Bebel narrando
Estava em casa, como sempre. A casa era minha apenas no papel. Tudo naquele lugar me sufocava. Cada móvel, cada parede... nada ali tinha sido escolha minha. Era tudo uma prisão dourada, construída pelo coronel Reinaldo. Ele sempre aparecia, todo dia, como se me vigiasse, como se soubesse que não teria coragem de fugir. E eu? Eu só esperava que aquele dia acabasse, mas eu ainda ia tentar mais uma vez, ia sim.. Iria implorar para o traficante com quem a minha mãe foi casada.
Mas ainda guardo um segredo que nunca tive coragem de revelar. Maria Rita mentiu para Hugo. Eu não sou filha dela, ao menos, não de sangue. Minha verdadeira mãe morreu há muitos anos. Ela era irmã de Maria Rita, e, quando soube que não sobreviveria, deixou minha guarda para ela e meu pai, acreditando que Maria Rita me protegeria, me daria o cuidado que eu precisava. E, por um tempo, isso aconteceu. Até o momento em que ela se separou de Hugo.
Ainda assim, Maria Rita foi a única mãe que eu conheci. Cresci vendo-a como minha mãe, mesmo sabendo que a mulher que me deu à luz não estava mais ali. Foi por Maria Rita que me apaixonei como filha. Ela foi a única figura materna que eu tinha, mesmo sendo falha, mesmo sendo uma mãe r.uim. Disso, Hugo nunca soube, Maria Rita escondeu de propósito essa verdade. Por quê? Porque enquanto eles estavam casados, Hugo acreditava que eu era filha dela. E, por isso, ele pagava uma pensão, acreditando que estava ajudando com os meus custos.. Uma filha precisar receber uma pensão justa..
Todo mês, religiosamente, Hugo entregava a quantia de três mil reais para ela. Como eu sei disso? Ela me contou várias vezes rindo por ter conseguido enganar um homem tão inteligente. E o que ela fazia com o dinheiro? Usava o dinheiro para financiar almoços e cafés com seu amante. Era com o dinheiro de Hugo que ela mantinha seus luxos e seus encontros, enquanto ele acreditava que estava fazendo o certo por mim.
Apesar de tudo, ela foi a única mãe que eu conheci. Mesmo sendo uma mulher c***l e egoísta, ainda era a figura materna que eu tinha. Eu odiava o que ela fazia, mas, de alguma forma, me apeguei a ela. Porque, sem Maria Rita, eu não tinha ninguém, mas ela usou o meu amor para me vender.. vender..
Ouvi a porta se abrir, os passos firmes dele ecoando no corredor. Ele estava chegando. Sempre do mesmo jeito: firme, cheio de si, como se tudo ao redor pertencesse a ele. Quando ele entrou no quarto, já tirando o cinto do uniforme, senti o estômago revirar. Sabia o que vinha a seguir. Sabia que ele me queria ali, quieta, submissa.
— "Bom dia , Maria Isabel," ele disse, a voz fria. Sempre formal, me chamando pelo nome completo, como se isso fosse o suficiente para manter o controle sobre mim.
Eu não respondi. Fiquei parada, sentada na cama, o corpo tenso. O cheiro do perfume dele encheu o quarto, um cheiro que eu odiava. Ele se aproximou devagar, sentando ao meu lado na cama, os olhos examinando meu corpo como sempre fazia. Me olhou como se eu fosse uma posse, algo que ele tinha direito.
— "Você tá quieta hoje," ele comentou, com aquele sorriso forçado. "Vem cá."
Reinaldo tentou me puxar, a mão pesada no meu ombro, me inclinando para ele. O toque dele me fez estremecer, mas eu não conseguia me mover. Ele me beijou, os lábios frios, e a sensação de nojo tomou conta de mim. Era sempre assim. Eu sentia asco, repulsa.
Enquanto ele continuava, a mão dele subindo pelo meu corpo, algo dentro de mim quebrou. Não era mais só o nojo, era raiva. Raiva por estar presa, raiva por ele achar que podia me usar como quisesse. Quando ele tentou me deitar na cama, meu corpo agiu antes que eu pudesse pensar. Meus olhos encontraram o abajur na mesa de cabeceira..
A mão dele desceu pelo meu braço, apertando, enquanto os lábios tentavam me beijar de novo. E foi nesse momento que eu fiz o que nunca pensei que seria capaz de fazer.
Eu peguei o abajur.
Num movimento rápido, ergui o objeto pesado e, com toda a força que consegui reunir, bati na cabeça dele. Reinaldo soltou um gemido grave e cambaleou para o lado. O som do impacto reverberou pelo quarto, ecoando junto com a minha respiração descontrolada.
Ele caiu na cama, atordoado. O sangue começou a escorrer pela lateral da testa dele, manchando o travesseiro. Eu não esperei. Joguei o abajur no chão e corri. Atravessei a casa como uma fugitiva, cada passo meu parecia um estalo de liberdade. Saí sem olhar pra trás, as mãos tremendo e o coração batendo forte. Tudo o que eu sabia era que precisava fugir, correr, ir para qualquer lugar que ele não pudesse me encontrar.
E o único lugar que me veio à cabeça foi o morro. O morro do ex-marido da minha mãe, Hugo, podia ser minha única chance de escapar.
Peguei um uber, depois de descer, eu subi o mais rápido que pude, as pernas tremendo, o coração acelerado. Minhas mãos ainda tremiam e a blusa... estava manchada de sangue. Eu sabia que o único lugar onde eu podia buscar p******o era ali, no território de Hugo, o Capitão Nascimento. Mesmo que ele não se lembrasse de mim, mesmo que não tivesse me deixado entrar antes, eu precisava tentar de novo.
Cheguei à entrada do morro, exausta. Um dos garotos que estava de vigia me olhou desconfiado, mas eu estava decidida.
— Vim ver o Capitão — consegui dizer, minha voz quase falhando.