Terminei de preparar o almoço e servi à mesa. A minha sogra chegou com a mesma cara de nojo de sempre e fez um muxoxo antes de sentar.
Peguei um prato para servi-la primeiro, escolhendo a fatia de cordeiro mais bonita e gordurosa para ela, arroz com nozes, e quando estava prestes a pegar o puré de abóbora, ela deu um tapa na mesa.
— Não me sirva essa coisa horrorosa que você fez, parece lavagem! E coloque outra peça de cordeiro no meu prato, não seja sovina com a mãe do seu marido!
Respirei fundo e obedeci sem reclamar. Entreguei o prato a ela, que comia como se não houvesse amanhã. Servi-me do que mais gostava e sentei na cadeira de frente para ela.
Ela mastigava ruidosamente e reclamou de tudo o que tinha na mesa, botando defeito em todos os pratos, embora tenha repetido quase todos. Quando estava satisfeita e com a boca cheia de gordura, tamborilou os dedos sobre a mesa me observando comer. De repente, ela levantou.
— Não deve comer tanto, está ficando gorda e o meu filho não gosta de gordas! — Vociferou ao tirar o meu prato de comida da minha frente e atirar o conteúdo no lixo. — Limpe tudo antes do meu filho chegar, ele gosta de encontrar a casa em ordem!
Após terminar as tarefas domésticas, levei o meu violão para o quintal dos fundos. A minha não tão amada sogra estava dormindo e eu queria aproveitar o pouco tempo livre para me distrair.
Não tínhamos televisão nem rádio, pois a família do meu marido acreditava ser “haram”.
Sempre achei engraçado como as pessoas mais hipócritas se escondem atrás de uma falsa postura religiosa quando lhes convém. Não gosto de julgar a religiosidade de ninguém, Allah sabe o coração de cada um, mas pessoas fingidas me tiram do sério!
Sentei no banco de madeira e dedilhei as cordas do violão com os olhos fechados. Buscava afastar os pensamentos ruins e atrair boas vibrações através da música. Não sou boa musicista, arranho um pouco no violão, mas adoro cantar. O meu pai costumava pedir-me para cantar canções antigas enquanto ele lia o jornal pela manhã. Ele dizia que a minha voz era abençoada pelos anjos.
— A minha mãe informou-me que você não estava desperta para a "salat-ul-fajar "e ela teve que te chamar repetidas vezes para o desjejum…
A voz do meu marido interrompeu a canção.
Amir era bonito, para quem gosta de rostos delicados, como de príncipes encantados de contos de fadas. Cabelos castanhos como os seus olhos, nariz fino e corpo esbelto. Se ele vestisse um Niqab e usasse alguma maquiagem, poderia se passar por uma mulher.
Mesmo sujo de terra e suado, como estava diante de mim, ainda tinha boa aparência. Porém, o seu jeito abusivo de filhinho de mamãe escroto e o sexo r**m mataram qualquer atração que eu poderia via a sentir por ele.
Calma, Esmeralda, falta pouco! Logo estará livre, “Inshallah”!
Respirei fundo, encarnei a personagem doce e submissa que criei para lidar com ele, e sorri docilmente.
— Boa tarde, marido, que bom que voltou cedo! — Deixei o meu violão de lado, levantei ainda sorridente e o abracei.
Ele sorriu e abraçou-me de volta, o semblante mais leve diante da minha postura submissa.
— Desculpa, esposa, acho que te sujei um pouco. — Ele se afastou e apontou para as manchas de terra na minha blusa. — Eu ajudei os trabalhadores no plantio.
— Não se preocupe, marido! Deve estar cansado, quer que prepare um chá? Ou prefere uma limonada bem geladinha?
— Uma limonada serve. — Ele respondeu satisfeito e sentou no banco onde eu estava sentada antes.
Que casal romântico, não é?
Piada!
Mas acho que o meu jeitinho submisso funcionou para fazê-lo esquecer da fofoca da minha sogra sobre ter perdido a oração da manhã.
Descobri a duras penas que, quanto mais submissa eu me comporto, menos problema tenho com ele. Se a jararaca sabe ser fingida, eu também sei!
Trouxe o jarro de limonada e dois copos, servi o primeiro para ele e entreguei nas suas mãos.
— Quando é a sua próxima consulta com o ginecologista? — Ele perguntou assim que me sentei ao seu lado.
— Amanhã. Vou ao consultório assim que terminar o café da manhã.
Ele segurou a minha mão e o seu rosto ficou sério.
— Hum… Espero que finalmente esteja grávida, para evitar problemas. Sabe o quanto eu desejo ter um filho homem!
— Se for a vontade de Allah, estarei. — Allah, não queira, por favor! Estou tomando as pílulas certinho, Deus misericordioso, cuida para não estar!
Espero que ele não tenha notado o quão forçado era o meu sorriso. Se tudo der certo, amanhã me livrarei dele.
Ele apertou a minha mão com força, machucando as juntas dos meus dedos até eu me encolher de dor.
— Não se atrase para a oração novamente, esposa! Não dê motivos para a minha mãe reclamar de você, não me envergonhe na frente dela!
— Eu sinto muito, Amir, me solte, está me machucando!
Ele afrouxou o aperto e beijou o meu pulso vermelho.
— Não gosto de machucar você, Esmeralda, então, não me obrigue a ter que agir como não quero!
— Me desculpe, não te envergonharei mais…
— Assim que eu gosto. Agora vá preparar um lanche para mim, estou com fome, e faça o chá para a minha mãe beber quando acordar. Quero que peça desculpas a ela na minha frente dessa vez.
— Claro, farei como deseja.
Ele sorriu e gesticulou para que eu saísse. Estiquei o braço para pegar o meu violão, mas ele foi mais rápido.
— O violão fica comigo, já te disse que não gosto que cante fora de casa sem a minha presença.
— Não tem ninguém aqui…
— Algum homem poderia chegar e ver a minha esposa se exibindo como uma vagabunda, a minha cara ficaria no chão.
— Mas…
— Sem mais, Esmeralda, sabe que não gosto quando discute comigo!
Tudo o que eu queria era uma vida pacifica, com um homem que gostasse de mim do jeito que eu sou, que me amasse e me respeitasse. Um homem que fosse sincero som os seus sentimentos, não esse sorriso falso e c***l de Amir. Queria poder rir alto, cantar ao meu contento, ser livre e sentir-me amada num lugar que pudesse chamar de lar.
Levar uma limonada para o meu marido cansado do trabalho não é problema algum, mas ser obrigada a comportar-me como uma escrava feliz para um homem e a sua família, simplesmente por ter um útero, não desce por minha garganta.
Respirei fundo e prendi o choro.
Só mais um dia….