X9

894 Words
Nascimento narrando.. Estava ainda na praia, tentando afastar aquele desconforto que a mulher e o homem de cabelos brancos tinham deixado em mim, quando o telefone tocou. Olhei pro visor e vi que era Marcelo. — Fala, tenente — atendi, já sabendo que não seria boa coisa. — Sei que tá esfriando a cabeça, Capitão, mas tem um problema... X9 no morro. Dei uma tragada no cigarro e fiquei em silêncio por um segundo. X9 no meu morro? Isso não podia ser tolerado. No morro, ver todo mundo pode. Ver é uma coisa. Mas contar... contar o que vê? Isso é inadmissível. E quem faz, paga caro. X9 pega punição pesada. Já deixei claro isso mais de uma vez. — Tá falando o quê? — perguntei, minha voz saindo mais fria do que eu pretendia. — Parece que ele ouviu alguma coisa sobre a carga que recebemos dos States. Tá rodando o morro falando umas paradas. Tá dando a entender que sabe o que vem na carga. — A voz de Marcelo tinha um tom de urgência, mas controlado. Ele sabia que esse tipo de problema tinha que ser resolvido com rapidez. Eu soube na hora do que ele tava falando. Aquela carga era limpa. c******s de primeira, vinda diretamente dos Estados Unidos. Um acordo que fiz para um velho conhecido, um professor universitário. O cara me ajudou muito na adolescência, foi como um mentor. Hoje, ele comanda um grupo que fabrica óleo de c******s pra fins medicinais. Ele salva vidas com isso. Pra pagar o favor, ajudo como posso, garantindo que ele tenha o que precisa pra continuar o trabalho. Eu também planto aqui no morro, tenho minhas plantações controladas, mas às vezes não é suficiente. A venda no morro e a demanda do professor exigem mais do que posso produzir. É aí que entram os acordos. Gente de fora. Gente grande. Negociei com gente maior que eu, gente da Yakuza e da Máfia Americana. Essa era a diferença entre mim e muitos outros traficantes. Eles acham que podem controlar tudo, se fecham no próprio mundinho e acabam morrendo por isso. Eu sou dono do meu morro, mas negocio com quem posso, com quem é necessário e com gente maior do que eu. — Ele tá falando pra quem? — perguntei, minha mente já trabalhando nas opções. — Não sabemos ainda, mas a conversa tá se espalhando rápido. Ele ouviu alguma coisa sobre o acordo com com japon£ses e já tá rodando com a língua solta. Suspirei. — Acha que pode resolver isso? — perguntei, sabendo que Marcelo já estava no controle. — Vou pegar ele antes que cause mais estrago. Só queria te avisar, Capitão, porque essa história pode chamar atenção demais se continuar. — Beleza. Se precisar de algo, me chama. Desliguei o telefone e fiquei olhando pro mar. Um X9 no morro é um problema, mas não é o primeiro que aparece e, com certeza, não será o último. A diferença é que, dessa vez, ele meteu o nariz onde não devia. Terminei a água de coco e joguei o copo de lado. Tempo de relaxar acabou. Subi o morro e me sentei.. O meu tenente estava fora, pelas ruelas do morro. Marcelo não demorou a voltar, e dessa vez trazia um homem. Não era um moleque qualquer, não. Esse já tinha falado demais. Conhecia o tipo. Já tinha visto outros como ele, achando que podiam brincar de espertos, vender informação aqui e ali, ganhar umas moedas rápidas. Mas no meu morro, quem fala demais não vive muito. O homem estava sendo empurrado pelos meus soldados, mãos amarradas nas costas, a cara fechada, mas dava pra ver o medo no olhar. Ele sabia que tinha cruzado a linha, e agora não tinha mais volta. — Aqui está, Capitão — disse Marcelo, jogando o homem no chão à minha frente. Fiquei um tempo só observando. O silêncio diz muito mais do que qualquer palavra. O cara olhava pro chão, talvez pensando no que falar pra tentar sair dessa. Mas não tinha muito o que ele pudesse dizer. — Você já falou demais — comecei, soltando a fumaça do cigarro devagar. — O que eu quero saber agora é pra quem. Ele levantou os olhos, tentando se segurar, mas o medo estava estampado. Não era nenhum moleque inocente. Sabia muito bem o que tinha feito. — Capitão, eu... só comentei... eu não queria... Cortei ele com um gesto. Não queria ouvir desculpas. — Quem você contou sobre a carga dos States? Ele tremeu. A voz saiu fraca, sem convicção. — Eu... eu só falei com uns caras, nada sério. Eles tavam perguntando, eu pensei que... — Você pensou errado — disse, direto. — Aqui, ninguém fala nada que eu não autorize. Você ouviu sobre a carga, e ao invés de ficar quieto, decidiu rodar a língua. O cara abaixou a cabeça, como se entendesse a burrada. Mas já era tarde demais. — Eu só ouvi... pensei que não ia dar em nada... — ele gaguejou, tentando se explicar. — E achou que ia sair dessa, achando que ninguém ia notar — completei, minha voz baixa, mas firme. — Aqui no meu morro, todo mundo vê. Mas contar? Contar é outra coisa. Marcelo observava em silêncio, esperando minha decisão. Ele sabia como eu lidava com X9. No meu morro, quem trai, paga caro.
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