Primeiro encontro

811 Words
Na Praia Capitão Nascimento.. Desci o morro e fui direto pra praia. Gosto desse contraste, do silêncio das vielas pro barulho do mar. Me sentei longe do movimento, onde eu podia ficar na minha. Peguei meu copo, pedi uma cerveja e uma água de coco. Sempre a mesma rotina. Nada de chamar atenção. Um samba tocava lá perto, e algumas mulheres dançavam. Eram bonitas, rebolando com aquela leveza que só o samba tem. Olhei por cima dos óculos escuros, observando de longe, sem me envolver. Não era pra mim. Nunca foi. Só que, entre todas elas, uma me chamou a atenção. Usava um biquíni e uma calça transparente por cima, daquelas que eu pensei ser saída de praia. Até parecia uma moça comportada. Ela era mais jovem, bonita demais pra alguém como eu. Deveria ter um monte de homens atrás dela, todos babando pelo sorriso e pelo corpo que ela mostrava sem esforço. Fiquei ali, só observando. Mas eu sabia que aquilo não era pra mim. Minha "vocação de corno" tinha morrido junto com o casamento com Maria Rita. E essa mulher... bem, ela tinha o tipo de beleza que poderia levar qualquer homem à loucura. Inclusive eu, não ia cair nessa de novo. Continuei na minha, bebendo a minha cerveja e escutando o samba de fundo, tentando afastar os pensamentos. Mas mais tarde, quando o sol já começava a baixar, vi um homem de cabelos brancos se aproximar da mulher. Não parecia ser um encontro agradável. Ele pegou o braço dela com força, e deu pra ver que ela não queria aquilo. Começou a brigar, tentando se soltar, mas ele a arrastou, sem dar a mínima. Me levantei, o impulso foi rápido. Mas logo sentei de novo. Não era da minha conta. Todo mundo tem os seus problemas pra resolver, e eu tenho os meus. Ela que resolvesse a briga com aquele velho sozinha ,provavelmente é uma daquelas mulheres sustentadas por velhos ricos. Não era o meu problema. Só que, mesmo tentando me convencer de que não era problema meu, alguma coisa dentro de mim incomodou. Um desconforto que não foi embora quando voltei a tomar a cerveja. Talvez fosse o jeito dela, a luta nos olhos. Eu sabia como era olhar pra alguém que não ia te ajudar. Já vi isso antes. Talvez, por isso, não consegui ignorar completamente. Mas, no fim, deixei pra lá. A mulher foi arrastada pra longe, e o samba continuou tocando, como se nada tivesse acontecido. Fiquei sentado, tentando voltar à minha cerveja, mas algo não deixava. Aquela mulher... ela me parecia conhecida. Não sabia de onde, mas algo no jeito dela me incomodava. O jeito como ela lutou, como se recusasse a aceitar o que estava acontecendo. Era um comportamento que eu já tinha visto antes. Só que não conseguia lembrar onde. O homem de cabelos brancos também não me era estranho. A forma como ele andava, como segurou o braço dela com firmeza... tinha um quê de militar. Provavelmente alguém que serviu, como eu. Já vi muitos caras assim, que carregam o peso dos anos de serviço no corpo, nos gestos. Aquele tipo de firmeza não se aprende em qualquer lugar. Fiquei pensando enquanto bebia a água de coco. Quem era aquele sujeito? E a mulher? Por que os dois me pareciam tão familiares? O rosto dela estava gravado na minha cabeça agora. Mesmo com os óculos escuros, eu conseguia lembrar dos detalhes: a forma como ela andava, a expressão de raiva quando tentou se soltar. Era como se eu já tivesse cruzado com ela em algum momento, mas minha memória falhava. Não era alguém do morro, tenho certeza. Eu conheço cada rosto que sobe o Morro Vai Quem Quer. Então, de onde? O homem, por outro lado, eu apostaria que era militar. O jeito de andar, a rigidez, tudo nele denunciava. Já lidei com tipos assim antes. Mas isso também não ajudava muito. Muitos passaram pelas forças, muitos que eu deixei pra trás quando troquei o uniforme pelo comando no morro. Talvez fosse só mais um fantasma do meu passado. Me peguei pensando se devia fazer alguma coisa. Se devia, ao menos, descobrir quem eram. Mas logo afastei a ideia. Pra quê? Não era da minha conta, como eu já tinha pensado antes. A vida deles não tinha nada a ver comigo. Mesmo assim, o desconforto continuava, como uma coceira que eu não conseguia alcançar. Talvez fosse o passado voltando pra assombrar. Talvez fosse só a minha mente tentando fazer sentido de algo que não tinha importância. Mas, de um jeito ou de outro, aquela mulher e aquele homem iam ficar na minha cabeça por um tempo. Terminei a cerveja, coloquei o copo de lado e fiquei olhando pro mar, tentando deixar que o barulho das ondas me levasse pra longe daqueles pensamentos. Mas sabia que isso não ia durar muito.
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