O problema de ser impulsiva é que não planejamos o passo seguinte, e agora estou enrolada numa toalha e não posso vestir as roupas que estava usando antes porque pisei nelas ao sair do chuveiro.
Quem teria coragem de encharcar um banheiro tão bonitinho e imaculado?
A toalha é bem grande e felpuda, macia como um bichinho de pelúcia. O Lobão sabe manter conforto.
Quando estava na tenda do Alfa, achei que eles eram um tipo de bárbaros ou nômades que viviam primitivamente, mas estou rodeada do que há de melhor em necessidades e modernidades quando o assunto é toalete do século XX!
A porta do banheiro abriu de repente e eu soltei um grito de susto e agarrei a toalha para que não caísse do meu corpo. O Alfa entrou e parou diante de mim. Os seus olhos não desviaram dos meus, mas eu notei com o canto dos olhos que ele fechou as mãos em punho com força.
— Hey, você não pode sair entrando assim! E se eu estivesse nua?
As mãos dele se fecharam ainda mais apertadas e acho que estavam tremendo um pouco.
— Você é minha!
— Olha, a gente precisa conversar sobre essa coisa de eu ser sua. Eu não sou uma coisa ou objeto.
— Você é minha! — Ele repetiu com a voz mais intensa e cavernosa.
Para o meu horror, pelos saíram de seus poros rapidamente, escuros como os seus cabelos. As garras das mãos cortaram a própria pele e sangue pingava no chão. Ele foi ficando maior ainda e levei um susto quando virou de costas para mim, escondendo o rosto.
— Você tem medo de mim… — A voz era inumana, como se o Godzilla pudesse falar, embora desse para reconhecer a voz de Ares naquele “grunhido”.
Eu fiquei em silêncio, congelada na mesma posição enquanto ele se transformava em uma criatura incrível, impressionante, fabulosa, enorme, e monstruosa.
Me faltaram adjetivos para continuar o raciocínio, mas era indescritível.…
Findada a transformação, ele se virou para mim, e eu conclui que estou completamente louca, doida, biruta, fora da caixinha, pinel…Eu me senti extremamente atraída por aquela fera. Os seus olhos eram os mais doces e encantadores que alguém poderia ter… ou um monstro poderia ter.
Tão tristonhos e adoráveis...
— Tem medo de mim, fêmea?
— Eu acho que deveria ter, mas não, você é menos assustador assim do que como homem…
A fera sorriu e mudei de ideia, os seus dentes enormes eram como lâminas prontas para me rasgar. Ao notar a minha reação, a fera enorme fez um ruído como de um gatinho ronronando, triste e carente.
— Oh, bichano, não fica tristinho não, vem cá… É a primeira vez que te vejo assim, e você bem grandão. Só não sorri mostrando os dentes assim não… calma, só por enquanto, até eu me acostumar, tá bom?
Estiquei o braço e ele abaixou a cabeça para o acarinhar.
— Olha, que fofo, seus pelos são tão macios. Ai, que gracinha, você me lembra um gatinho que tive quando criança. — Ele grunhiu, incomodado com a comparação, mas eu o ignorei, imersa nas minhas lembranças. — Ele era amarelo, sabe, e tinha olhinhos azuis, eu adorava alimentá-lo no quintal. Pena que ele morreu… Tive que fazer terapia para entender que a culpa não foi minha se a bola caiu na fogueira de São João e ele pulou lá para pegar….
A fera ergueu a cabeça e me olhou, espantada.
— Estou brincando, não era uma bola, era um peixinho, e não era uma fogueira, era um lago, achei que gatos sabiam nadar… —
Acho melhor não revelar que eram dois gatos… — Você sabe nadar?
A fera grunhiu mais uma vez, me encarando de um jeito estranho.
— É… eu estou enrolada numa toalha, como pode ver, e estou ficando com frio e- — A Fera me envolveu nos braços e me puxou para junto do seu peito.
— Não frio. — Ele disse, minha cara amassada contra ele.
— Muito legal, quentinho, hehe, mas não teria uma roupa para eu vestir?
A fera me segurou com uma mão só, pela cintura e me levou para fora do banheiro até um quarto imenso.
Sóbrio, masculino, elegante e bem cuidado.
Me largou no chão e apontou para uma porta. Abri um grande closet com várias roupas penduradas, dobradas, sapatos, sandálias e outras coisas bem mundanas.
— De quem é isso tudo, hein? Você não é casado não, né? Eu já usei as coisas do banheiro, ela vai ficar aborrecida!
— Não outra fêmea. Suas coisas.
— Minhas? — Entrei no closet é, nossa, parecia de uma artista de cinema! — Como conseguiu tudo isso?
— Paguei a Elfo enquanto você dormia.
— Espera aqui um pouquinho enquanto me visto, tá bom?
Fechei a porta do closet na cara da fera e usei uma almofada que encontrei na prateleira para abafar o meu grito de empolgação.
*****
ELE
A porta abriu, finalmente, e ela saiu vestindo um traje humano estranho.
— Oh, você voltou ao normal? — Ela parecia decepcionada ao me ver.
— Prefere a minhas terceira forma?
— Não…quer dizer, não sei, a fera é mais simpática do que você…
— Eu sou a fera.
— Eh.. Isso tudo é estranho para mim, desculpa qualquer coisa.
— Gostou dos presentes?
— Você fala das coisas do meu mundo que encontrei?
Fiz que sim.
— Amei, mas são coisas demais, deve ter custado uma nota!
— A Elfo disse que humanos cortejam as fêmeas com presentes.
— Esta me cortejando? — Ela sorriu. Parecendo surpresa.
— Você não sente o nosso vínculo, tenho que chegar ao seu coração como os machos humanos fazem.
— Acredite em mim, Alfa, nenhum humano me deu tanta coisa.
— Então, você me aceita?
— Calma, lá, Alfa, não assim tão rápido! Vocês me tiraram do meu mundo e vieram com toda essa conversa de almas gêmeas, lobisomens e Lunas…
— Você me deseja.
— Eu? Quem disse?
— Eu senti o cheiro do seu desejo. Quando te marcar, vai sentir a conexão.
— Está falando de me morder igual aquele general fez com Amir?
— Sim.
— Aquilo não foi legal, Alfa. Amir está todo estropiado preso numa corrente igual a um cachorro.
— O humano desafiou o general Igor, eles lutaram e o humano perdeu. É a lei da natureza entre machos, o vencedor monta no perdedor.
— Monta? Tipo… Como é possível, Amir não gosta de homens…
— A grande Deusa não erra, machos que são almas gêmeas sentem atração por outros machos desde sempre.
— Quer dizer que o Amir já gostava de homens antes?
— Exatamente.
— Isso explica muita coisa… Se tivesse saído do armário antes, não teria me infernizado.
— Por que se casou com ele?
— Foi um casamento arranjado, eu não tive escolha.
— Então você não o desejava?
— Não mesmo! — Ela fez cara de nojo ao pensar no humano.
Minha natureza regozijou-se com a ojeriza que a nossa fêmea sentia pelo humano patético.
Os nossos olhos encontraram-se, a conexão se ampliando. O cheiro dela estava mascarado pelo perfume humano, mas ainda assim, era inebriante. O meu coração batia acelerado, o espaço do peito era pequeno para conter o órgão que batia por ela.
Eu precisava tocar na sua pele. Tentativamente, apenas a ponta do indicador na sua bochecha Ela não se afastou. Pele na pele, era como eletricidade percorrendo o meu corpo. O seu rosto inclinou-se na direção da minha mão, o seu corpo não se afastou do meu quando me aproximei. Os nossos rostos tão próximos que sentia o gosto do seu hálito de menta. O aroma do seu desejo permeava o ar, atiçando o meu próprio.
Eu a desejava, precisava sentir o seu calor, o seu corpo contra o meu.
— Você é minha. — Os nossos lábios se tocaram, tentativamente, e eu sofria em antecipação e medo de que ela se afastasse. Um toque sutil, que durou menos do que eu gostaria antes que ela se afastasse.