Emilly Tonson
— Quem é você e o que faz no cemitério da minha família?
Seu semblante suave permaneceu.
— Desculpe-me os modos, sou Moisés Whetson ao seu devido dispor.
Ele se aproximou cautelosamente, parou bem na minha frente e estendeu a mão, onde puder notar que era calejada, além de estar visivelmente suada e um pouco suja.
Assenti aceitando o seu cumprimento.
Seu sorriso se fez no seu rosto simpático.
Assim que afastamos as mãos ele pegou um pano do seu bolso direito, me entregou, mas eu não aceitei.
— Não precisa se incomodar caro Senhor, sou do campo, não tenho esses tipos de frescuras. Suor é suor e sujeira é sujeira, apenas isso.
Ele usou o pano na sua testa e nas suas mãos.
— Peço perdão novamente, porém não invadi suas terras, vim primeiramente pela entrada da fazenda, conversei com duas mulheres. Suas empregadas, eu presumo, elas duas me disseram onde encontrá-la.
O olhei por uns segundos.
Moisés guardou o pano no mesmo lugar que havia tirado, em seguida alisou o embrulho de lençol amarrado em seu corpo com muito carinho, achei estranho esse apego.
— Compreendo. Então diga-me o que o Senhor quer comigo? — Deu-me um leve sorriso.
— Como disse ao chegar aqui, vim no momento certo. Deus me enviou até aqui para ajudá-la na fazenda. Quer que eu me diriga ao seu esposo ou posso pedir emprego a Senhora?
Achei graça internamente. Senti meus olhos se apertarem.
— Até onde ouvistes quando chegastes aqui?
— Somente a parte sobre as suas terras, os animais etc.
Moisés Whetson entortou levemente a cabeça me observando.
— Por acaso seu Deus não lhe avisou também que sou viúva!? E que meu esposo morreu a um ano atrás?! Se ele te guiou até aqui, porque razão não lhe forneceu todas as informações para se inteirar melhor da minha vida?!
Empinei o queixo desafiando-o. Ele ficou perplexo.
— Antes de tudo meus pêsames.
Suavizei a minha irá por suas palavras soarem solenes e respeitosas.
— Obrigada. — Digo. Vendo-o suspirar calmamente.
— Porque ele preferiu assim Senhora...
— Por favor! Nada de senhora pra lá ou pra cá, chama-me de Dona Tonson, acho o mais correto. — Retruco cruzando os braços, sentindo um ar frio chegar.
— Como a Dona Tonson quiser. Estou inteiramente pronto para ser útil na sua fazenda, sei fazer de tudo.
Seu sorriso voltou aos seus lábios.
— Garanto-lhe que em poucas semanas vai chover, suas terras vão ser regadas pela águas, seus animais vão se recuperar e suas plantações serão tão imensamente fartas que terás que doar...
— Fazemos queijos também. Sabia disso? Prever que venderemos tudo para pagar as contas? E que o banco emprestará dinheiro para nós reerguemos novamente a fazenda? — Pergunto sarcasticamente, todavia, Moisés permanecia em transe.
— Sim. Pois tudo que me pedires em meu nome eu assim o farei, mas é necessário que me busques. Está disposta a segui-lo Dona Tonson? Estará a disposição para buscá-lo?
Questionou-me sério, parecendo me desafiar.
— Não estou disposta a nada mais por esse Deus que me tirou os meus bens mais valiosos, principalmente meu... meu. — Meus lábios tremeram, eu não queria chorar.
Desviei o rosto.
— Quer chorar, chores, se acabe nas lágrimas, mas não culpe Deus por ter tirado as vidas de quem amamos.
O olhei intrigada.
— Como assim?
Ele apenas me enviou um olhar compassivo.
— Isso é uma conversa para uma outra hora.
— Sim. Tudo bem. — Considerei conformada pensando numa outra coisa. — É um andarilho? Ou tens um lar para onde voltar a noite?
— Sou um andarilho quando Deus me diz aonde ir, e não tenho uma casa fixa por motivos pessoais.
Declamou cheio de mistério.
— Então temos um probleminha.
— Qual?
— Desde que meu Ulisses e o meu Jonh morreram eu moro sozinha, as empregadas que viu trabalham de dia e a noite voltam para as suas casas. Resumindo não é adequado. — Aponto para ele. — Sendo um homem desconhecido ou não, ficar no mesmo teto que uma viúva, não quero que as minhas vendas ou a fazenda seja prejudicada por isso.
— Entendo, mas presuponho que a Dona tem um celeiro? Posso dormir com as galinhas não vejo problema nisso, faz semanas que estamos dormindo com a ajuda de pessoas que encontramos no caminho do trajeto, e sinceramente o único lugar que ofereciam era um celeiro ou um estábulo bem limpinho.
Confessou se divertindo com aquilo que dizia. Um homem verdadeiramente humilde.
— Sabe, o Senhor é cheio de mistérios.
Revelei, sentindo uma certa incompreendida ligação com ele.
— Por qual razão diz isso? Na verdade quando me conhecer melhor verás que sou bastante transparente.
— A é? — Ponho a mão na cintura, vendo seu olhar divertido. — Por que fala de você no plural e não no singular? Seria mais o correto. Ou isso se dá ao fato de ser referir a Deus como se ele precisasse dormir normalmente como um humano?
Moisés dá uma imensa gargalhada.
Tanto que quase me contagiou.
— Que foi? Contei alguma piada?
— Não Dona Tonson. — Disse ele, se recuperando das risadas. — Não é isso.
Diz apertando o embrulho. Meus olhos pousaram ali.
— O quê tens ai? Posso saber?
— Pode. — Seu tom saiu mais amoroso, intenso. — É o meu bem mais valioso. Meu conforto para os momentos de tristeza e tribulação.
— Já sei, é a sua Bíblia, está no centro das suas roupas. Acertei? Um homem que fala como o Senhor deve carregá-la em todos os cantos que vai.
— Eu a carrego sempre junto comigo, todavia, não é somente ela o que esta enrolado nesse lençol, é também a minha outra vida... quer vê-lo?
— Sim. — Falo apressadamente, curiosa.
Moisés soltou o graveto no gramado, pegou naquele embrulho com tanto carinho que me emocionou, e dali de dentro retirou... um bebê!
— Oh! Céus!
Rindo e chorosa aproximei-me deles já com os meus braços abertos. Implorando internamente que deixasse segurá-lo.
Lembrando que ainda éramos dois estranhos me contive.
Abaixei os braços temerosa, olhando o menino dormindo graciosamente nos braços de Moisés Whetson.
Senti as lágrimas caírem molhando o meu rosto, fiquei emotiva, fazia tempo que eu não via um bebezinho, no entanto esse era especial.
— Seu filho?
— Com toda a certeza. — Sua voz soou alegremente.
— Desculpe, estou nervosa. — Disse meio trêmula. Às minhas mãos coçaram para pegar essa cria. — Lindo menino.
— Quer segurá-lo?
Olhei para o rosto que me contemplava.
— Sim... por favor...
Continua...