Não percebi que horas eu dormi, mas acabo acordando com barulho do despertador tocando. Já era para eu estar me arrumando para ir trabalhar, bebi bastante ontem e não deveria.
Passei a mão na cama e não o senti, sentei na cama e o procurei pelo quarto, mas ele já não estava mais ali.
Me vesti, abri a porta e ouvi ele conversando com seu pai, as vozes vinham do banheiro.
“Vocês jovens têm que tomar cuidado. Um dia desses o síndico chamou a atenção do casal porque ela estava gritando demais pela madrugada. Tomem cuidado, isso é perigoso.” Ele não estava dormindo? E eu não gritei em momento algum.
“Ela não é assim, pai.”
Coloquei o rosto e o vi banhando seu pai, enquanto o mesmo já estava bebendo. Voltei para fora, sem que percebessem que eu estive ali, espiando.
— David, eu estou indo. Preciso ir trabalhar, estou atrasada. Depois a gente se fala. — Segui até a porta, apressada e antes que abrisse a mesma, David estava atrás de mim.
— Eu posso te levar, pode ser mais rápido. Meu pai espera alguns minutos, ele está com disposição hoje. — Seu pai demanda atenção a todo tempo e eu não quero atrapalhar ele em alguma coisa.
— Se for te atrasar você em alguma coisa, não se preocupe, eu vou andando mesmo. — Cada segundo me atrasa mais e mais, sinto que hoje não vai ser um bom dia.
— Eu não sou nenhum bebê. Vão logo e tragam mais uma dessas cervejas depois, David. Espero vê-la depois, Giulia. — Seu pai estava vestido e com um cigarro dentre os dedos.
Abri a porta e fui andando na frente, enquanto David andava atrás de mim procurando a chave do carro em seu bolso. Fomos calados o caminho quase todo, eu não sei o que dizer ou como puxar uma conversa legal. Mas estava tocando uma música boa e nós dois cantávamos juntos. Não demorou muito para chegar.
— Nos vemos à noite? — Abrir a porta e desci, busquei por seu olhar e respondi.
— É melhor a gente ir devagar. Hoje eu vou dobrar, não iria dar mesmo se eu quisesse. Podemos nos ver amanhã à noite. Agora eu tenho mesmo que ir, tchau! — O beijei como despida e fui em direção a minha sala, onde estava o meu chefe me esperando com alguns papéis na mão.
— Bom dia, eu tive alguns imprevistos, peço desculpas devido ao atraso. — Antes mesmo de pensar em alguma coisa, o Sr. Carton estendeu as mãos e me mostrou os papéis em cima da mesa.
— Você está demitida, senhorita Giulia. A senhorita sempre chega atrasada, com alguma desculpa esfarrapada. Afronta os clientes e algumas pessoas dizem que a vida chega bêbada para trabalhar.
— Eu m*l chego atrasada. Também não tenho o hábito de chegar bêbada, porque para isso eu tenho casa e sei dos meus compromissos no dia seguinte. Se quer me dispensar, dê motivos claros e verídicos, pois isso não passa de algumas mentiras. — Eu posso ser irresponsável com a minha vida, mas eu sou pontual no trabalho e compro com as regras. Não tenho dúvidas que foi alguma reclamação que aquela v***a fez e se eu estiver certa, ela com certeza vai aprender como se brinca.
— Por favor, assinei os papéis de demissão. Seu serviço não será mais necessário. Obrigada pelo seu esforço e desculpe por qualquer incômodo. — Puxei a caneta de sua mão e assinei toda aquela merda.
Ele me pagou em cheque, teria que ir ao banco para conseguir pegar o dinheiro. David já havia ido embora, ali se forma minhas esperanças de ter um dia melhor.
Ao chegar na porta da vida onde eu morava, estava meu amigo sentado em minha porta, fumando um cigarro e vendo o tempo passar.
— Sam, o que está fazendo aqui? — Perguntei o vendo com uma cara de desânimo.
— Esqueci que você trabalha e vim até aqui pra beber e esquecer da vida com você. Aliás, não deveria estar trabalhando essa hora? — Sentei do seu lado e peguei o cigarro dos seus dedos.
— Acabei de ser demitida, porque segundo o babaca do Carton, o motivo é porque eu chego bêbada no trabalho. Mas e você, o que tá pegando?
— Meus pais querem que eu case com a filha do pastor. Fala sério, Giulia. O que eu preciso fazer para que eles aceitem que eu sou gay? Tenho que chegar com um homem e apresentar o cara a eles? Fala sério. Também fui demitido ontem, mas eu xinguei meu chefe de babaca quando ele chamou a mulher dele de burra.
Sam e eu sempre fomos duas flores, ele sempre esteve comigo e somos amigos desde há alguns anos. Ele me entende, me ajuda e me escuta. Até me acompanhou em algumas terapias quando eu precisei, ele é realmente meu melhor amigo e a única pessoa que eu sinto saudades quando estou longe.
— Podemos ir à praia e sair à noite.
— É, e depois a gente vai dançar para espantar os espíritos malignos. — Sam era divertido, nunca deixava a dor tomar conta de você. — Ju, amanhã vou alugar um apartamento, quer ir comigo escolher algum?
— Claro. O que tem aí na mochila? Preciso de alguma coisa forte, tenho andado bastante agitada esses dias. — A verdade é que eu não consigo parar de pensar no David, faz apenas três semanas que nos conhecemos e eu já me sinto estranha.
— Coisas fortes e um pedaço de torta que eu fiz hoje de madrugada. — Ele parece ser meu salvador, além de animar meu dia, ainda me trouxe um café da manhã perfeito.
A bagunça estava enorme em minha casa, confesso que estou me importando cada vez menos com tudo isso. A vida parece não ter mais sentido, aliás, qual o sentido da vida mesmo? Trabalhar para sobreviver e m*l conseguir fazer alguma coisa legal porque o dinheiro nunca vai sobrar? Eu detesto ter que viver desse jeito.
— A quanto tempo não lava a louça? O que está acontecendo com você? Sabe que poderia ter me ligado e eu ia vim. — Sam recolhia a louça espalhada pela cozinha, mesa de centro, armário e afins…
— Me desculpa, eu tive dias difíceis, mas conheci um cara e acho que gosto dele. — Peguei duas cervejas e deixei uma em cima da geladeira, enquanto esperava por uma resposta sua.
Nunca comentei sobre ninguém com o Sam, nem com ninguém, simplesmente porque eu nunca senti isso. David tem algo que me faz querer ser melhor, mas eu não consigo fazer isso.
— Como está se sentindo? — Comecei a recolher as garrafas vazias de cervejas espalhadas pelo chão, enquanto buscava uma forma de dizer o que eu sinto por ele.
— De verdade? Me sinto estranha. Eu nunca senti saudades de alguém e é assim que eu me sinto quando estou longe dele. A gente nem se conhece direito e eu nunca me senti assim.
— As pessoas uma hora se apaixonam, Giulia. Uma hora isso iria acontecer com você também e que bom que aconteceu.
— Mas não é nada legal, Sam. Ele era comprometido quando o conheci, a namorada dele já foi no meu trabalho e até disse algumas coisas para mim. Eu me meti onde não deveria e acabei com um relacionamento, mesmo que ele diga que não havia nada entre eles, eu não acredito.
— Se ele ficou com você é porque não namorava, realmente. E eu acho que você está com medo, não vai ser a primeira vez que vai sentir isso, eu te garanto.
Não será, mas por enquanto está sendo. Eu durmo pensando nele, acordo pensando nele e sempre que penso em algo ele está no meio. É estranho gostar de alguém ao ponto de querer t*****r com ele em todos os lugares, só para registrar bons momentos com o cara que você gosta.
Enquanto conversamos sobre isso, Sam me ajudou a arrumar a casa toda e até fez almoço para nós dois. Ele já estava bêbado, então foi dormir antes que anoitecesse e eu fiz o mesmo. A noite estaremos descansados para de jogar nosso brilho por aí, até lá, eu quero descansar um pouco.