Acordei ao escutar o barulho das chaves abrindo a fechadura do quarto onde me encontrava e apesar do esforço em tentar me levantar para ver quem era e o que queria comigo tão cedo, eu sequer consegui abrir os olhos pelo cansaço que estava sentindo por ter carregado a minha mochila por tanto tempo nas costas, sem contar as horas sentada desconfortavelmente naquele maldito Uber. Meu corpo parecia que tinha levado uma surra de tanto que sentia cada pedacinho dele doer.
— Tá vestida, Alana? — Escutei a voz do Relíquia, mas o ignorei para ver se ele ia embora e me deixava descansar mais um pouco.
Em seguida, o dono da casa bateu duas vezes na porta e insistiu em perguntar:
— Posso entrar?
— Pode sim — respondi com a voz abafada pelo travesseiro e ouvi a porta se abrindo.
— c*****o, Alana! Dá pra tu se cobrir, pelo amor de Deus? Eu ainda te perguntei se você tava vestida, p***a!
Ainda tomada pelo sono e preguiça, ergui a minha cabeça para encará-lo e me deparei com o seu olhar sedento sobre o meu corpo e ao segui-lo, percebi que minha b***a estava completamente de fora, pois costumo dormir apenas com uma blusa e uma calcinha.
— Desculpa, Relíquia. Eu não tinha percebido que a minha calcinha estava aparecendo. — Levantei-me rapidamente, ajeitando a peça de roupa no meu corpo para cobri-lo e sentei na beirada do colchão, me encolhendo com medo que ele achasse que tinha feito de propósito e quisesse tentar fazer alguma coisa comigo.
— Não vou te tocar, Alana. — Ele se aproximou de mim com cautela para não me aterrorizar ainda mais e deixou uma bandeja com comida que não tinha reparado antes em cima da mesa de cabeceira ao lado da cama. — Só entrei aqui para trazer algo para você comer, porque já são 15:00h e fiquei preocupado.
— Meu Deus, eu dormi muito — admiti envergonhada e ele negou com a cabeça.
— Pode dormir à vontade, só não dá ficar sem comer, porque funeral tá caro pra c*****o e eu não tô afim de gastar dinheiro com ninguém.
Rimos juntos e ele sentou-se ao meu lado, brincando com suas mãos, parecendo incomodado com algo e deduzi que poderia ser a minha presença totalmente inesperada na sua casa.
Aproveitei sua distração para ajeitar meu cabelo e limpar como pude meu rosto, porque, por algum motivo, desejava ser atraente e bonita enquanto ele estava por perto.
— Quer que eu vá embora, né? Sei que a aparecimento repentino no seu morro e dentro da sua casa deve tá sendo muito inconveniente pra você.
— Pra ser sincero, gostei de ter companhia pra conversar ontem à noite. — Ele deu uma olhada de soslaio e um sorrisinho quando viu meu rosto esquentar pela sua resposta. — Ultimamente, só falo com o Deco e o pessoal que é envolvido nos meus negócios.
Por mais que eu não saiba a história toda entre o Relíquia e a Ana, não deixei de me perguntar o motivo que a minha mãe teve para ir embora e dar um golpe de R$27.000 no marido, porque ele parece ser um cara legal e engraçado.
Ontem, ainda conversamos um pouco depois que ele trouxe uma garrafa com água pra deixar no quarto que passou a noite trancado para que eu não fugisse ou algo assim, porém perguntou várias vezes se não ia estar faltando nada que eu pudesse precisar.
O Relíquia falou um pouco sobre sua irmã e eu descobri que o seu nome é Fabíola. Ele pareceu sentir bastante remorso por tudo que ela passou antes de morrer e eu o tentei o consolar com algumas palavras.
— Há quanto tempo que a Ana foi embora? — Após alguns minutos em silêncio, tentei puxar assunto mesmo sabendo que deveria ser outro assunto delicado para ele.
— Uns oito meses.
— E você não sabe onde encontrar ela?
— Sei, mas não posso simplesmente invadir o morro do Cordilheira sem colocar em risco a vida do meu filho.
— Filho? — Ergui a minha sobrancelha, perplexa em saber que a minha irmã ficou grávida e não contou para ninguém da família. — Quando a Ana teve um bebê?
— Ele deve tá com seis meses. — Relíquia olhou para o chão, tentando evitar que eu visse as lágrimas descendo no seu rosto e as limpou com as costas da sua mão direita. — Eu sequer sei o nome dele, porque a sua irmã me tirou o direito de ter o meu próprio filho ao meu lado.
— Sinto muito por você tá passando por isso. — Levei a minha mão até sua bochecha e enxuguei o resto das lágrimas. — Você disse que eu podia te ajudar nisso, mas não imagino como porque não sou muito próxima da Ana. Nos falamos bem pouco, principalmente nos últimos meses e agora, sei o motivo do seu sumiço das redes sociais.
— Sobre isso que queria falar contigo. — Relíquia virou seu corpo na minha direção para me olhar e eu engoli em seco, não sabendo exatamente o que esperar. — Quero te propor uma coisa.
— O quê?
— Primeiro, quero deixar claro que você não é obrigada a fazer nada, mas se topar me ajudar, eu te garanto que encontro um bom lugar para você morar com as suas amigas sem precisar pagar nada e me proponho a bancar todas suas despesas durante o seu curso na faculdade.
— Isso é bom demais para ser verdade. — Ri de nervoso.
— Sei que tu não me conhece, mas acredita em mim quando digo que sou um homem de palavra e tudo que tô te prometendo no nosso trato, vou cumprir.
— Certo, mas o que eu teria que fazer? Fala logo, porque esse suspense tá me matando.
— Quero que você aceite ser a minha moeda de troca.
— Como assim moeda de troca? Desculpa, eu não entendo gíria de bandidos.
Relíquia soltou uma gargalhada baixa e por um breve segundo senti que ele gostaria de desistir da sua proposta.
— Quero trocar você pelo meu filho.
— Quê? Como assim me trocar? — Saí da cama e comecei a andar de um lado para o outro na sua frente. — A Ana nem gosta tanto assim de mim para aceitar entregar o seu bebê em troca da irmã mais nova.
— O fato dela ser distante da família não quer dizer que ela não ama e se preocupa com vocês.
— Isso não vai dar certo.
— Eu vou fazer dar certo e ainda te manter em segurança, porque depois que tiver meu filho comigo, vou poder invadir o morro do Cordilheira e te trago de volta pra cá.
Olhei para o Relíquia procurando algum resquício de humor, porque só podia ser brincadeira que ele quer me entregar nas mãos de um e********r e ainda achar que vou topar.