NENÊ NARRANDO
Era mais uma madruga tranquila no morro, eu tava deitado no meu quarto, Fumando um baseado, enquanto a comunidade está dormindo em paz. Sempre fico de olho, porque nunca se sabe quando a casa cai, né? Eu não durmo direito a anos, desde que matei os dois traíras, o pesadelo assombra minhas noites e não me deixa em paz, Mas naquela noite, o silêncio tava pesado, Eu só conseguia ouvir o som da minha própria respiração e, de vez em quando, uns latidos de cachorro.
Aí, do nada, meu rádio chia.
“Monstro, tá na escuta?” Era o Alemão. A voz dele tava tensa, diferente.
“Tô, manda aí, Alemão,” respondi, já sentindo que vinha bomba.
“Chefe, os cü azul tão vindo. Vai rolar invasão agora na madruga. Recebi a informação quente.”
Naquela hora, senti meu sangue gelar e depois ferver num segundo.
“Repete isso, Alemão. Tu tem certeza?” Ele confirmou, a voz mais nervosa ainda.
“Certeza, chefe. Vão subir pelo beco do Zé Pequeno. Vai ser pesado.”
Mas que mërda, esses vermes, me levantei num pulo. Olhei pela janela, a lua alta iluminando o morro, e só pensava na minha gente. Crianças dormindo, mães cansadas depois de um dia de trampo. Não posso deixar essa mërda acontecer. No meu território vagabündo não se cria. Peguei meu rádio e chamei geral.
“Atenção, tropa! Situação crítica, os verme tão subindo. Todo mundo nos seus postos, agora!”
Saí da minha Goma, já armado, com o coração a mil. A galera foi chegando rápido, cada um pegando sua peça, as caras sérias. Ninguém aqui tá disposto a deixar os verme dominarem nosso território. O morro é nossa casa, e a gente defende com a vida.
Dividi os caras em grupos, espalhando pelo morro.
— Alemão, tu fica com a galera lá em cima, no ponto mais alto. Cabeça, pega a galera e cobre a entrada principal. O resto, vem comigo. Vamos segurar esses filhos da püta aqui embaixo — Rosnei, por dentro dos dentes.
A adrenalina corria no meu sangue. Passei pelos becos escuros, sentindo o cheiro da madrugada misturado com a tensão. Cada passo ecoava na minha mente, cada sombra parecia um inimigo. Mas eu tava focado, com a fera dentro de mim pronta pra estraçalhar quem viesse.
A gente chegou no beco do Zé Pequeno e já dava pra ouvir os passos dos cü azul subindo. Sinalizei pro grupo se preparar.
— Ninguém atira até eu dar o sinal — Dei o papo, a voz baixa mas firme. Como sempre, Tava todo mundo no esquema, armas apontadas, olhos atentos.
Então, os primeiros flashes das lanternas apareceram. O coração acelerou ainda mais. Os caras vieram com tudo, sem aviso, achando que iam pegar a gente de surpresa. Mas a surpresa foi deles.
— Agora! — Berrei e o tiroteio começou.
O som dos tiros ecoava pelo morro, a adrenalina misturada com o medo e a raiva. Era como uma dança mortal, que alimenta o meu ser, cada um de nós lutando com tudo que tinha. Eu tava no meio da confusão, disparando, gritando ordens, tentando manter a linha de defesa.
Os verme avançavam, mas a gente não recuava. A cada avanço deles, a gente respondia com mais força. O cheiro de pólvora enchia o ar, e os gritos de ordem e de dor se misturavam. Mas a minha mente tava focada: proteger o meu pedaço, custe o que custar.
Depois de um tempo que pareceu uma eternidade, o tiroteio começou a diminuir. Os verme tavam recuando. A gente tinha segurado a bronca.
“Vamo, vamo, recua!” ouvi um dos comandantes deles gritar. A gente manteve a posição, esperando qualquer truque sujo.
Quando o silêncio voltou a reinar, olhei pros meus homens. Tava todo mundo exausto, suado, mas vivo. Alguns feridos, mas ninguém desistiu.
— A gente venceu essa, mas tem que ficar alerta — falei, a voz rouca. — Essa madrugada mostrou que eles não vão parar. Mas eu também não. Isso aqui é meu, e ninguém vai tomar.
Voltei pro meu barraco com a cabeça a mil, mas com a certeza de que, enquanto eu respirar o meu morro estara protegido. A fera dentro de mim ainda tà viva, pronta pra lutar outra vez, sempre que for preciso.
Assim que cheguei em casa, me joguei no sofá, altas fitas na cabeça, as lembranças e uma lágrima quente. Aqueles desgraçados acabaram com a minha vida, as vezes eu procuro o Leandro dentro de mim, mas não acho. Ele morreu e foi enterrado junto com os traidores.
Minha mente começou se agitar, me sentei no sofá, um rugido saiu da minha garganta, comecei bater na minha cabeça, enquanto os meus olhos viravam.
Na mesma hora, eu peguei um punhal e sai pelos becos, desorientado, a sensação de algo estava dominando o meu corpo. Fui pra boca e me tranquei na minha sala, meu corpo estava trêmulo, enquanto eu sentia gosto de sangue na boca.
A fera dentro de mim rugia, querendo sair. Eu sou um monstro, uma bësta sedenta por sangue, que alimentei com cada guerra que travei, cada decisão crüel que tomei. Essa fera é minha força, meu escudo contra qualquer fraqueza. Mas agora, ela tava tentando me dominar, me fazer esquecer quem eu era antes de me tornar esse bïcho solto.
Minha consciência, por outro lado, sussurrava baixo, quase inaudível no meio da fúria da fera. Ela me lembrava das promessas que fiz, Eu jurei nunca matar um inocente, nem no meu ataque de fúria, inocentes não devem pagar. Eu estava ficando incontrolável, a respiração pesada, enquanto meu corpo tremia e a boca secava.
Cada noite é essa guerra. A fera tentando me arrastar pro abismo e minha consciência me puxando de volta. Não dá pra fugir, não dá pra escapar. Eu sou o dono do morro, mas ao mesmo tempo, prisioneiro dessa batalha interna.
Quando o sol nasceu, eu consegui me controlar, vesti a máscara de que tenho tudo sob controle, sem deixar transparecer a guerra que rolava aqui dentro.