Nascimento narrando
— Quem mais sabe disso? — perguntei, me aproximando. — Quem você contou?
Ele levantou os olhos de novo, tremendo.
— Ninguém mais, Capitão! Juro! Só... só os caras que perguntaram... não era pra ser nada...
Olhei por um tempo, sem falar. Ele sabia que tinha falado demais, e sabia o que isso significava.
— Marcelo — falei, dando a ordem sem desviar o olhar do homem —, leva ele pro depósito. Ele vai aprender que aqui, falar demais custa caro.
Marcelo fez um sinal pros soldados, que arrastaram o homem dali. Ele sabia o que vinha, e, por mais que tentasse parecer forte, o medo já tinha tomado conta. Castigo pro X9 é inevitável. E quando ele sair dali, se sair, não vai abrir a boca de novo.
Voltei a me sentar. O morro estava em silêncio de novo, como deveria ser. Mais um que pagou o preço por quebrar as regras. No Morro Vai Quem Quer, quem abre a boca sem minha permissão acaba do jeito de sempre: desaparecendo.
Agora que o X9 tava preso no depósito, o próximo passo era descobrir com quem ele tinha conversado. A coisa não podia parar ali. Eu precisava de nomes, precisava saber até onde essa história tinha se espalhado. Esse tipo de informação, se chegar nas mãos erradas, vira um problema que eu não quero ter que resolver mais tarde.
— Qual a idade do filho dele? — perguntei a Marcelo, enquanto observava o morro da laje.
— Jairo tem um filho adolescente... moleque quieto, mas ouve tudo.Deve ter uns 16, 17. O nome dele é Lucas. Vive apanhando do pai. O Jairo é conhecido por ser violento com a família.
Suspirei, já imaginando o que vinha pela frente. Um pai violento, um moleque que cresce com medo, é o tipo de combinação que sempre dá problema. E se o Jairo tinha falado algo pro garoto, era só questão de tempo até essa informação rodar.
— Vamos fazer uma visita — falei, apagando o cigarro. — Quero saber o que o garoto sabe.
Marcelo assentiu, e em poucos minutos já estávamos caminhando pelas vielas do morro. A casa do Jairo não era longe, uma construção simples, mas bem cuidada por fora. A ordem no morro era manter casas e ruas limpas.
Quando chegamos, a porta estava entreaberta. Nem precisei bater.
— Lucas! — gritei, enquanto um dos meus homens entrava na casa.
Demorou alguns segundos, mas o garoto apareceu. Magro, o rosto pálido, os olhos arregalados de medo. Já sabia o que estava acontecendo. Eu podia ver no jeito como ele tremia. Se o pai já tinha falado demais, o garoto devia estar com a consciência pesada.
— Capitão... — ele começou, a voz quase falhando, olhando para o chão.
— Sabe por que tô aqui, né? — perguntei, sem rodeios.
Lucas assentiu, sem coragem de me encarar. O medo estampado no rosto dele era evidente, mas não era só medo de mim. O pai violento tinha deixado suas marcas no moleque. O terror que ele tinha era mais profundo.
— Seu pai andou falando coisas que não devia — continuei, a voz fria. — E agora você vai me dizer com quem ele conversou.
O garoto começou a chorar, o corpo tremendo. Aquele tipo de reação me dizia que ele sabia mais do que tava deixando transparecer. Ele tentou falar, mas o choro atrapalhava as palavras.
— Eu... eu não sei, Capitão... eu juro... — soluçava, os olhos marejados. — Ele... ele só fala comigo quando tá bravo... eu não sei o que ele contou...
O moleque não parava de tremer. Sabia que o pai era um problema, mas o que eu precisava saber era se ele tinha passado a informação adiante. Podia dar um "peia" no Jairo e fazê-lo falar primeiro, mas eu queria saber qual era do garoto também.
— Marcelo — chamei, sem tirar os olhos de Lucas. — Dá um jeito de fazer ele lembrar.
Marcelo se aproximou, pegou o garoto pelo braço e o levou até um canto da sala. Não era uma sessão de tortura, mas o garoto precisava de um “aperto” pra entender a gravidade da situação. Ele não parava de chorar, murmurando alguma coisa sobre o pai.
— Ele bate em você, não bate? — perguntei, direto.
Lucas assentiu, ainda chorando.
— E na sua mãe também, não é? — completei, sabendo que o garoto tava com medo tanto do pai quanto de mim.
— Sim... — ele respondeu, a voz fraca.
Fiquei em silêncio por um momento, eu já tinha resolvido com alguns moradores valentões, mas eu não podia resolver tudo, ainda mais quando a mulher não reclamava..
— Então me diz, Lucas. Quem mais ele contou? — insisti, a voz mais firme agora.
O garoto se encolheu, mas depois de alguns segundos de silêncio, finalmente falou:
— Ele... ele falou com o Marreta... o cara da boca ali perto da escola... eu ouvi ele dizendo que o Marreta ia pagar por uma informação...
Marreta. Claro. Um dos pequenos, que tenta crescer às custas dos outros. Agora, tudo começava a fazer sentido.
— Bom garoto — falei, com um leve aceno pra Marcelo.
Lucas continuou chorando, mas já tinha dito o que eu precisava saber. Agora, o próximo passo era resolver a questão com o Marreta.