Meu pai está sedado, mas graças a Deus está estável. Ele é um homem alto e magro, com cabelos grisalhos e duas grandes entradas falhas na testa. Está tão abatido que ninguém diria que ele tem apenas quarenta e tantos anos. Só de olhar para ele deitado nessa cama de hospital já me dá vontade de chorar. O que aconteceu? Ele estava tão bem hoje de manhã quando saiu de casa. Falou da reunião importante. Será que ele estava dando sinais de estar m*l e ninguém percebeu?
E por que será que seu seguro saúde não pagou sua hospitalização? Ele deveria estar coberto, certo? Olho novamente para o meu pai na cama e penso em todas as coisas que devem ser resolvidas. Ele não pode se preocupar com isso agora então cabe a mim entrar no modo adulta responsável e assumir as rédeas da situação. São 17 horas agora. A empresa do meu pai ainda está aberta e com certeza lá é o melhor lugar para conseguir respostas.
Conto o dinheiro que tenho comigo e deve ser suficiente para pegar um taxi até lá. Dou um beijo na testa do meu pai e sem perder mais tempo parto para o escritório do Grupo Carter.
Tudo que sei sobre a empresa que ele trabalha é que é um grupo formado por várias empresas de diversos segmentos. O CEO é um jovem prodígio formado em Princeton com fama de ser terrível com seus funcionários. Papai sabe que Princeton é minha universidade dos sonhos, quero cursar gestão de empresas e é lá que os melhores estudaram, por isso comentou comigo quando ele assumiu a empresa. Ele trabalha no setor de contabilidade do escritório principal e não via muitas vezes os chefões.
Chegamos ao imponente prédio de escritórios coberto de vidros esverdeados que refletiam as luzes do fim da tarde. A entrada é toda em mármore com um pé direito altíssimo e uma mesa redonda ao centro. No fundo é possível ver as catracas e os elevadores. Me dirijo a recepção.
“Boa tarde, senhorita, meu nome é Rebeca e sou filha de um funcionário, o Steve Hoffman. Meu pai foi hospitalizado e precisava falar com alguém do departamento de recursos humanos sobre seu seguro saúde ou talvez alguém de seu departamento. Ele trabalha como auditor no departamento de contabilidade.”
A recepcionista me dá um olhar estranho, talvez pelo estado em que eu me encontrava que com toda certeza não é dos melhores. "Um minuto por favor, vou ver se alguém de lá pode atendê-la"
Vejo enquanto ela fala pelo telefone e depois do que pareceu uma eternidade ela desliga e volta a falar comigo. O chefe do departamento irá te atender, mas pediram para avisar que ele tem apenas 5 minutos para falar com você. Vou fazer o seu cadastro e liberar a sua entrada.
Passo meu documento para ela e logo após me dirijo com o cartão de acesso as catracas. Pego um dos elevadores até o 25 andar como me foi indicado e assim que saio vejo várias mesas e três grandes salas ao fundo. Penso por um segundo qual dessas mesas seria a do meu pai.
Me sentindo um pouco perdida, caminho até as salas ao fundo. A sala central tem uma Recepção própria então deduzo que seja a sala do chefe do departamento de contabilidade, isto é, do chefe do meu pai. A porta da sala é toda de vidro então fico em dúvida se bato ou simplesmente espero que a secretaria me note. Como se pudesse ler meus pensamentos ela me faz um sinal para entrar.
Abro delicadamente a porta e me aproximo de sua mesa para me apresentar “Boa tarde, meu nome é Rebeca. Sou filha do Steve Hoffman. Meu pai está no hospital, como vocês devem saber, ele está sedado então não faço ideia do que aconteceu com ele além do fato de que ele infartou e foi enviado aqui do escritório para lá”
Ela não me olha nos olhos enquanto falo e começo a sentir que algo está errado. Antes que eu pudesse perguntar algo mais a porta atrás dela se abre abruptamente e um homem na faixa de cinquenta anos pergunta "Está que é a filha do Hoffman?"
"Sim senhor" respondemos juntas.
"Entre" ele diz abrindo caminho.
A sala é maior do que aparentava por fora. Uma janela do chão ao teto dá um vislumbre da cidade, a mesa a frente dela é grande e está cheia de papéis. Existe outra mesa na lateral, só que redonda com quatro cadeiras e mais papéis em cima dela. Tem outro homem na sala, mais novo. Ele tem um olhar tão profundo que senti os pelos da minha nuca levantarem. Seus olhos são de um azul escuro, como um céu noturno e seu cabelo loiro escuro tem leves cachos, seu rosto requintado com linhas retas e angulares. Ele parece uma daquelas estátuas dos deuses gregos que vemos nos museus, alto, grande, poderoso e perigoso. Quem será ele?
O homem mais velho chama minha atenção como se estivesse falando comigo sem que eu percebesse. "Desculpa senhor, o que você disse?"
"Como está seu pai? Ele causou uma confusão e tanto aqui" ele repete com nítida insatisfação em seu rosto.
"Ele está estável agora senhor" respondo “mas está sedado. Não faço ideia do que aconteceu com ele para que infartasse e o hospital disse que o seguro saúde dele não foi aprovado”
"O seguro saúde dele foi cancelado"
“Cancelado?” Repito sem entender.
"Olha menina, sinto muito te dizer isso, mas seu pai não trabalha mais conosco. Ele foi demitido hoje à tarde. Durante nossa reunião de hoje foram apresentadas várias evidências de que seu pai estava desviando dinheiro da empresa e..."
“Impossível" eu grito, interrompendo-o " meu pai é o homem mais honesto que existe, ele nunca pegou nem um centavo sequer que não fosse dele”
"Se você não quer acreditar o problema é seu. Seu pai infartou quando foi desmascarado na frente de todos. Como é uma demissão de justa causa não temos obrigação nenhuma com ele, muito pelo contrário, a empresa irá processá-lo por desvio de recursos. Agora se você me der licença temos muito trabalho para fazer aqui graças ao ladrão do seu pai. Já fui muito gentil em recebê-la”. Ele declara de forma grosseira apontando para a porta.
Fico paralisada. Com meus olhos cheios de lágrimas olho entre o chefe do meu pai e o outro homem que observava tudo em silêncio e digo cheia de determinação "eu sei que meu pai é inocente e assim que ele se recuperar vamos provar sua inocência e você" aponto para ele " vai engolir essas palavras. Se existe um ladrão aqui não é o meu pai, mas você parece ser incompetente demais para buscar a verdade"
Vejo enquanto ele fica vermelho de raiva pronto para gritar comigo. Me viro com a cabeça erguida e saio antes que ele diga qualquer outra coisa. Tento me manter firme até sair daquele lugar.