Sophie chega em casa atirando os sapatos de salto na porta, está exausta. Novamente a gravidez, de quase três meses, torna todos os seus dias mais cansativos. Gonzalo está no sofá brincando com a pequena Bibiana, que está com dois aninhos, ainda está de calça social e camisa, sinalizando que havia chegado há pouco tempo:
- Oi – ela diz contente: apesar dos pequenos percalços, não tem do que reclamar, tem uma vida boa, ainda mais se comparar com a de todas as mulheres da sua idade com filhos pequenos e um marido. Sim, ela ainda está bem.
- Olá – Gonzalo responde – olha, quem chegou, a mamãe...
-Mã mã – a pequena diz e corre para abraçar a mãe.
- Vou tomar um banho – ele passa por Sophie e a beija – vamos pedir uma pizza hoje? Você parece exausta.
- Ah, e eu estou – ela suspira – do que você quer?
- Pepperoni e Marguerita – ele grita, já do alto da escadaria.
- Certo – ela anota em um papel o pedido e pega o telefone ligando para a pizzaria.
Enquanto aguarda, dá o jantar para Bibiana e prepara uma salada de rúcula, tomates e queijo branco, afinal, ela é uma gestante que precisa comer bem. Gonzalo logo aparece e os dois conversam tranquilos enquanto aguardam a pizza. O telefone fixo toca e Sophie atende animada, mas logo começa a parecer preocupada. Gonzalo parece confuso, a pizza chega, Sophie não parece que vai terminar a ligação... Ela começa a servir o jantar e por fim desliga:
- Papai está no hospital – ela diz sem cerimônia alguma – vou para lá após o jantar.
- Não vai pegar aquela estrada h******l essa hora... - ele começa.
- Não – ela o encarou – eu só vou até a cidade, são só cento e vinte quilômetros, vou encontrar a mamãe e ele no hospital, a Lóren está indo para lá também... – ela respondeu séria.
- Tudo bem – ele suspirou – quer que eu vá com você?
- Não – ela respondeu – você tem sua reunião com o CEO amanhã, esqueceu?
- Verdade – ele concordou – Mas você tem certeza?
- Absoluta – ela riu tentando driblar o nervosismo – papai só quer atenção, logo vai estar em casa...
- Rezo para que seja isso – ele pegou a mão da esposa com carinho – fica calma, vai ficar tudo bem.
Os dois terminam a refeição em silêncio, Sophie tratou de preparar as coisas e saiu, despedindo-se rapidamente do marido. Nem mesmo ligou para o seu chefe, na seguradora, apenas saiu com Bibiana pequena e algumas coisas em uma mochila. Viagem tranquila e duas horas depois Sophie chegava ao hospital e logo era informada por Lorena, filha dos caseiros da Fazenda que estava lá para ficar com Bibiana, que o pai havia infartado algumas horas antes e que estava sendo estabilizado.
Richard Bones era um homem de quase oitenta anos: demorara quase sessenta para se casar. Havia vindo da Irlanda ainda jovem e vivido longos anos trabalhando como Engenheiro, mas logo que casou, resolveu viver mais tranquilamente, e comprou a Fazenda onde Sophie vivera boa parte de sua vida... Encarar o pai daquele jeito, em coma induzido em uma UTI era um golpe e tanto para ela que além de ser muito apegada ao pai, andava convivendo com a culpa de se manter tão afastada dele e de casa.
Os dias seguintes não foram mais fáceis, pelo contrário, foram mais e mais difíceis. Não houve nenhum tipo de melhora no quadro do pai, e no fim do quarto dia de UTI, minutos depois de Gonzalo finalmente ter chegado para prestar seu apoio, Richard Bones veio a óbito, sem conseguir resistir mais.
Sophie ficou destroçada: ela era a garotinha do papai, e agora, uma parte dela havia ido com ele. Era como se, de repente, ela sentisse que nunca mais teria o conforto do abraço de seu pai, nunca mais teria bons conselhos ou longas conversas, absolutamente nada parecia que voltaria a fazer sentido... De repente, era como se nem mesmo ela tivesse aquela certeza de que havia um lugar para onde poder voltar. Sem o pai, era como se a Fazenda deixasse de ser a sua casa. O funeral foi muito, muito restrito. A família se ateve a receber apenas os mais chegados, e Sophie sentiu-se feliz ao receber um abraço afetuoso do seu melhor amigo da juventude, Inácio, e não pode deixar de reparar que ele continuava tão lindo quanto ela conseguia se lembrar.
Passou apenas mais dois dias na Fazenda depois do funeral, afinal, ela precisava voltar para a sua vida normal na cidade, a mãe havia dito que cuidaria de tudo, e que ela poderia ficar tranquila, afinal, tinha mais de três meses de gestação e todo aquele turbilhão de emoções, era até perigoso ficar na Fazenda, sem o apoio de seu marido e, principalmente, sem cobertura de seu plano de saúde.
Não era o que era queria e foi difícil despedir-se da mãe, da irmã e de tudo o que ela mais amava no mundo, mas sim, ela voltou para a cidade. Voltou para o apartamento bem decorado, para aquele espaço que ainda lhe parecia tão vazio e alheio à sua essência que nem mesmo ela conseguia as vezes, acreditar viver ali.
- Eu realmente sinto muito, querida - Gonzalo tentava sim, prestar o seu apoio à esposa.
- Tudo vai ficar bem - ela disse, tentando acreditar, ela mesma, no que acabava de dizer. Embora soubesse que nada ficaria bem sem o pai, que a mãe não ficaria bem sem ele, que a irmã não ficaria bem sem ele, que a Fazenda não ficaria bem sem ele e principalmente, que ela nunca mais ficaria bem sem ele.
Depois de mais duas horas de viagem de volta, Sophie sentiu-se agradecida por esta naquele apartamento, longe de tudo o que poderia lhe causar mais dor, longe de todas as lembranças de uma vida que um dia, tinha sido dela.