ELA
Quando nossos sequestradores se foram, fiquei parada um tempo olhando para a mancha de sangue do senhor idoso que deixaram no chão. Acho que nuca tive tanto pavor na vida, e não fazia ideia do que estava acontecendo, mas não podia mais ignorar as evidências do sobrenatural.
O tempo passou em uma lenta tortura, acho que algumas horas, e ninguém se atrevia a dizer palavra alguma. A mocinha, que estava na mesma cela que eu, parou de chorar e caiu no sono. Amir estava com os olhos esbugalhados, petrificados, olhando para o nada, e os seus companheiros de cela estavam sentados de cabeça baixa.
Eu queria acordar daquele pesadelo, mas sabia que era verdade. Nunca imaginei que algo assim seria possível fora dos livros e do cinema.
Quando o som de passos ecoou pelo corredor, alguns de nós levantaram-se, a mocinha mais uma vez se escondeu no canto e Amir ficou em pé, encostado na parede no fundo da sua cela. Eu continuei sentada, sem reação, paralisada pelo medo e incapacidade de encontrar uma saída para tudo aquilo que estava acontecendo.
A mesma mulher misteriosa vinha na frente de um grupo de pessoas…. Se posso chamar assim. Uma coisa estranha é que eu entendia tudo o que ela dizia, e os que a seguiam também, embora falassem em outro idioma.
Abaixei a minha cabeça, evitando contato visual com os visitantes, temendo que me matassem a mordidas, como fizeram com o idoso. Senti uma pontada na cabeça, imaginei que era a enxaqueca chegando, mas a dor era suportável, apenas um latejar no couro cabeludo. Estranhamente, senti um cheiro muito agradável, alguém do grupo devia estar usando um perfume maravilhoso.
Eu amo perfumes!
Lá estava a minha mente viajando para coisas sem importância, como sempre fazia quando a ansiedade atacava. Seria estranho dizer, que de alguma forma, aquele perfume parecia ser importante?
O meu coração bateu acelerado de repente, e não era por medo. Senti o forte impulso de olhar na direção deles, que estavam se aproximando da minha cela. Entre o medo e o impulso, não resisti e olhei para cima.
No meio daqueles seres, eu o vi. Era como se não houvesse mais ninguém, apenas aquele par de olhos negros que me encaravam. Era alto, imponente, ao lado dele todos pareciam insignificantes. O seu rosto era perfeito, lindo como Eros, forte como Adônis, e frio como uma estátua de gelo.
Eu não conseguia desviar os olhos, e ele caminhou até a minha cela sem abandonar os meus.
Alguém abriu a cela, ele veio até mim, com passos firmes e decididos.
Acho que ele me hipnotizou, mas os gritos de Amir me despertaram, e quando olhei para a sua cela, um homem enorme o segurava contra a parede. Amir se debateu e conseguiu acertar um soco no rosto do seu agressor, que pareceu não sentir dor, mas se irritou profundamente e rosnou como um animal enraivecido. Ele pressionou o corpo contra o de Amir, e, segurando-o pela nuca, manteve o seu rosto na parede. Disse alguma coisa e mordeu o pescoço de Amir, que gritou em desespero.
Eu gritei também, por mais que não gostasse dele, convivi com ele por meses e ver um ser sobrenatural mordendo-o e ele gritando de dor, deu-me um choque de realidade que me fez estremecer e me afastar do deus grego que estava me encarando todo o tempo.
Ele disse algo em voz baixa, repetiu a mesma palavra enquanto me forçava a encará-lo. Eu continuei a gritar, sem controle das minhas ações, e ele agarrou-me pela minha nuca e puxou-me contra o seu peito, num abraço frio e rígido, para me impedir de assistir o assassinato do meu ex-marido.
*****
ELE
— Alfa, Deanera nos aguarda no depósito.
— Hm… — Grunhiu Alfa Ares sem olhar na direção do Beta do clã.
Ele continuou parado no portão da mansão da Elfo Deanera, que era, na verdade, um grande templo dedicado a deusa Arádia.
Deanera tinha o dom, dentre outros, de identificar almas gêmeas entre os humanos. Um dom adquirido por meio de feitiçaria, que hoje sustentava o seu luxo. Pela lei do concílio, humanos só eram permitidos quando almas gêmeas de nativos, ou morreriam em poucos minutos pela passagem de tempo diferente entre os mundos.
Beta Alaor esperou pacientemente enquanto Ares olhava para o céu movendo uma pedra verde na mão, passando-a entre os dedos. Além dele, uma dezena de soldados do clã aguardavam o próximo passo do Alfa.
— Senhor, um dos nossos machos está desconfortável, ele alega sentir a presença da sua alma gêmea por perto.
Logo atrás do Beta estava um general, que fechava e abria a mão, ansioso, sentindo a sua natureza clamar por sua alma gêmea.
— Alguma loba por este lugar?
— Não, senhor, somente elfos habitam e trabalham na propriedade, os demônios que caçaram com ela já se foram.
Ares deu uma última olhada para a pedra antes de guardá-la de volta no bolso. Ele não sabia o que estava fazendo naquele lugar, não gostava de Elfos, sempre tão mercenários, e gostava menos ainda de humanos. Talvez, as palavras do oráculo se referissem ao general angustiado que o olhava esperançoso.
— Vamos, quanto antes acabarmos com isso, mais cedo poderemos ir embora.
*****
— Bem vindo ao meu reino, Alfa Ares!
Deanera os recebeu sorridente, os seus olhos escaneando cada macho visitante com admiração, mas os seus olhos levaram muito mais tempo admirando o Alfa Maldito. Além da sua aura poderosa, e sua Beleza incomum, Ares não tinha uma fêmea, o que lhe fazia imaginar uma união lucrativa com a sua espécie. Talvez um filhote ou dois, e muito sexo para produzi-los. No entanto, Ares m*l olhou para ela, o que a fez suspirar com pesar e voltar a sua atenção ao Beta, muito mais receptivo aos seus avanços.
Ela guiou os visitantes pelos corredores da sua mansão até chegarem a uma porta dupla, de onde vinha o cheiro de forte desinfetante e humanos com os seus hormônios de medo e raiva.
— Os humanos estão prontos, fiquem a vontade! — Ela anunciou sorridente quando dois dos seus lacaios abriram a porta.
— Maravilha, o nosso general aqui está perdendo o controle de tanta ansiedade! — Comentou o Beta sendo simpático.
— Terminemos logo com isso! — Resmungou o Alfa ao entrar.
— Não é bem assim, se encontrarem algum companheiro entre a nossa mercadoria, teremos que discutir o preço equivalente, e ofereceremos o banquete cerimonial para que completem o vínculo, como dita a lei, para evitar apropriações indevidas.
Ares sentiu desgosto pela Elfo e a sua natureza mercenária. Companheiros não são mercadorias, são bênçãos da Deusa que ele daria tudo, até mesmo a própria vida, para ter.
Após apenas cinco passos pelo corredor, Ares sentiu os pelos da sua nuca arrepiarem-se, a ponta dos dedos das mãos ficaram dormentes, a sua natureza despertou, buscando atentamente a razão do desconforto. O seu coração bateu mais rápido e mais forte, e ele sentiu-se vivo pela primeira vez em tantos anos de existência.
O seu exterior permanecia inexpressivo, os seus olhos frios se moviam e um lado para o outro, buscando algo que ele não sabia o que era. O som do seu sangue percorrendo as veias o ensurdeceu, pela primeira vez, ele hesitou, as suas pernas ficaram bambas e teve dificuldade em esconder as emoções.
Uma quentura invadiu o seu peito, ele caminhou devagar, ignorando a tudo e a todos a sua volta, buscando algo desconhecido, mas que a sua natureza desejava com todo o seu ser.
“MINHA!”
A fera esbravejou internamente, desperta, atenta, até que…
Aqueles olhos….
Apenas os olhos expostos, e eram capazes de capturar todo o seu ser. A possessividade o dominou, nada mais tinha importância. Não havia meios nem desejo de desviar o olhar, o seu coração frio e olhos inexpressivos não podiam esconder o turbilhão que eram as batidas do órgão no seu peito.
Uma humana….
Uma Luna…
As palavras da Oráculo finalmente fizeram sentido. Nenhuma loba seria a sua alma gêmea, não porque ele era amaldiçoado, mas porque a sua alma gêmea era humana.