— Filha, você tem certeza que quer ir embora pra uma cidade tão perigosa como aquela? — minha mãe indagou pela milésima vez. — Nunca é tarde demais para mudar de ideia, porque eu tô com um pressentimento tão r**m.
— Mãe, eu passei em uma universidade federal. A senhora tem noção do que isso significa? — perguntei retoricamente e com uma nítida empolgação na voz e ela sorri toda orgulhosa de mim.
Acho que não tem nada mais gratificante do que ser o orgulho da minha família e não que seja uma tarefa muito difícil na minha família, já que a filha mais velha se casou com um bandido perigoso.
— Então, tá certo, minha filha. Eu estarei aqui torcendo para dar tudo certo, mas qualquer coisa, volta, porque eu e o seu pai sempre estaremos de braços abertos para te receber. — A abraço apertado e ela retribui, começando a chorar outra vez.
Por alguns instantes, penso na possibilidade de desistir e ficar com a minha família, mas eu não podia deixar o medo me vencer. Não depois de passar noites em claro estudando para o vestibular enquanto me dividia entre a escola e o trabalho para juntar dinheiro.
Sei da minha luta para conseguir garantir minha vaga em uma faculdade pública e não posso abrir mão disso só por estar aterrorizada com o que me espera.
Estávamos no meio da rodoviária e algumas pessoas nos olhavam com emoção e outras estavam ocupadas demais se despedindo dos seus familiares para prestar atenção em duas desconhecidas chorando como se alguém tivesse morrido.
Meu pai não quis vir, porque disse que ia fazer um escândalo para eu não entrar no ônibus e do jeito que eu conheço o meu velho, não duvido nada que era exatamente isso que ele faria. Nenhum dos dois estava se sentindo 100% seguro com a minha mudança.
— Alana, tente não fazer coisas erradas por lá, por favor. Já basta a sua irmã ser casada com um traficante naquela maldita cidade. Não quero que a outra também me dê esse desgosto.
— Mãe, eu odeio homens no geral. A senhora acha mesmo que vou ficar logo com algum bandido? Claro que não! A senhora me criou muito bem, viu? — garanto com toda convicção do mundo.
— Ótimo e nem vire p********a ou striper para ganhar dinheiro fácil.
Ri sem graça, pensando o quanto tenho nojo de homens e jamais me sujeitaria a deitar com um ser humano tão desprezível como um cara que precisa pagar para ter uma mulher na sua cama.
— Tô começando a ficar ofendida, mãe.
— Desculpa, talvez eu só tenha errado com a Ana e esteja descontando a minha frustração na filha errada. — A mulher suspira com o semblante triste e o meu coração aperta.
Eu amo a minha irmã, porém odeio a escolha que ela fez de se juntar com o Relíquia, por isso nem passou pela minha cabeça morar com os dois e sequer avisei a ela que estaremos morando no mesmo local em poucas horas.
Trabalhei pra c*****o nos últimos anos e consegui pagar três meses de aluguel de um apartamento próximo à minha universidade que vou dividir com outras duas meninas que irão estudar no mesmo lugar que eu e a gente tem se falado bastante por um grupo no w******p. Elas parecem legais e acho que seremos ótimas amigas. Bom, pelo menos é o que eu espero que aconteça.
[...]
Estou prestes a chegar ao meu destino e sinto minhas mãos suando pela ansiedade que percorre o meu corpo. Meu coração está tão acelerado que parece que irá rasgar o meu peito.
Meu Deus, eu consegui mesmo passar em uma das melhores universidades do Brasil? Isso é tão surreal para mim.
Quem diria que a garota da roça iria conseguir ingressar no ensino superior através do Enem logo na primeira tentativa? Nossa senhora das mulheres competentes, eu sou realmente muito f**a!
Me sinto uma pessoa muito sortuda por ter conquistado esse feito, já que a maioria dos meus colegas do colégio não conseguiram, porque a nossa escola é em uma zona rural e a educação é bastante precária se comparar com quem estuda na capital ou tem condições de pagar um ensino de qualidade.
Fui obrigada a estudar sozinha dias e noites durante meses usando apenas o celular com uma internet clandestina que m*l carregava um vídeo de cinco minutos no YouTube.
Meus pais sempre foram pobres e precisaram escolher entre dar uma vida confortável com qualidade ou uma vida de luxos sem qualidade alguma, sendo assim nunca faltou comida na minha mesa, mas celulares caros como um iPhone sempre foram um sonho bem distante para mim. Nunca fez tanta falta. O meu celular que tenho há quatro anos tá dando pro gasto até hoje.
— Já estamos chegando? — questiono ao rapaz que está sentado ao meu lado.
— Sim, mas tenta relaxar ou você vai ter um treco antes. -— Ele disse com um sorriso gentil e eu assinto, envergonhada.
Mando mensagem no grupo das meninas perguntando se elas já haviam chegado e a Juliana responde que ambas já estão na rodoviária me esperando.
Menos m*l, pensei comigo. Odeio ser a primeira a chegar nos lugares e ficar igual a uma abestalhada esperando a boa vontade dos outros.
Guardo meu celular na bolsa e coloco as mãos no meu rosto, tentando controlar as emoções e aproveito para pedir para Deus me proteger de todo o m*l, pois eu cheguei a vir aqui para visitar minha irmã, isso antes dela se envolver com um bandido, e vi que nessa cidade a barra é pesada demais, totalmente diferente da minha roça que a gente encontrava vacas no meio na rua.
O ônibus chegou na rodoviária e rodou durante alguns minutos até estacionar e não demorou para todos os passageiros se dirigirem à saída e irem descendo, um atrás do outro. Eu fui a última a tomar iniciativa de descer do ônibus, porque ainda estava em estado de choque.
Suspiro fundo, pegando a minha mochila no bagageiro e de longe, avisto as meninas e vou andando apressadamente na direção das mesmas.
Empolgada é pouco para o meu estado de espírito atual!