3- Sozinho

820 Words
O despertador do celular tocou e assim que acordou ele se lembrou na hora o motivo. O que não sabia ao certo ainda era o porquê tinha aceitado o emprego. Na verdade, sabia que precisava de um trabalho formal, só não precisava ser naquele lugar. Ele sabia. Mas algo naquela manhã o incomodava mais que o sol que brilhava forte. E não era o fato de ter que sair da rotina apenas. Aproveitou que o sol ainda não havia deixado o dia quente e vestiu uma blusa de capuz, abrigando-se do brilho excessivo do dia, incômodo para alguém que há algum tempo evitava sempre que podia sair à luz do sol. Os motivos até ele mesmo desconhecia. Quando chegou ao escritório, Rodrigo fez questão de levar Andrei até sua sala, mesmo que ele já soubesse onde ficava e mesmo que aquele fosse um comportamento incomum de sua parte. — Então, é aqui. Providenciei uma mesa pra você ali, já que você não quis uma sala só para você. — Obrigado. — disse timidamente, cumprimentando os novos colegas de trabalho com a cabeça. Quando Rodrigo saiu, depois dizer algumas outras coisas ininteligíveis para Andrei, Laura, Igor e Leandro se apresentaram e demonstraram estar felizes com a chegada dele. Explicaram como funcionava o programa e algumas outras coisas e começaram a trabalhar. Andrei percebeu que Leandro era o mais falante. — O chefe deve ter gostado mesmo de você. Veio de trazer pessoalmente. Ele nunca vem aqui... — É. — concordou Laura.  — Eu gostei quando o Andrei falou que não precisava do dinheiro dele. — todos riram, menos Andrei. — Cara, não sei como ele ainda te contratou. Você é muito doido, cara! - disse Igor, rindo. Andrei permaneceu em silêncio, sem entender muito bem a dinâmica daquele lugar. — O que você fazia antes daqui? — um dos rapazes perguntou. — Eu fazia hack. — ele respondeu. Ninguém mais falou. Entreolharam-se e continuaram trabalhando. — Vocês se importam se eu colocar fones de ouvido? — Andrei perguntou. Todos disseram não se importar. — Podem me chamar se for preciso. — colocando os fones, voltou ao trabalho. Tinha muita coisa a ser feita. Um tempo depois sentiu alguém cutucar seu ombro. Tirou os fone e se virou. Era Rodrigo. — Acho que esquecemos de acertar sua contratação. O salário, essas coisas. Você precisa passar na minha sala mais tarde.  — Tudo bem, senhor. — disse Andrei. — Você sabe que eu sou advogado, não é? — Rodrigo perguntou calmamente, talvez com um breve arrependimento em seguida. — Sei, sim. — o jovem respondeu com naturalidade. — Você também deve saber que as pessoas normalmente chamam advogados de "doutor", não que você precise me chamar assim, mas...  — Eu sei. — disse Andrei. — Eu não gosto de títulos, mas o senhor tem doutorado? — Não. — respondeu Rodrigo, enquanto os três funcionários olhavam ansiosos o embate. — Então o senhor não é doutor. — disse Andrei. Rodrigo ameaçou explicar, quado foi interrompido. — Chamo só médicos de doutor, por que eles podem me matar. — ele não ria, o que o tornava mais complexo e enigmático para Rodrigo, acostumado com pessoas mais objetivas e óbvias. — Percebo que gosta de brincadeiras, Zilinski. — falou Rodrigo, sério. — Sinto muito, senhor. O chamo assim, por respeito, porque é mais velho que eu, mas se preferir, eu chamo o senhor de doutor. — não havia tom de deboche em suas palavras. Rodrigo ficava completamente confuso. — Me chame como quiser, Zilinski. Não esqueça de acertar a contratação. — Falou irritado e deixou a sala. Andrei colocou novamente os fones no ouvido como se aquilo fosse uma conversa absolutamente normal, e voltou a fazer o que estava fazendo. Diariamente, Leandro dava carona para Laura e Igor até o metrô. No caminho, eles comentaram como era estranha a relação entre Rodrigo e Andrei. — Ele dá cada quebrão no Rodrigo. — disse Leandro. — E ele foi contratado e nem sabia o salário! Como isso? — disse Laura. — Não deve mesmo precisar de dinheiro. — Bom, ele disse que é hacker, então, será que tá lá pra roubar dados d empresa? — supôs Leandro. — Gente, para! O cara é de boa. — ponderou Igor. — Ele não liga pra dinheiro, por isso tá cagando pro Rodrigo. Eu adoro o que ele faz. Não que o Rodrigo seja um cara um r**m e tal... — É... ele não é. — concordou Laura. — Mas nem parece que o moleque faz de propósito, ele só deve ser esquisitão mesmo. — complementou Igor. Eles se despediram e cada um seguiu seu caminho.  Como não já não era mais dia, Andrei voltou sozinho, a pé e sem capuz, alheio a tudo o que diziam a seu respeito, com os fones no ouvido, pensando que apesar de não ter desafios, talvez não fosse tão r**m trabalhar naquela empresa.
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