1- Invasão
Rodrigo estava desesperado. Haviam invadido os computadores de sua empresa de advocacia e nenhum dos especialistas que ele contratou conseguia resolver o problema. Ele perderia dados e documentos de muitos clientes caso não conseguisse contornar a situação de alguma maneira. A empresa não era muito grande, mas não era pequena. Trabalhavam para ele mais de vinte advogados e cinco estagiários. Além de três secretárias e o pessoal da limpeza. Havia também o RH e o setor administrativo e de p*******o. Eles tinham clientes importantes, e alguns documentos nem tinham mais no original. Havia também uma pequena equipe de três pessoas que trabalhavam na área de processamento de dados, mas nenhum era perito em segurança. Sabiam o básico. Eram técnicos. Concentravam-se mais em organizar e arquivar os materiais dos processos, colaborando com os advogados e estagiários, fazendo o sistema e os softwares usados pela empresa funcionarem normalmente. Era um trabalho puxado para três pessoas, mas eles davam conta. Até que houve a invasão do sistema.
O desespero de Rodrigo se dava também porque se preocupava com o possível vazamento de dados de clientes cujos processos corriam em segredo de justiça. Não entendia muito de informática, mas era um homem informado. Sabia dos riscos que envolviam a segurança de dados. Ele não sabia quem tinha invadido os computadores da empresa e por que, o que tornava tudo mais complexo. Isso nunca havia ocorrido antes. A irritação o dominava, porque ninguém conseguia resolver a situação há dias. Não importava o quanto pagasse.
Nem mesmo seu irmão Bruno conseguiu resolver o problema. Bruno era treze anos mais novo e devido à diferença de idade e de personalidade eles nunca se relacionaram muito quando mais novos, mas não se davam m*l.
— Vou ligar pra uma amiga. Ela deve conseguir resolver. — assegurou Bruno, vendo que a coisa era mais feia do que ele imaginava.
— Tá bom... Por favor. — Rodrigo tinha pressa.
— Ela não está na cidade. Mas disse que ia falar com um amigo dela... que foi meu colega na faculdade. — Bruno disse, depois de falar com a amiga.
— p**a que pariu! — reclamou o advogado, desolado. — Mas valeu, Bru.
— Que isso... Qualquer coisa me liga... se ele não for... tento falar com outra pessoa. — Bruno falou ao irmão.
— Me passa o número dele, então.
— Eu não tenho o número dele! — falou Bruno rindo.
— Como não? Como vou saber se ele vem? — Rodrigo não entendia.
— Não sei, meu...esses caras são assim... não dão número... Eu só tenho o dela, porque somos amigos mesmo. — Bruno tentava explicar.
— Como assim "esses caras"? — Rodrigo perguntou, irritado. — Ele é algum criminoso, por acaso?
— Rodrigo, esses caras são meio reclusos, sei lá... Eu era colega dele na faculdade, ele é um cara legal, mas meio que perdemos o contato. Só com a Erica que ainda falo. Ela é minha amigona... E é amiga dele também... Espera e vê se ele vai, agora eu preciso ir.
— E se ele não....
— Você me liga e a gente vê. — disse Bruno, indo embora.
— Tá bom, né? — Concordou a contragosto.
Rodrigo detestava tudo o que fugisse ao seu controle. Mas não se achava controlador. Considerava-se precavido. E sendo o homem prevenido que era, estava indignado por se ver naquela situação, que poderia ter sido evitada. Aquilo era simplesmente inaceitável.
Depois do almoço, quando estava na sua sala ligando para empresas de segurança digital a fim de encontrar uma solução, pois muitos trabalhos estavam estacionados depois da invasão ao sistema, uma de suas secretárias bateu na porta e disse que um rapaz chamado Andrei Zilinski o aguardava.
— E quem é ele?
— Disse que veio a pedido de uma senhora Erica.
— Erica...Mas eu não conheço nenhuma Erica... AAhhh! — ele deu um pulo. — Mande-o entrar agora! Por favor. — informou animado à secretária.
— Sim, Dr. Moretti.
Andrei bateu na porta e, pedindo licença, encontrou um homem muito mais jovem do que esperava e de aparência muito diferente da criada em sua mente, enquanto ia, desanimado, atender ao pedido de sua amiga. Rodrigo o recebeu sorrindo, estava esperançoso.
— Boa tarde, meu nome é Rodrigo Moretti. — disse, estendendo a mão para o garoto de tênis, jeans, camiseta branca e camisa xadrez amarrada na cintura.
Como Rodrigo não havia feito imagem mental alguma, não se impressionou. Esperava alguém jovem como o irmão, porém. E foi realmente o que encontrou.
— Boa tarde. — respondeu Andrei, correspondendo ao aperto de mão.
— Sente-se, por favor. — Rodrigo apontou a cadeira à frente de sua mesa.
Andrei bateu os olhos naquele escritório elegante rapidamente sem se impressionar e sem demonstrar qualquer expressão no rosto.
— O que precisa de mim? — ele foi direto.
— Meus computadores foram invadidos. Nada funciona e ninguém consegue resolver. Me disseram que você conseguiria. — Rodrigo explicou.
— Vocês têm um CPD? — perguntou, sério.
— Temos, sim...
Era mais um improviso de Centro de Processamento de Dados, mas era Departamento de Informática que tinham.
— E o senhor pode me levar lá? — o garoto pediu, com uma educação extrema, que conflitava com a impressão que a forma que se vestia podia passar.
— Claro. — respondeu Rodrigo, estranhando o pronome de tratamento, mesmo sendo perceptível a diferença de idade entre eles.
Andrei usava roupas extremamente informais, porém era assustadoramente formal. E esse contraste tornava sua personalidade difícil de ser compreendida num primeiro momento. Poderia parecer arrogante para alguns, insondável para outros. A verdade é que era tímido e sua presença, contraditória como parecia, podia causar incômodo em algumas pessoas.
Ao entrar no pequeno local reservado ao pessoal da informática, Andrei cumprimentou a todos e pediu educadamente se poderia usar um dos aparelhos.
— Você prefere que eles saiam?— perguntou Rodrigo.
— Não. Gostaria que ficassem. Se não se importarem. Talvez eu precise de alguma informação. — respondeu ao advogado.
Rodrigo também ficou. Queria ver aquele garoto trabalhar, estava incrédulo ainda, embora esperançoso. Ele fez umas três perguntas para os rapazes da informática (dois homens e uma mulher) e ficou levemente surpreso com o que viu.
— Nossa... Talvez eu leve um tempo a mais do que esperava. — exprimiu em voz alta.
— Leve o tempo que for necessário... Pagarei o quanto quiser. — enfatizou o advogado, passando a mão nos cabelos castanhos.
— Eu não vim pelo dinheiro, senhor. Não preciso do seu dinheiro. Eu vim te ajudar porque uma amiga muito próxima me pediu.
Os funcionários arregalaram os olhos e sorrisinhos irônicos começavam a brotar em suas faces. Ninguém falava assim com Rodrigo, o sócio mais sisudo. Eram dois sócios. Antônio era tido como o mais tranquilo, simpático e extrovertido. E embora não gritasse nem brigasse com quem quer que fosse, todos tinham um certo medo de Rodrigo, pois ele era sempre muito sério, centrado, fechado. Antônio era mais divertido.
— Como não precisa de dinheiro? Todo mundo precisa de dinheiro. Por que estaria aqui, se não precisasse?
— Eu não disse que não preciso de dinheiro. Infelizmente eu preciso, como todo mundo. — dizia Andrei, com uma calma desconcertante, enquanto seus dedos ágeis trabalhavam e seus olhos não desgrudavam do monitor. — Eu disse que não preciso do seu, senhor. — ele continuou, frisando bem o "seu", e deixando claro que estava ali contra a sua própria vontade. E que não era oferta de dinheiro que o faria realizar bem o que tinha ido fazer.
Andrei resolveria o problema habilidosamente de qualquer forma, pois era bom no que fazia e jamais se recusava a atender um pedido de Erica.
— Saiam, por favor — pediu Rodrigo, irritado, aos funcionários. — Percebendo que seria uma conversa difícil.
— O senhor ainda quer que eu resolva seu problema? — perguntou o jovem, notando a tensão crescente.
— Se você conseguir... — Rodrigo já estava com o ego ferido, mas precisava que os computadores voltassem ao normal.
— Eu vou conseguir, senhor. Não se preocupe. — disse com naturalidade.
— Já que não precisa de dinheiro, se não conseguir, não preciso te pagar? — cutucou o advogado.
Andrei, percebendo a provocação, levantou o rosto e sorriu.
— Não é porque eu não preciso do SEU dinheiro, que eu vou me recusar a receber. Afinal, ninguém deve trabalhar de graça, não é mesmo? — Andrei sorria de canto. — Mas se eu não conseguir, não precisa me pagar.
— Tá bom... — Rodrigo sorria da provocação daquele desconhecido.
— Mas eu vou conseguir. — disse Andrei, ainda com o riso cínico presente.
— Se você diz... — o advogado não resistia àquela leve afronta. — Todos os que vieram aqui falharam.
O riso de Andrei aumentou. Mas ele não se importou com a tola provocação do homem.
— Pronto. Seu problema está resolvido. — anunciou com tranquilidade. — Mas o senhor precisa investir em segurança ou isso vai acontecer de novo. Pode acontecer hoje mesmo, inclusive. Eu posso invadir seu sistema se eu quiser. — falou em tom de aviso, não de provocação como anteriormente.
— Não acredito! É verdade isso? — questionou com preocupação genuína, mas feliz por ter o problema, enfim, solucionado.
— É, sim... segurança de dados é muito importante. Embora ninguém consiga estar totalmente seguro em ambiente virtual. — explicou, assustando Rodrigo.
— Nossa! E como faço isso? Como faço pra proteger melhor os dado? — Rodrigo perguntou, preocupado.
— Existem empresas especializadas em segurança digital, o senhor pode contratar uma. — sugeriu Andrei, dando uma olhada para o homem.
— Mas como garantir que ela não roubará meus dados? Eu li umas coisas... — Rodrigo falava, agoniado.
— Nada pode te garantir isso. Mas é melhor do que deixar como está. — conversavam como dois profissionais.
— Como eu disse, eu poderia ter roubado os dados da sua empresa se quisesse... Mas não se preocupe, não roubei. — sorriu o jovem.
— Por que você não precisa de dinheiro... não é? — ironizou o advogado.
— Sim, não preciso do seu. — Andrei sorriu, percebendo que a provocação tinha voltado.
— Você é rico? — Rodrigo perguntou de forma provocadora. De fato, nem ele próprio entendia por que aquilo o intrigava tanto. Não sabia se intrigante era realmente a coisa sobre dinheiro, ou se era ele. Se era Andrei que realmente o intrigava.
— Não sou, senhor.
— E por que você diz que não precisa de dinheiro? — Rodrigo ainda insistia, andando em círculos naquela conversa que de algum modo bem estranho o tinha incomodado.
— Mais uma vez, não preciso do seu dinheiro. E é preciso pra ser rico pra não precisar de dinheiro? — ele indagou, sem sorrir. Não obtendo resposta, ele continuou.
— Tem gente que não aspira riqueza material... as pessoas têm prioridades distintas. — o garoto falava, deixando Rodrigo impressionado, intrigado. Irritado.
Andrei falava sempre com muita calma, seu tom não era provocador, não era rude, mas Rodrigo se sentia provocado de alguma forma. Não estava acostumado a falarem com ele daquela maneira. Aquilo o deixava perturbado. Ele podia pagar o garoto e deixá-lo ir, mas não conseguia. Queria saber por que o jovem insistia em dizer não precisava do dinheiro dele.
— Me explica por que não precisa do meu dinheiro. O meu não é o mesmo que de qualquer outro? — era Rodrigo quem insistia no assunto.
Andrei levantou as sobrancelhas em tom de enfado. Os favores que Erica pedia nunca eram muito comuns, mas aquele ela parecia ter escolhido a dedo. Mas, respirando profundamente, ele respondeu.
— Por que eu posso fazer isso que fizeram com sua empresa, por exemplo, e pedir um resgate, provavelmente é o que fariam, e você pagaria. Isso acontece todo dia. Eu não preciso salvar empresas hackeadas para ganhar dinheiro. — ele explicava. — Posso invadir o sistema de uma empresa, mostrar suas falhas de segurança e ela me pagar por isso. Entre outras coisas. Por isso, não preciso do seu dinheiro.
— Ah.. entendi... então você é hacker?
— Sou um hacktivista. Meu lance é outro. — ele disse.
— E qual é o seu lance? — Rodrigo perguntou com uma curiosidade sincera.
— Sério? — Andrei riu de leve, já um pouco cansado daquela conversa. — Ficou mil reais. — anunciou ele ao advogado, para encerrar a conversa.
— Mil?! — Rodrigo se espantou. — Você sabe que pode me cobrar mais, né?
— Sei. Mas como eu disse, eu te cobrei o que cobraria de outra pessoa, caso eu fizesse isso. Porque faz tempo que não faço isso, nem sei quanto andam cobrando.
— Achei que nem cobraria... já que... — advogado parou, mas deixando evidente a ironia.
— Eu não faço caridade para empresas. Sempre cobro pelo meu trabalho, pelo meu tempo. Afinal, esse ainda é um país capitalista, não é mesmo? — Andrei respondeu, com uma cínica indagação.
— Você pode passar no térreo, na sala 1. Fala com a Ana. Ela é responsável pelo setor de p*******o. — disse Rodrigo, atordoado com aquele garoto petulante. Ele parecia tão tímido, com aquela pele tão clara, aqueles óculos, aquele rosto angelical, mas falava com tanta propriedade, com uma firmeza quase ofensiva.
— Tudo bem. — Andrei falou, tranquilo.
— Obrigado.- Rodrigo agradeceu sincero, aliviado e intrigado.
— Agradeça a Erica.
Andrei pegou sua mochila que estava no chão, colocou nas costas e se dirigiu ao elevador. Apertou o botão e quando entrou percebeu que Rodrigo entrou com ele.
— Eu sei que você não precisa do meu dinheiro... mas você não gostaria de trabalhar aqui? — perguntou, com um sorriso simpático.
— Não, obrigado. — respondeu Andrei, olhando-o nos olhos muito rapidamente.
— Prometo que te p**o pouco, ou nem te p**o, se preferir! — brincou Rodrigo, fazendo Andrei rir. — quase nenhum estranho o fazia rir.
Outra vez ele recusou. Mas Rodrigo insistiu.
— Posso pensar? — ele perguntou.
— Claro! — o advogado respondeu entusiasmado.
— Você pode deixar um número pra contato na...
— Não. Eu ligo. — o jovem o interrompeu.
— Tudo bem.
Os olhos deles se encontraram por um instante breve e em seguida os dois se separaram.
Andrei passou na sala 1, recebeu o dinheiro e foi embora. Rodrigo voltou para a sua sala, torcendo para que ele aceitasse. Não poderia perdê-lo. Ele tinha resolvido o problema da invasão em poucos minutos e enquanto conversavam. Problema que várias pessoas não conseguiram solucionar. Sentia mesmo que ele tinha uma inteligência especial, que era uma pessoa diferente, incomum. Não podia desperdiçar a oportunidade. O problema é que não poderia oferecer um bom salário para conquistá-lo, pois, como ele mesmo disse, não estava interessado em dinheiro.
Andrei não estava interessado em nada que Rodrigo tinha a oferecer, então, sua contratação dependia apenas da sorte. E infelizmente Rodrigo não acreditava em sorte.