A primeira coisa que Rodrigo fez quando chegou ao escritório no dia seguinte foi pedir para a sua secretária chamar Andrei à sua sala assim que ele chegasse, pois ele não havia ido no dia anterior.
Queria, se pudesse, negar a si mesmo que havia pensado no assunto por toda a noite anterior, mas não perdeu tempo com isso.
— Com licença, senhor Andrei, o dr. Rodrigo gostaria que o senhor fosse à sala dele para resolver os trâmites da contratação.
— Ah, claro, obrigado. Eu esqueci... Mas essas coisas se resolvem com ele? — perguntou à secretária, enquanto se levantava.
— Normalmente, não.
— Então por que será que ele insiste em me atrapalhar, não é mesmo?
Ela olhou para ele chocada, sorrindo de nervoso. Ele permaneceu sério. Agradeceu e perguntou se precisava bater antes de entrar.
— Não, ele o está esperando.
— Obrigado.
Ele bateu assim mesmo.
— Licença, dr. — disse ao entrar.
— Acho que prefiro "senhor" mesmo. Já sinto o peso da idade chegando. — Rodrigo ironizou, arrancando um raro sorriso de Andrei.
— Sente-se, por favor. — ele apontou a cadeira e esperou até que Andrei sentasse. Só então perguntou:
— Quanto espera ganhar?
— O mesmo que os outros do meu departamento.
— E quanto acha que é?
— Não sei. Um salário justo? — deu um sorriso torto de cinismo.
— Você não se importa mesmo com dinheiro? Por que está aqui, afinal?
Então ele voltava ao assunto de sempre, que tanto o intrigava. Talvez ele soubesse que não era bem o assunto que o deixava de fato intrigado.
— Por que eu preciso de um emprego. E por que o senhor me ofereceu. Posso conseguir dinheiro de forma ilícita. Não quero isso. Posso conseguir dinheiro de forma lícita ou arriscada. Eu moro sozinho e preciso pagar contas, pra não fazer isso de forma ilícita, demorada ou arriscada preciso de um emprego, você me ofereceu um emprego, por isso estou aqui. — fez um raro discurso longo, mais para convencer a si mesmo do que seu interlocutor.
— E se o salário não for suficiente para pagar as contas? — perguntou o chefe.
— Deve ser. O salário de TI não costuma ser baixo. Mesmo para iniciantes.
— Você se lembra que nosso setor não é bem esse? Que eles são técnicos, alguns deles são mais velhos que você, mas ainda estão cursando faculdade... Você já tem formação universitária.
— Hum...
— Quanto precisa para pagar suas contas?
— Não posso ganhar mais do que eles, senhor.
— Quanto precisa, Zilinski?
— De uns 3 mil.
— Você não precisa de muito... Mas eles ganham um pouco menos...
— Me pague o mesmo que eles.
Era sem dúvida negociação salarial mais inusitada que Rodrigo já fizera. Nunca alguém pedia para receber menos que o oferecido. De modo que era impossível não intrigar com Andrei.
— Não quero que você vá embora no mês que vem.
— Não importa o quanto me pague, eu sempre poderei ir embora no mês que vem.
— Como você é difícil... — Rodrigo suspirou, deixando Andrei sem jeito.
— Eu te pagarei 3 mil, então.
— Só se pagar pra eles também.
Depois de uma pausa, olhando para ele, o advogado falou:
— Tudo bem... Todos ganharão o mesmo. Estamos acertados?
— Sim. Obrigado.
— Mas você sabe que seu salário poderia ser mais alto...
— O restante você resolve com a Ana no andar de baixo. Tente não esquecer dessa vez.
— Obrigado, sr. — disse antes de sair.
Rodrigo ficou observando aquele garoto enquanto ele saía da sua sala sem se importar. Questionava-se por que ele ainda insistia, por que não deixava o departamento pessoal resolver as questões com Andrei, como faziam com todo mundo. Mas algo despertava seu interesse e curiosidade de forma tão insistentemente insuportável naquele garoto, que Rodrigo não conseguia resistir a qualquer oportunidade de falar com ele. Queria entender como ele pensava, por que agia daquela forma. Tinha raiva e ao mesmo tempo ficava impressionado. Não sabia definir com exatidão. Mas toda vez que Andrei deixava o ambiente, ficava em Rodrigo uma ansiedade estranha e algo incerto, indefinível, indecifrável. A sensação não era agradável.
O dia transcorreu normalmente, sem que houvesse outra conversa desconfortável entre eles. À noite Andrei e Erica se encontraram pessoalmente, num bar. Embora Andrei não bebesse.
— Então você acabou aceitando o emprego com o irmão do Bruno? — disse Erica gargalhando — Cara! Você é absurdo! Imprevisível.
— Você que me mete nessas presepadas. Eu estava tranquilo. Fui lá, resolvi o problema e o cara me ofereceu um emprego. Só tem três caras num CPD precário, se é que dá pra chamar assim, todos estagiários, nenhum de TI. Ninguém sabe direito o que tá fazendo. A sala é grande, tem ar condicionado. Percebi que ninguém ia me encher o saco. Vou trabalhar em paz, ganhar um dinheiro normal pra pagar as contas...
— Legal. Acho que fez bem. Mas é cheio de advogado, não é? — ela sorriu, irônica.
— É, mas posso ir como quiser... vou assim. — disse, apontando para as roupas que estava vestindo.
— Jura? — ela riu novamente. — Você é o melhor, Andrei. — ela balançou a cabeça, tomando a cerveja.
Ele vestia um moletom com capuz e um par de tênis que já não eram novos.
— E dei uma pesquisada... o pessoal da faxina não é terceirizado, ganha um salário acima do normal, a empresa tem quase o mesmo número de mulheres e homens. As pessoas não parecem infelizes. — Andrei tentava justificar sua presença na empresa.
— Menos m*l. — disse Erica.
— E como é o irmão do Bruno?- continuou a amiga.
— Diferente do Bruno. — Andrei foi lacônico como de costume. Olhou para Erica e percebeu em seu rosto que ela queria mais.
— Ele é meio... sei lá... meio esnobe, eu acho.
— É bonito?
— É. Bem bonito. — falou, ruborizando levemente.
— Olha lá, hein, moleque! — ela falou rindo. — Vai se engraçar com o chefe.
— Palhaça. — ele riu. — Você me conhece. Sabe o que penso de caras como ele. Fora que ele gosta de mulher. E é insuportável. Credo.
— Sei que você não pega ninguém desde aquele escroto. Você precisa sair, Andrei.
— Não ando a fim de sair.
— Você nunca anda a fim de sair.
Assim seguiu a conversa até Erica começar a falar de um colega que tinha sido preso em uma manifestação contra o aumento da tarifa do transporte público. E a conversa mudou de rumo. O ativismo político tomou o lugar e Rodrigo. E naquele assunto Andrei era perito. Aquele assunto não o deixava estranhamente descocertado.