ISABELA NARRANDO
Mais um dia que acordo cedo para ir atrás de serviço. Estou aqui há poucos dias, menos de uma semana. Eu sei que as coisas não são tão fáceis, mesmo sendo uma cidade grande.
Me formei há pouco tempo, não tenho experiência e sei que isso pesa na hora de uma contratação. Ainda bem que eu tenho um dinheiro guardado, vai dar para me virar até conseguir um trabalho e poder ajudar também nas despesas da casa. Assim que conseguir um trabalho, vou me estabilizar e alugar um cantinho para mim, deixar a tia viver em paz com os filhos dela, como sempre foi. Às vezes, eu me sinto uma intrusa.
Fiz minha rotina matinal e tomei um banho rápido; não gosto de ocupar muito tempo no banheiro, os meninos também saem cedo e precisam usar. Hoje amarrei meu cabelo em um r**o de cavalo, passei bastante protetor solar, vesti uma calça jeans, uma blusa de botão e calcei um tênis, que é mais confortável já que vou bater perna. Quem me ensinou os pontos certos, onde tem clínicas e hospitais, e quais ônibus devo pegar para chegar até cada local, foi o Everton. Ele encaminhou tudo por mensagem.
— Bom dia — falei saindo do quarto e vendo os meus primos na cozinha enquanto a tia terminava de passar o café.
— Bom dia, minha filha. Senta aí para tomar um café antes de começar a luta do dia — ela falou e me mostrou um sorriso.
Os meninos responderam. Sandro ficou me encarando, engoli seco e mostrei um sorriso sem graça.
— Já bati para o Monstro que tu tá aqui na quebrada. Eu sei que tu é mina do interior, não gosta de treta. Continua nessa tua vibe porque aqui a parada é outra, o bagulho é louco — ele falou, e eu fiquei apenas olhando para ele sem entender nada.
Foi quando Everton disse que o Monstro é o dono do morro e ele não gosta de confusão. Tem regras e horários para tudo; é só cumprir certinho que não tem problema.
Perguntei quais eram as regras e eles começaram a falar, nada que eu já não fizesse na vida. Então mostrei um sorriso para os dois e falei que estava tranquilo. Quando Sandro levantou da cadeira, ele pegou uma arma quase do meu tamanho. Olhei assustada e ele mostrou um sorriso, dizendo que era sua bebê.
— Você tem uma arma? — perguntei com a boca aberta.
— Tenho muitas. Do jeito que tu usa aí as paradas de enfermeira para trabalhar, eu uso as minhas bebês para trampar também, já é? — ele falou e deu um beijo na minha cabeça enquanto eu fiquei paralisada na mesma posição. Nunca tinha visto ele saindo e nem chegando.
Everton também se levantou, ele sorriu para mim e disse que não tem armas. Ele trabalha em uma gráfica. E o máximo que pode tirar do bolso é um tubete de tinta, comecei a rir.
Tia Erika suspirou profundamente e se sentou à mesa, olhando nos meus olhos.
— Isabela, preciso falar com você sobre uma coisa muito importante. Você viu o Sandro com aquela arma.
Assenti, sentindo um nó no estômago.
— Sim, tia. Fiquei assustada. Mas está tudo bem.
Ela assentiu, com os olhos cheios de tristeza.
— Há verdade. Sandro é traficante. Ele é o braço direito do Monstro. Eu não queria que você soubesse disso, mas era inevitável, já que moramos todos na mesma casa. Agora que sabe, preciso te pedir uma coisa.
Fiquei em silêncio, aguardando suas palavras.
— Não quero que a família saiba sobre isso. Eu não quero ver meu filho ser desprezado. As pessoas veem os traficantes como se fossem bïchos, mas eles são seres humanos. Sandro é meu filho e, apesar dos erros dele, eu o amo muito.
Minha tia fez uma pausa, enxugando uma lágrima que teimava em escapar.
— Graças ao comando, nunca faltou alimento na nossa mesa. O pai dos meus filhos também era traficante, mas ele faleceu. Eu criei meus meninos sozinha, com muito sacrifício, e não quero que ninguém julgue o Sandro ou nossa família. As coisas não são tão simples quanto parecem.
Senti o coração apertar. Compreendia o desespero e a dor da minha tia. Com um olhar firme e cheio de compaixão, respondi:
— Tia, eu prometo que não vou contar para ninguém. Eu entendo o seu lado e vou guardar esse segredo. Estamos juntas nessa.
Minha tia pegou na minha mãe e deu um beijo, dizendo que sou uma princesa. Mostrei um sorriso, e disse que estou mais para gata borralheira.
Ela deu um leve sorriso, aliviada.
— Obrigada, Isabela. Você não sabe o quanto isso significa para mim.
Terminei de tomar meu café, Minha tia fez o sinal da cruz me abençoando. E foi mais um dia de entregar currículos.
A primeira clínica que visitei foi uma pequena clínica de bairro. Entreguei meu currículo na recepção e a atendente, muito simpática, disse que o chefe gostava de fazer entrevistas rápidas quando recebia currículos. Meu coração disparou quando ela pediu que eu esperasse um pouco. Logo, fui chamada para uma sala pequena e organizada, onde um senhor de aparência severa, mas amigável, me aguardava.
— Bom dia, Isabela, certo? — ele começou, sorrindo levemente.
— Sim, senhor, muito prazer — respondi, tentando controlar o nervosismo.
Ele analisou meu currículo por um momento e perguntou sobre minha formação e experiências. Expliquei que tinha me formado recentemente e que ainda não tinha experiência prática, mas que estava muito disposta a aprender e a contribuir da melhor forma possível.
— Vejo que você tem muita vontade, e isso é bom. Temos algumas vagas abertas, e sua atitude positiva é um diferencial. Vamos analisar seu currículo com calma e entraremos em contato — ele disse, encerrando a breve entrevista.
Agradeci pela oportunidade e saí da clínica com uma mistura de alívio e ansiedade. Pelo menos, tive a chance de me apresentar.
Continuei minha jornada, visitando outras clínicas. Em algumas, só consegui entregar o currículo na recepção, com a promessa de que seria encaminhado ao setor responsável. Em uma das clínicas maiores, também consegui uma breve entrevista. A entrevistadora foi direta, perguntando sobre minhas expectativas e disponibilidade. Respondi honestamente, destacando minha vontade de aprender e crescer na área.
Quando o dia finalmente chegou ao fim, eu estava exausta, Quando desci do ônibus, segui andando pela calçada, queria logo chegar em casa e me sentar, quando ouvi o ronco de uma moto bem atrás de mim, meu coração acelerou, quando olhei para trás era um homem fortão, o corpo coberto por tatuagens, ele me olhou de um jeito que fez o meu corpo se arrepiar. E o meu coração bateu acelerado de medo.