ELA
O Gama abriu a porta da cabana dele, mas fechou em seguida.
— Luna, poderia esperar um pouquinho aqui fora?
— Por quê? — Perguntei com um sorriso sonso no rosto. — Está com alguma garota aí?
— Não! Não, Luna, é que… bem, eu não estava esperando ninguém em casa e…
— Tá bom, Gama, não esquenta, eu espero aqui.
Ele sorriu, agradeceu, e entrou rapidamente. Eu, é claro, entrei logo em seguida, a tempo de assisti-lo retirar pratos e copos espalhados pela sala apressadamente. Ao me ouvir entrar, ele quase derrubou a bagunça que segurava.
— Luna! Eu pedi que esperasse um pouquinho…
— Eu esperei um pouquinho, tipo, dois minutos.
Ele suspirou, de ombros caídos, e saiu da sala murmurando algo que interpretei como “Fica a vontade, não repare a bagunça.”
Eu reparei, é claro, mas sem julgamentos, até porque, esqueceria em breve. Certamente, se morasse sozinha, faria as tarefas domesticas quando me desse vontade. Ter a sua própria casa tem que ter a vantagem de decidir o que e quando fazer!
A cabana era aconchegante, tinha duas poltronas altas de tecido e um sofá, os três muito antigos, como nas histórias de Sherlock Holmes, embora estivessem bem conservados. Algumas peles de animais penduradas nas paredes de madeira maciça, uma lareira, e decorações de bordados, crochê e tricô, que deduzi terem sido feitos pela avozinha humana dele.
Em cima de um aparador, um centro de mesa de tricô me chamou a atenção pela trama antiquíssima.
— Ah, Luna, deve conhecer essas coisinhas, né? A minha avó passava horas fazendo essas coisas, dizia que era a última moda, creio que usem muito no seu mundo. Sabe fazer? Se quiser, tenho o material dela que sobrou todo guardado.
— Na verdade, não. Especialmente essa trama aqui, que é muito antiga.
Ele olhou para o paninho com um sorriso triste, de muitas saudades.
— Tem razão, a passagem de tempo é diferente. Isso seria muito antigo agora.
— Como é essa coisa de passagem de tempo diferente?
— O nosso mundo é muito maior do que o seu, sabe, mais de cem vezes maior.
— Hm… e?
— A passagem do tempo é algo criado por nós, o universo não conta tempo, ele só existe. Veja, os dias e noites são medidos pelo movimento dos planetas em relação ao nosso. No seu mundo, a sua percepção é limitada pelo conceito de realidade. Para vocês, o natural é muito pequeno, todo o resto consideram fantasioso ou sobrenatural. A sua percepção de tempo do planeta gira em torno de uma estrela maior e leva aproximadamente 365 dias e 6 horas humanas para completar uma volta.
Escondi um bocejo, era como se estivesse de volta a escola, mas sorri e gesticulei para que continuasse.
— Agora, pense no nosso mundo aqui, onde o que vocês não creem ou não veem é natural. A expansão da percepção é cem vezes maior do que a sua, um universo paralelo ao seu, com a percepção de realidade expandida. A volta ao redor da estrela maior como compreendemos leva cem vezes mais tempo se comparado a perspectiva do mundo humano: 3650 dias, ainda somando as horas de cada ciclo de vocês. O planeta completa um ciclo em torno de si mesmo em 2400 horas se contadas do sue mundo.
Embora a nossa perceçãoseja diferente, do ponto de visto do seu mundo, o tempo daqui é lento. Está aqui há sete dias, faça as contas.
— Por Allah… Estou aqui há… há…. Faz a conta aí, Gama!
— Quase dois ciclos solares humanos.
— Dois anos! — Levantei do sofá.— Eu tinha um emprego arranjado, certamente empregaram outra pessoa no meu lugar!
— Imagino que sim…
— A empresa não aceitará trocar as minhas passagens! A megera deve ter dado Amir como desaparecido, a polícia, oh… Mas espera aí, como eu sinto a passagem do tempo do mesmo jeito?
— Como já expliquei, Luna, a passagem do tempo é uma interpretação da realidade criada a partir da percepção da mesma que temos no espaço. Quando maior a sua percepção da realidade, maior a expansão da percepção espaço/tempo.
— Gama…
— Sim, Luna?
— Você é um nerd.
— O que é um nerd?
— Um rapaz muito legal que estuda muito. — Achei melhor ser gentil.
— Ah, obrigado, Luna. Eu gosto mesmo de estudar, desde filhote. Quando os outros filhotes me maltratavam e me excluíam, Dófona se apiedou e deu-me livros para ler. Ela dizia que a melhor companhia é o conhecimento.
Tadinho do lobinho nerd e sofria bullying…
— Por que te excluíam?
— Nada não, Luna… Eu vou preparar o jantar para nós.
Ele saiu da sala e eu corri atrás dele.
— Qual é. Gama, somos amigos, não somos? Tipo, a vossa Grande deusa te escolheu para me proteger, isso não é pouca coisa não!
— Eu não quero que se chateie, Luna.
— Não ficarei chateada, pode se abrir comigo!
— Eu sou um mestiço, Luna.
— E daí?
— Não sei como é no seu mundo, mas aqui há muito preconceito, especialmente contra os mais fracos. Humanos são considerados os mais fracos dos seres racionais por aqui, mais fracos até do que grande parte dos irracionais.
Dei de ombros, afinal, era verdade.
— A senhora não se incomoda com o preconceito?
— Um pouco, mas acostumei. No meu mundo, também há muitos preconceitos. Mas, ainda assim, crianças costumam ser mais tranquilas, os adultos que ensinam essas coisas aos filhos.
— Pois é, os filhotes não queriam ser meus amigos porque havia chances de eu ser humano, ou um lobo fraco, até um ômega.
— Hm…Mas, você é um general Gama, isso deve ser bom, não é?
— Isso é maravilhoso! A minha mãe fez até festa para a família de tanto orgulho de mim. Quer dizer, sempre me dediquei muito no exército do Alfa, mas nunca me davam oportunidade de ascender por minha condição de mestiço. Ser mais forte e mais ágil do que a maioria não bastava. Ao te revelar, uma onda de energia explodiu dentro de mim, fiquei mais forte ainda, e o meu cargo não depende da aceitação de ninguém. A Grande Deusa reconheceu o meu valor, nenhum deles pode me tirar isso!
— E o pessoal que ria de você, como reagiu?
— Estão todos abaixo de mim na hierarquia, não tem como não inflar o ego com isso. Sou o líder do seu exército, nem o Alfa consegue me submeter, mesmo sendo mais forte do que eu na terceira forma.
— Só eu, uma humana! — Completei rindo da ironia.
— Sim, só a senhora, uma humana, e isso é incrível, a grande Deusa é muito sábia!
Ele estava muito feliz e agradecido por algo que eu nem fiz, mas fez-me sentir querida, o que diminuiu o vazio deixado pelo descaso do Alfa. Cozinhamos juntos, trocando histórias do nosso passado e o nosso jantar consistiu em feijão cozido com carne, pois lobisomens colocam carne em tudo, e purê de batatas.
Quando terminamos a nossa refeição, eu senti uma pontada na barriga e quando reclamei em voz alta, o gama praticamente saltou da cadeira com uma expressão de fúria no rosto.
— Se o Alfa se atrever a tanto, eu-
— Do que está falando, Gama?
— Está com dor na barriga, Luna, não adianta tentar esconder de mim para proteger o Alfa!
Eu não estava escondendo nada, e o que o Alfa i****a tinha a ver com isso?
— Eu sempre sinto cólica dias antes da menstruação, é normal, não sinto necessidade de esconder o que é da natureza…
— Ah… é só isso, então...o seu sangramento está próximo? — Ele pareceu decepcionado. — Isso significa que não está prenha….
Oh, sim e eu já podia sentir o m*l-estar na amiga de baixo.
“Alhamdulillah”!
*****
POV universal
Ela ajeitou os cabelos diante do espelho com um grande e satisfeito sorriso no rosto. Era tarde da noite e ela tinha planos a executar. Passou a mão pelo decote extenso da sua túnica, questionando-se se o Alfa a aceitaria na sua tenda, onde soube que ele estava dormindo nas últimas noites.
Não seria a primeira vez em que ela se ofereceria para aliviar a tensão de Ares e lhe servir. Era uma Beta, a mais forte do clã, e mais bonita também, além de ser a única em quem Alfa Ares confiava os seus segredos mais obscuros.
Só em imaginar ele entre as suas pernas a deixou molhada.
Saiu da sua tenda sem fazer barulho, os guardas já tinham feito a troca de postos e não haveria ninguém para vê-la na sua aventura noturna.
Ninguém precisava saber das suas escapadas.
— Aonde pensa que vai, Estela?
Ela levou a mão a boca para conter o grito de susto.
— Estou sem sono, só pretendia dar uma volta!
— Vestida assim, como uma Succubus? Posso sentir o cheiro da sua excitação de longe!
— Irmão, eu só quero espairecer!
Beta Alaor segurou-a pelo pescoço e a pressionou contra uma árvore, furioso.
— Soube que conheceu a Luna humana mais cedo!
— Sim…. Falei com ela, e ela até gostou de mim, disse que sou uma gracinha! — Ela respondeu sarcástica.
— Ainda assim, pretende se deitar com o macho dela, sua c****a estúpida?
— Ela é fraca, o clã nunca a aceitará!
— Ela está marcada e muito bem fodida, eu mesmo os peguei no ato, quando o Alfa chupava a b****a dela!
— Eu não notei marca alguma… — Ela murmurou decepcionada.
— Porque não passa de uma v***a dissimulada e burra! Não vou permitir que faça mais merda do que já fez até agora, estou cansado de limpar as suas cagadas, Estela!
— Nunca fiz nada de mais, Alaor! Se o Alfa não me quiser, bastará dizer não!
— Não vai envergonhar o nome da nossa família, somos Betas por gerações, embora, você seja uma inútil que serve apenas para o lugar da minha futura companheira e para chupar o p*u do Alfa.
Conforme falava, o Beta apertava cada vez mais a garganta da irmã.
— Me solta, está me machucando!
— Como acha que me sinto cada vez que os membros do clã comentam que a minha irmãzinha querida gosta de ficar de joelhos para o Alfa?
— Não sou mais um filhote, faço o que quiser e ele não é o único para quem fico de joelhos, Alaor, nós dois sabemos muito bem disso!
— Volte para a sua tenda e não faça bobagens, ou não moverei uma palha para te tirar da encrenca que vai arrumar com O Gama!
— Gama? Não há gamas para aquela humana imunda!
Ele a jogou no chão com força.
— Viu como é uma i*****l inútil? Falou com a Luna e não notou que Antero é o seu general?
Ela levantou, massageando o pescoço machucado.
— Antero? — Ela mordeu o lábio para segurar o riso. — Tinha que ser o mestiço!
— Estela, vou falar pela última vez, se comporte ou eu mesmo vou te matar!