01 - Bunnies

2809 Words
Tentei fixar as minhas longas e falsas orelhas de coelho pela terceira vez no topo da minha cabeça. Mas, por maior que fosse o meu esforço, o acessório insistia em escorregar para frente, bloqueando a minha visão de tempos em tempos com um arco escuro de seda que raspava de leve na ponta dos meus cílios pesados pelo rímel. Suspirando exasperada, afastei o tecido fino do rosto com um forte peteleco, cruzei os meus braços em cima do balcão e me sentei numa banqueta com leds azuis nas laterais. — Certo... — ponderou Callie, girando uma cereja entre os dentes. — Você realmente tinha razão quando disse que seria muito mais fácil se tivéssemos planejado renovar a aposta todo primeiro dia do mês. Dando de ombros, roubei uma das cerejas dentro do potinho que ela segurava e chupei os dedos ruidosamente. — Eu te avisei. Callie revirou os olhos e bufou. — Quanto você aposta pela noite? — Quinhentos. — Sem chance. — Quinhentos ou nada — disse com um sorriso aberto. Callie bateu a tampa do recipiente com as frutas no mesmo tempo em que eu estendia a minha mão para pegar mais uma cereja. Franzi o cenho e a encarei. — Que foi? — Não quero perder quinhentos dólares, m***a — ela respondeu. Arrastando o recipiente para longe, puxou dois guardanapos e ofereceu um para que eu pudesse limpar os meus dedos. — Quando foi que você perdeu uma das nossas apostas? — perguntei girando no banquinho e tentando esconder o meu sorriso soberbo. Ainda de costas para a minha amiga, notei que as Strippers da casa já estavam sobre o pequeno palco em formato de círculo com um mastro de pole dance centralizado. — Hmm... — Callie agarrou os meus ombros e me virou de frente, seu rosto marcado pelas linhas da exasperação. — Talvez nas últimas cinco semanas seguidas. Puxando seus pulsos, empurrei suas unhas grandes para longe do meu colete de seda. — Não é minha culpa se todos os homens que você pegou eram casados ou não queriam s**o no primeiro encontro. Não é assim que a aposta funciona. Você perdeu por desclassificação. Callie rangeu os dentes e revirou os olhos novamente. — Talvez devêssemos mudar as regras da aposta. — Nada disso! — balancei meu dedo indicador — A aposta tem funcionado muito bem durante os quase três anos em que nos conhecemos e vai se manter assim. Dispenso a sugestão. Callie me desafiou a sair com um dos clientes que havia me passado o seu número de telefone na minha primeira semana no emprego novo. Eu soube que ela era conhecida por suas manias estranhas e promiscuidade, e isso me fez amá-la imediatamente. Sempre que ela achava que um homem era inalcançável para meras mortais, fazíamos uma aposta de quem conseguiria dormir com ele no primeiro encontro. Nunca tivemos nada que nos prendesse a comportamentos ideais para os padrões da sociedade, então iludíamos os homens sem qualquer culpa em nossas consciências. Aquela era a primeira lei da sobrevivência do nosso manual da mulher solteira: Nunca ter medo de magoar um homem, eles mereciam. — Não é justo — ela bateu com as duas mãos sobre o balcão e os anéis em seu dedo indicador e anelar tilintaram sobre o vidro. — Você tem duas vantagens à minha frente. Primeiro, você é ruiva. Segundo, nada mais importa porque você é a p***a de uma pessoa ruiva! — Você tem mais experiência — apontei. O rosto de Callie mudou da cor oliva brilhante para ruborizado em questão de segundos. Ela puxou o furador de gelos e apontou em minha direção. — Retire o que disse! — O quê? — Você acabou de me chamar de v***a! Não que fosse algum tipo de título que oferecesse orgulho, mas isso era exatamente o que nós éramos. Por puro capricho, fingíamos que não nos abalávamos com os olhares tortos e os resmungos de outras mulheres. Sempre foi fácil esquecer disso quando os seus homens babavam aos nossos pés. Dávamos o s**o que eles precisavam para suportar a vida tediosa com suas namoradas riquinhas, e colecionávamos experiências por pura diversão. Franzi o cenho. — Eu quis dizer que você sabe melhor do que eu quando o assunto é atrair os homens. Não estava contando com quantos você já dormiu. Callie estreitou os olhos e me lançou um sorriso doce. Quase revirei os olhos pela mudança brusca de comportamento. Era típico dela. — Tudo bem. — Ela suspirou. — Dependendo do ritmo da noite, nós vamos decidir sobre o valor, combinado? Como ela ainda segurava o objeto pontiagudo, apenas me restou concordar. — Claro — sorri, puxando de leve a minha gargantilha com pingente em formato de trevo de quatro folhas. Eu sabia que demorariam apenas dois minutos para que a minha amiga mudasse de opinião. Isso talvez fosse uma das melhores qualidades de Callie. Ela era uma mulher de múltiplas opiniões e variadas atitudes impulsivas. Quando ela resmungou um palavrão, soltei o meu pingente e olhei em sua direção. — Dá para acreditar que estamos fantasiadas como se estivéssemos no Halloween? Estávamos na véspera da páscoa, e sabendo que a boate não funcionava aos domingos, essa era a noite em que todos os funcionários deveriam usar trajes especiais. Para as strippers: roupas apertadas e finas de coelhinhas da playboy. As outras garotas, incluindo garçonetes da área VIP: a mesma porcaria, tirando o maiô tomara que caia e o salto agulha. Quanto aos homens, as orelhas pontudas e a gravatinha também eram obrigatórias, mas as roupas continuavam sendo camisas sociais e calças apertadas. Dando uma risadinha, deslizei minhas mãos para desenrolar as barras do meu short curto, aproveitando o caminho para puxar mais para cima a minha meia calça arrastão. No geral, meu uniforme era apenas um top que alcançava não mais do que a altura do meu umbigo, um short de cintura alta e botas de cano longo. — Eu gostei da minha roupa. Minha amiga riu alto e bateu com as unhas brilhantes sobre o balcão. — Não fala merda... Você está ridícula. Boquiaberta, virei depressa em sua direção. — É você quem está usando uma roupa inteiramente laranja! Callie abaixou os olhos para o próprio corpo e fez beicinho, comprovando que o deboche servia para ela mesma. Ela deu de ombros antes de puxar o acessório de seda acima de sua cabeça e resmungar um segundo palavrão. — Eu já disse o quanto odeio essas merdas de orelhas e o maldito pompom que furou a minha b***a inteira até que eu encontrasse um lugar pra fixar ele? — Quando eu ri, ela levantou a mão. — Não pergunte onde o alfinete está pregado ou eu te mato. Disfarcei o riso inclinando a cabeça para as minhas mãos, e com o movimento, quase que de imediato, senti a picada do alfinete contra a costura do meu short. Apesar da aspereza, Callie Reedy era o tipo de mulher que os homens costumavam morrer de amores. Ela conseguia o que queria de qualquer homem apenas com um sorriso e uma promessa de amor eterno. Seus cabelos na altura da nuca e olhos castanhos também ajudavam muito no processo. Ela tinha uma aparência dócil, mas isso nunca me enganou. Para os outros, era a Callie amável e doce que derretia até a mais profunda camada de gelo. Comigo, Callie sempre foi ela mesma. A Callie atrapalhada e com problemas familiares que suprimia suas carências no colo de vários homens. — Ise! — gritou uma voz no segundo andar. Gemi baixinho. — O chefinho está chamando... — Callie disse maliciosamente. — Não começa... — apontei um dedo acusador em sua direção. Atravessei a área perto da pista com pequenas mesinhas redondas e cadeiras que tinham em sua extremidade o formato de uma concha. Passei por baixo da estrutura de ferro presa ao teto, tomando o cuidado para não esbarrar nas mesas que ficavam quase furtivas no local mais escuro, antes de subir aos tropeços a extensa escada de metal com leds coloridos em seus degraus. Toda a boate era customizada com estruturas de ferro que lembravam engrenagens. Eu sabia que estavam longe de ser engrenagens de verdade, principalmente em relação ao seu peso ser consideravelmente muito leve. O letreiro com um espaço em branco com "Memento Viveri" escrito em caligrafia firme pendurado na parede brilhou contra os meus olhos quando cheguei ao segundo andar. Kristen Campbell era a dona da boate com nome em latim e considerada uma das mais visitadas em Manhattan. Apesar de ser jovem, aquele lugar era um dos frutos de sua maravilhosa herança. Ela uniu o útil ao agradável; a paixão por frequentar boates e a experiência em negócios. Ela não era a única da família que trabalhava ali, também havia Thomas, seu lindo e insuportável irmão. Os dois se pareciam muito, tanto na aparência quanto na autoridade. Possuidores de um belo par de olhos azuis e cabelos castanhos sedosos, eles sabiam que podiam conquistar o mundo se quisessem. Sempre achei muito engraçado o tipo de família que se completava assim, até porque isso nunca foi uma realidade para mim. Meu pai era americano e após anos escrevendo histórias sobre o fim do mundo, ele se tornou professor na NYU. Minha mãe era francesa e uma corretora de imóveis famosa por nunca perder uma venda em seus longos vinte anos de carreira. Eles se conheceram durante uma visita dele à Cannes, na França. Mesmo com os aspectos físicos e o sotaque que nem mesmo depois de anos vivendo entre americanos fui capaz de perder, nunca houve lugar para mim na França. Não hesitei e muito menos pedi para ficar quando meu pai disse que partiríamos no dia seguinte ao seu divórcio rumo à sua cidade natal, Nova York. Com o passar dos anos, sua depressão incurável começou a refletir em mim. Tornando-me amargurada o bastante para ignorar chamadas da minha irmã, evitar passar as férias escolares ou as datas festivas com a minha mãe. A França se tornou um país inexistente para mim e eu pretendia que continuasse assim, porque mesmo sem compreender o motivo pelo divórcio dos meus pais, eu pensava que jamais perdoaria a minha mãe. De algum modo, as experiências amorosas dos meus pais serviram para que eu aperfeiçoasse ainda mais a minha crença de que o amor era um jogo de sorte. Quanto mais você jogava, mais viciado ficava, e aí chegava o momento em que sua sorte mudava, e não sobrava nada além de um coração em destroços no final. Eu sempre fui a pessoa mais azarada do mundo. E era esse pequeno detalhe infantil que me dava acesso ao meu lado mais depravado e sujo. Eu usava o meu corpo para que homem algum pudesse ter qualquer controle sobre mim. Tinha uma fama nada elogiosa, mas não me importava. s**o era importante para mim, e nunca feito com o mesmo homem. Eu sempre fui do tipo que se cansava facilmente de coisas repetidas, e tinha uma forte tendência à seguir aquilo que consideravam errado. Era divertido e gostoso agir pior do que a minha reputação intitulava. Uma das fivelas da minha bota de cano longo soltou no momento em que abri uma das portas das salas VIP. Correndo até o sofá de couro em formato de lua, apoiei uma das minhas pernas e me inclinei. Meus cabelos cobriram o meu rosto em resultado pelo esforço que fiz para olhar para baixo, estragando completamente o penteado certinho e muito liso que demorei horas para conseguir. Minha visão se resumia em um emaranhado de cabelos cor de cobre e malditas fivelas douradas que não se encaixavam, por isso me sobressaltei ao ouvir um som alto vindo na direção das minhas costas. Levantei a cabeça e joguei os cabelos para o lado, tendo o vislumbre de longas pernas cobertas por um jeans escuro. — Se eu soubesse que teria uma vista dessas logo cedo... — comentou o dono das pernas. Resmunguei baixinho, finalmente prendendo a fivela da minha bota e me erguendo do sofá. Joguei os meus cabelos para trás, destruindo o resto de esperança que tinha em mantê-los lisos e controlados. Virei-me de frente para Thomas, meu segundo chefe, apoiando uma das mãos na cintura para manter a pose firme. — O que você queria? — perguntei bruscamente. Thomas franziu o cenho e comprimiu os lábios em uma linha fina. — Você de mau humor? O que houve? Dei de ombros, desviando minha atenção dos seus olhos azuis para a caixa com copos coloridos que ele carregava. Ele ergueu a caixa e seus músculos saltaram sobre a justa camisa preta. Pude ver claramente a quantidade de gominhos que havia em sua barriga. — Você ficou linda de coelha, ruivinha. Houve um tempo em que fui caidinha por Thomas. Esse tempo durou exatos cinco minutos. Eu não costumava mesmo gostar das coisas por muito tempo. — Eu vou ser demitida se te mandar ir à m***a? — perguntei caminhando para fora da sala. Ele me seguiu. — Provavelmente sim, mas se aceitar sair comigo quem sabe não consiga um emprego vitalício na minha boate? — Thomas perguntou assim que alcançou o corrimão da escada, apoiando a caixa de copos contra o seu corpo. Ele se virou para mim. — Que tal? Regra número um na vida de uma mulher que não consegue se manter em relacionamentos sérios: Nunca, em hipótese alguma, transe com homens que fazem parte do seu local de trabalho. Mesmo se eles possuírem o físico ideal, um sorriso de tremer as pernas e uma voz afrodisíaca. Nunca foi uma novidade que satanás sempre esteve tentando enfraquecer a nossa carne criando um ser humano que grita à s**o. Thomas Campbell era uma de tais obras pecaminosas. — Boa tentativa, Tommy — respondi, rindo. — Quem sabe outro dia. Antes que tivesse tempo para recompor a minha pose indiferente e fingir que o seu convite não mexeu com uma certa parte do meu corpo, Thomas resmungou e literalmente jogou a caixa de plástico em meus braços. — Você e a Callie conseguem arrumar tudo em três minutos? Kristen não veio hoje e os seguranças novos estão totalmente perdidos sobre o horário de funcionamento da boate. Inclinei para frente e olhei o relógio em seu pulso. — Já são onze e dois. Por que não abrimos ainda? — Isso é exatamente o que a Kris diria. — Thomas bufou. — Eu poderia listar para você tudo o que realmente aconteceu, mas isso ia me atrasar ainda mais. Resumindo; o entregador demorou com as bebidas, os copos estavam no depósito também e demorei demais para encontrar todos eles. — Ele não esperou que eu respondesse qualquer coisa antes de sair voando em direção à outra porta entre as dez que levavam às salas VIP. Olhei para os enfeites em espiral do teto e gemi de frustração. A batida remixada de Reload atingiu os meus ouvidos no momento em que desci as escadas metálicas. Os efeitos de luz acompanhavam a batida da música que ficava cada vez mais alta, iluminando os pontos que costumavam ficar mais cheios durante o auge da noite. Callie já estava organizando as bebidas por ordem quando eu cheguei. Tive que gritar para que ela me escutasse acima da música. — Temos que organizar os copos. — avisei. Callie revirou os olhos e se aproximou para pegar a caixa. — Vamos colocar ali, junto com os copos de... Ela arremessou bruscamente a caixa em uma das portas do armário abaixo do balcão, fazendo com que todos os copos caíssem em uma imensa bagunça. Sorrindo para si mesma, ela levantou esfregando as mãos vazias e me lançou um olhar inocente. — O que você dizia? Tentando controlar o meu ataque de riso, percebi que as Strippers começaram a dançar e dois dos garotos que também trabalhavam no bar pularam o balcão para assumir suas posições. Eles cumprimentaram a mim e Callie com um aceno de cabeça. Só reconheci um deles, Henry, um garoto de cabelos extremamente curtos e com piercings espalhados pelo corpo. Ele chamava a atenção de muitas mulheres, mas não provocava nada em mim. O outro cara tinha cabelos escuros e corpo musculoso, e pelo visto, a educação estava em falta. Ele não quis se apresentar, e, sabendo que estávamos em cima da hora, eu preferi não começar nenhum tipo de interação. Thomas apareceu gritando ordens acima da música, e os seguranças se posicionaram abaixo das duas escadas que seguiam direções opostas e à frente da porta dupla de entrada. Ele acenou em nossa direção, esperando um aceno como resposta para saber que tudo estava bem. Peguei uma das garrafas de vodca sobre os armários sem portas atrás de mim e parei no meio dos dois garotos. Callie se aproximou do balcão e pulou em sua superfície, parando ao lado da torneira de Chopp. As luzes de leds azuis piscaram em sintonia com a música que elevava um tom a cada segundo. Callie levantou cinco dedos para mim. — Quinhentos pelo mais bonito da noite! — sugeriu, movendo os lábios lentamente. Sorrindo e rebolando no ritmo da música, dobrei uma das mãos ao redor da minha boca em formato de concha antes de gritar: — Hora do show, amiga!
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