra caramba! — Escuta, senhor, de quem está falando? Eles quem? — Não se atreva a falar assim comigo, Esmeralda! — Vai fazer o que, me bater? Não tem como, i****a! — São monstros…. — Choramingou a moça que dividia a cela comigo. — Eu falei que são malucos! — Vociferou Amir antes de se jogar na cama da cela onde estava. Foi o idoso que continuou a fala dela. — Todo tipo de monstro, vampiros, lobisomens, até demônios…. Eles vêm em busca de parceiros…Sh, silêncio, vem vindo alguém! O velho fechou os olhos e a mocinha se encolheu num canto da cela, tentando se esconder de quem quer que estivesse chegando. Uma bela mulher de longos cabelos negros abaixo da cintura e vestido longo cor de vinho entrou olhando para o interior das celas, até que me viu, parou e sorriu para mim. NO entanto, o que me impressionou foi o homem que a acompanhava, muito alto e musculoso, com as costas cobertas de pelos e escamas, usando uma túnica como as que os antigos Imperadores romanos vestiam. — Tivemos uma bela colheita neste ciclo, resgatamos cinco companheiros humanos, dessa vez, Lorde Demon. O homem monstruoso sorriu, mostrando enormes dentes na boca, todos pontiagudos como pontas de facas. Ele disse alguma coisa a ela numa língua que nunca ouvi antes daquele dia. Ele apontou para mim e disse mais alguma coisa, ao que ela sorriu em retorno antes de se dirigir a mim. — Ele está perguntando de qual deus você é sacerdotisa e se poderia retirar as vestes que te escondem. O seu cheiro e doce ao nariz dos machos, ele está curioso sobre a sua aparência. — Bismillah ir Rahman Ir Rahim — Respondi em oração. Aquela altura eu estava com tanto medo, que m*l conseguia raciocinar. — Ah, acho que já ouvi falar, o deus do povo do livro. — Ela se virou para a criatura e disse com desdém: — E não, Lorde, infelizmente, a sacerdotisa não pode retirar as vestes ou será uma grande ofensa aos deuses humanos e o seu pai não gostaria nada de saber que o seu herdeiro é um blasfemador. O monstro bufou, bateu com o punho no peito, vociferou sei lá o que, então deu as costas e foi embora. A mulher misteriosa revirou os olhos e respirou fundo, antes de segui-lo. — Espere, senhora, quem são vocês, o querem de nós? Ela parou, ergueu uma sobrancelha e me fitou. — Sou Deanera, sacerdotisa da deusa Arádia e rastreadora de companheiros. E você, humana sacerdotisa, é uma companheira… — Companheira? Como assim? — Alguns humanos, por algum mistério divino, têm almas gê- — Ei, você, eu tenho grana, tá legal? — Gritou Amir, enfiando a cara entre as grades da sua cela. — Me diz quanto quer para me libertar e assinarei o cheque agora mesmo! Eu dou a grana e me deixam voltar para casa, simples assim! — Voltar para casa? — A mulher riu alto. — Nunca voltarão para casa, é impossível. A jovem da minha cela soluçou, chorando mais alto do que conseguia controlar. — O que quer dizer com impossível? — Perguntei em voz baixa. — O primeiro identificador chegou, fiquem de pé e prestem respeito! — Ela ordenou, me ignorando. Um grupo de pessoas entrou pelo corredor, olhando atentamente para dentro das celas, no centro, uma bela mulher de olhos negros e longos cabelos loiros, caminhava devagar, cheirando o ar. Ela fechou os olhos e inspirou profundamente, então, sorriu e disse alguma coisa, empolgada, e os seus acompanhantes sorriam e agiram como se estivessem parabenizando-a por algo. A mulher misteriosa foi até ela, e a loira apontou para a cela onde estava o senhor idoso. Um dos lacaios que estavam de guarda trouxe um grande chaveiro de metal, com muitas chaves, e abriu a cela. Na mesma hora, a loira correu para dentro e saltou sobre o idoso. O velho gritou, mas a mulher o atacou sem piedade e…. Oh, Allah… Ela o mordeu no pescoço, ele se estrebuchava e ela mordeu-o, bebendo o sue sangue enquanto os outros aplaudiram. — Que merda é essa? — Sussurrou Amir, se afastando das grades e andando de costas para o fundo da sua cela. O idoso parou de se mover, e a mulher lambeu a ferida, da sua boca escorria sangue e ela sorria, alisando o rosto enrugado dele. Dois dos homens que acompanhavam a loira pegaram o corpo do velho e o levaram embora. Por Allah, que lugar é esse? Devo estar morta e condenada a um dos infernos. “Oh Allah, tem misericórdia de mim!”
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