No dia seguinte, durante o serviço, Maristela resolveu se aconselhar com Seu Mário:
- Ontem conversei com o Renato e estamos pensando em ir na empresa que o Paulo trabalhava e pedir que não sujem a carteira dele.
- É, apesar do que aconteceu, se sujarem, ele não vai conseguir trabalho em lugar nenhum.
- O senhor acha que eu consigo?
- Não sei. Não conheço o patrão dele. Mas se fosse comigo, mandava ele pedir as contas e não daria a justa causa. Um homem pode errar e se arrepender.
- Vou lá com o Renato tentar.
- O máximo que a senhora pode perder é tempo. Mas a senhora está pensando em perdoar ele?
- De maneira alguma. Estamos com pena dele. É como o Renato falou, em um único dia ele jogou toda a vida dele fora. Perdeu tudo.
- É verdade. Tomara que tenha aprendido a lição. Vocês vão quando?
- Quando sairmos daqui hoje.
- Vou torcer para que consigam.
- Obrigada.
Na cozinha, Renato também conversava com Maria, pedindo sua opinião. Ela também achou que valia a pena tentar, até porquê se ele não conseguisse outro trabalho, iria infernizar a vida deles.
Na saída do restaurante, pegaram uma condução e foram na empresa.
Quando chegaram, se dirigiram a recepção e explicaram o que haviam ido fazer ali. A secretária que fez o atendimento, apesar de lhes tratar com cortesia, deixou claro que conhecendo o patrão como conhecia, não acreditava que conseguissem, mas mesmo assim anunciou a visita:
- Dr. Rogério, estão aqui a esposa e o filho do Paulo e gostariam de falar com o senhor.
Após ouvir o patrão, respondeu:
- Aquele que foi demitido essa semana.
Novamente ouviu a resposta e desligou o telefone:
- Aguardem um pouquinho que ele vai lhes atender. E já podem contar isso como uma vitória. Ele não costuma atender ninguém.
Depois de alguns minutos, a moça atendeu o telefone, levantou e disse:
- Venham comigo. Ele vai atender vocês agora.
Seguiram a secretária por um corredor cheio de portas, até que ela parou em frente a última e bateu. A seguir abriu a porta e anunciou:
- Esses são a esposa e o filho do Paulo.
Assim que anunciou, se retirou.
Maristela estava nervosa. Não gostava de pedir favores, mas aquele era muito importante. Dele dependia a sua própria paz.
Dr. Rogério perguntou:
Vocês querem falar comigo? Por favor, podem se sentar.
Maristela e Renato se acomodaram e ela começou:
- Dr. Rogério, eu vim aqui lhe pedir para que não suje a carteira do Paulo. Não dê justa causa a ele.
- Mas o que ele fez foi grave. Bebeu em horário de serviço e ainda brigou aqui dentro com o supervisor.
- Eu sei que o caso é grave, mas se ele ganhar a justa causa, nunca mais vai encontrar serviço em lugar nenhum. Afinal ele trabalhou aqui tantos anos e num único dia fez besteira a ponto de ganhar uma justa causa?
- Eu sei disso. Sempre foi um bom empregado. Mas é meio destemperado. Se eu deixar passar a empresa vai virar um ringue. Todos os empregados vão achar que podem fazer o que quiserem. Não tenho como aceitar ele de volta.
- Nem eu estou pedindo isso.
- Então o que a senhora sugere?
- Que ela peça demissão. Assim pode procurar outro emprego. Ele saiu daqui naquele dia, e continuou bebendo a ponto de chegar em casa e me agredir. Eu fui a polícia, dei queixa e ele está preso. O casamento não tem mais volta.
- Eu lamento. Mas então, porquê a senhora veio pedir por ele?
- Pra que ele possa arranjar trabalho e seguir a vida dele com alguma dignidade. No mesmo dia perdeu o emprego, a casa, a família e ainda acabou preso. O senhor não acha que ele é digno de pena?
- A senhora pensa em reatar com ele?
- De maneira alguma. Só que sei que se ele não conseguir mais trabalho, vai me atazanar a vida.
- Entendi. A senhora quer que ele tenha a possibilidade de refazer a vida dele e lhe deixar em paz.
- É exatamente isso.
- Pela senhora e o rapaz aí, vou fazer o que está me pedindo, não quero ser culpado pelo que vai acontecer com o Paulo, mas ele vai procurar trabalho fora daqui. Não tenho como readmitir ele.
- Isso já me basta. Eu lhe agradeço muito.
- Espero que ele volte a ser o empregado que sempre foi aonde ele se empregar.
- Obrigada.
Se despediram e saíram.
A secretária perguntou:
- Conseguiram?
- Sim. Ele vai pedir as contas e sair com a carteira limpa pra conseguir outro trabalho.
- Parabéns. Seu Rogério é muito rigoroso. Não costuma voltar atrás numa decisão.
- Obrigada.
E ambos, com o coração mais leve, foram pra casa.