A despedida

1950 Words
Ruby lembrou naquele momento que havia uma razão para Vitor está ali, ao citar o seu pai biológico, ela imaginou a razão por trás de todo aquele dia. Tudo aconteceu para que Vitor tivesse coragem de contar a verdade em relação a sua ligação com a máfia e sobre tudo que o seu pai biológico havia feito por ela. — Antes de vir para o campus não tinha qualquer lembrança dele, mas em alguns dias, comecei a ter pesadelo com um homem. Não me lembrava de quem era, mas tive sensação de reconhecer. Algum tempo depois, encontrei a carta que Verônica havia me entregue quando cheguei aqui. O conteúdo da carta me fez lembrar de tudo e acima de tudo, a razão por ter sido separada dele. — Ruby para não magoar o seu pai, preferiu não contar que havia ido atrás dele. — Fico feliz que lembre-se dele. Alguns dias atrás, recebi uma ligação estranha de um hospital. Uma pessoa havia acordado do coma e alegava ser meu irmão. Acreditei que era um trote ou golpe, desliguei o celular. O número insistiu várias vezes, até que Verônica decidiu atender. Ela fez dezenas de perguntas e de alguma forma, concluiu que estavam falando do meu irmão mesmo. — Vitor contava a história com os seus olhos voltados para frente, as suas duas mãos estavam apertando com forças o volante do carro. — Quê? Ele sofreu um acidente? Espera, ele já teve alta? O hospital é por aqui por perto? — Ruby tinha muitas dúvidas que precisavam ser tiradas com o seu pai biológico para ajudar ela a ligar com os problemas que a perseguiam. — Você é mesmo filha de Verônica. Benza a Deus. Não deixa nem a pessoa falar e já vai perguntando. Deixa eu contar a história direito, pequena — Vitor não pode deixar de rir. Quando foi contar a história para Verônica também foi interrompido com as mesmas perguntas. — Voltando a minha história. Como Verônica insistiu, acabei concordando em visitar ele. No fundo, não esperava encontrar o meu irmão ali, mas para minha surpresa, era realmente ele. Tive um pouco de dificuldade para reconhecer. Estava bem mais magro, os olhos fundos, bem mais pálidos e com uma barba imensa, parecia mais um morador de rua. — Ele não estava sendo bem cuidado no hospital? — Ruby questionou achando estranho alguém ficar parecendo um mendigo dentro de um hospital. — Quem iria monitorar? Não havia ninguém da família por perto. Ele se internou sozinho e não teve nenhum acompanhamente. Desde o começo, estava só. A enfermeira disse que o meu irmão entrou em coma menos de 24 horas depois de dar entrada. Não deu número de ninguém para fazer contato quando fez a ficha, mas quando despertou pediu na mesma hora que me ligassem. — Vitor explicou pensativo. Sua mente estava voando para nem longe dali. — E o que ele tinha? — Ruby perguntou achando estranho alguém se internar sozinho. — Os médicos acham que foi genético, mas Vitor acha que foi envenenado de alguma forma. Ele me contou isso, mas não tenho certeza ainda. Pedi que fosse investigado. — Vitor finalmente se virou para filha tirando um pequeno envelope do bolso. — Meu irmão me chamou aquele dia para se despedir de mim. Acreditei que ele estava exagerando. Mesmo assim, insisti que deveríamos chamar você lá. Pensei que o meu irmão iria se sentir melhor, mas ele me disse que eu não deveria dizer nada para você, que não daria tempo, só faria você se incomodar. Conversamos mais um pouco e quando eu estava me despedindo dele para ir para casa. Meu irmão me entregou esse envelope antes do seu coração parar completamente. — Que? — Ruby não conseguiu entender o que Vitor estava tentando dizer, ao perceber isso, ele decidiu ser um pouco mais direto. — Meu irmão, seu pai biológico, faleceu ontem a noite. E a última coisa fez, foi deixar essa carta para você. Nesse momento, Verônica está cuidando do velório e o enterro deve acontecer amanhã pela manhã. — Vitor contou com as lágrimas rolando em seu rosto. Seu irmão era o último m****o vivo de sua família, todos haviam partido de forma trágica, como houvesse uma maldição na família. E Vitor, assistiu o último suspiro de todos eles. — Meu irmão te amou e pensou em você todos os dias da sua vida até em seu último suspiro, ao me entregar a carta, ele sorria pensando no maior tesouro dele. — Ele morreu? — Ruby não sabia mais o que pensar. Passou anos odiando um pai que abandonou ela, para no fim, quando descobriu a verdade, não pode sequer conversar com ele sobre o que havia acontecido. — Meu irmão sempre acreditou que viveria pouco. Talvez por estar envolvido com o que não devia. Ele assinou uma herança que o meu pai havia nos deixado. Um de nós teria que assumir. Acho que estarei em débito com ele para sempre. Primeiro, por não precisar me envolver com a máfia. Eu definitivamente não seria bom nisso. E segundo, por ter me presenteado com uma filha maravilhosa. — Vitor tinha os seus olhos repletos de lágrimas. Fazia anos que não tinha contado com o seu irmão por segurança, mas sempre pensou que haveria um futuro em que todos estariam juntos. — Eu quero ir para casa. — Ruby abraçou Vitor com muita força chorando. Naquele momento, ela apenas queria ir para casa. Encontrar com sua mãe e chorar até a dor que invadia seu peito parar. Vitor olhou um bom tempo para filha, pensando se era realmente certo levar ela para casa, correndo o risco de colocar a vida dela em risco, mas jamais conseguiria deixar Ruby naquelas condições sozinha. — Vamos para casa, Ruby. — Vitor concordou colocando a filha no banco ao seu lado, antes de tirar o seu casaco e cobrir a sua filha, que continuava chorando. Com o coração apertado por ver Ruby naquela situação, ele apenas puxou o cinto de segurança dela, prendendo no dispositivo, beijou a sua testa e se voltou para direção. — Vamos para casa. — Vitor disse dando ré no estacionamento. Na estrada de volta, Ruby chorou tanto que acabou adormecendo. Mesmo quando finalmente chegaram, algumas horas depois, ainda assim, continuava a dormir. Vitor tirou ela nos braços, com cuidado, lembrando quantas vezes fez isso quando ela era mais nova. — Vitor? Ruby? — Verônica que organizava todo o velório, ao ver o seu marido entrando com a sua filha nos seus braços adormecida, correu em sua direção. — O que aconteceu? Como ela está? — Chorou o caminho inteiro, até adormecer. Ela pediu para voltar. Não consegui dizer não. Eu sei que tínhamos combinado que era melhor manter ela distante para não chamar atenção, mas não pude deixar ela sozinha nesse momento. — Vitor e Verônica estavam desconfiando que os ataques estavam sendo feitos pela máfia por algo na razão, em virtude disso, acharam melhor colocar alguém para vigiar Ruby enquanto eles se mantinham distante e a protegia. — Não. Está tudo bem. Você fez o certo. Ruby já foi ferida demais nessa vida. Não quero que passe esse momento de dor sozinha. Coloque ela no sofá. Temos que decidir sobre os convidados. — Verônica sabia que era perigoso Ruby está ali, mas ainda assim, teria tomado a mesma atitude de Vitor. — Sem convidados. Ninguém deve entrar aqui. Nem nossos funcionários. Apenas quem é essencial da equipe funerária deve vir, quando for necessário. Ninguém pode ver Ruby aqui. Não quero que descubram que ela. Essa maldita máfia já tirou gente demais de mim. — Vitor disse enquanto colocava Ruby no sofá. — Tá. Vou ligar para Natália, ver como estão as crianças e aproveito para avisar que estamos com Ruby, Lisa pode ficar preocupada se ela desaparecer. Depois passo na segurança e mando fechar tudo. — Verônica havia deixado os seus outros três filhos com o seu irmão e cunhada por segurança. Está perto de Vitor, nesse momento poderia ser arriscado. Ruby respeitou algumas horas depois, sem entender onde estava, mas sentiu um cheiro forte de flores que vinha de outro cômodo. Curiosa, levantou e seguiu o aroma das flores. Ao abrir a porta, para sua surpresa, encontrou um caixão repleto de flores. O coração apertou, a lembrança da conversa com Vitor no carro veio em sua mente, fazendo ela entender exatamente onde estava. Mesmo sentindo que seu peito poderia se partir a cada pessoa que dava em direção ao caixão, ela continuou. Até conseguir ver quem estava lá dentro. — Você mudou muito. Não parece mais com o Vitor. — Ruby tinha poucas lembranças de quando era mais nova, mas pode lembrar que algumas vezes, confundiu os dois, por serem tão parecidos, afinal, eram gêmeos. — Ruby? — Verônica abraçou Ruby, colocando as suas cabeças. — Eu odiei ele por anos. Quando descobri que não deveria odiar, não pude sequer agradecer ou ouvir ele. Fui tão injusta e egoísta, pensando que haveria o dia da manhã para me desculpar com ele. Não houve. Acabou. Nunca mais poderei dizer como me sinto ou como ele se sentiu todos esses anos. — Ruby confessou para Verônica,com os olhos cheios de lágrimas, mas sem derramar nenhuma delas. — Ele não esperava agradecimento ou um pedido de desculpa seu. A única coisa que esse homem desejou desde que nasceu, foi que você fosse saudável e feliz. Que tivesse tudo que desejasse. — Verônica não sabia o que dizer naquele momento. Ruby ficou pensativa ao ouvir aquilo. Verônica abraçou ela ainda mais forte. Vitor vendo a cena, se aproximou e participou daquele abraço silencioso que perdurou por toda a madrugada até o nascimento do sol. — Bom dia. Os meus sentimentos. Somos responsáveis por dar continuidade ao rito. Como pediram, o padre foi dispensado e vamos seguir para o último estágio. — Um senhor por volta dos sessenta anos explicou ao se aproximar da família. — Bom dia. Compreendo. — Vitor concordou puxando Ruby e Verônica para o lado de fora. Naquele ponto, Verônica e Vitor tentaram várias vezes puxar assunto com Ruby, mas ela não respondia. Tinha um olhar vazio, enquanto era levada de um lado para o outro por eles. O caixão foi levado pela equipe funerária. Vitor quis se afastar de Ruby e Verônica em momento algum. Eles acompanharam o cortejo solitário em silêncio. — Querem dizer as suas últimas palavras? — O senhor perguntou prestes a descer o caixão. — Obrigado, irmão. Prometo cuidar do que você tanto protegeu em vida até os meus últimos dias. Vai em paz. — Vitor se despediu colocando uma flor por cima do caixão fechado. — Estarei aqui para manter o que você tanto ama seguro, cunhado. Vou proteger Ruby e Vitor com tudo que eu tenho. Você fez a sua parte. Agora é conosco. Pode ir em paz. — Verônica colocou uma rosa. — Ruby, quer dizer alguma coisa? — Vitor perguntou, mas assim como antes, não houve resposta. — Pode continuar. O senhor baixou o caixão bem devagar, fazendo com que desaparecesse. Vitor chorava em silêncio, apenas derramando algumas lágrimas. Verônica segurou firme a mão dele e de sua filha, enquanto começavam a enterra-lo. Quando Ruby ouviu o som da areia batendo na madeira do caixão se deu conta que era a despedida, não havia mais como mudar aquela situação. Não era um sonho. Aquilo era a realidade. Ela nunca mais poderia se reconciliar com seu pai. — Eu tinha tantas perguntas... — Ruby caiu de joelhos antes de começar a gritar desesperadamente enquanto suas lágrimas caiam. Ela sentia seu coração se rasgando, um nó na garganta e uma dificuldade imensa de respirar.
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