Preparativos para o grande dia
Setembro de 2005
Sophie está se preparando para o seu grande dia: seu casamento. Com uma máscara de carvão ativado no rosto, ela caminha lentamente pelo quarto enquanto observa Lóren, que está ajudando em tudo o que pode: agora ela é uma mulher de vinte e quatro anos, correndo de um lado para o outro. Os cabelos ruivos da irmã são cortados de um jeito repicado, deixados em desalinho. Tem muitas tatuagens e namora um rapaz que parece fazer parte de uma banda de rock.
- Eu conheço essa carinha... – Lóren senta ao lado da irmã que por fim acomodou-se – tá pensando no que?
- Não sei – ela suspirou, mas sabia sim: fim da linha, ela estaria casada no outro dia e sentia que ainda tinha assuntos pendentes.
- O Gonzalo é ótimo, se quer minha opinião – a irmã começava o discurso – bonitão, inteligente, bom emprego – ela aperta o braço da irmã – têm tudo pra ter uma vida incrível, Sophie...
- Não sei se é isso o que eu quero – Sophie encara a janela, no fundo ela sabe o que quer, mas encarar o vazio machuca.
- Nós duas já tivemos essa conversa – Lóren diz um pouco impaciente – você mesma quem falou que estava certa disso tudo.
- Sim – Sophie suspira e logo levanta-se para retirar a máscara do rosto em frente ao espelho – eu estava certa, mas esses dias que eu passei por aqui, sabe?
- Sim – a outra segue checando itens de uma lista que parecia interminável – eu sei, e era exatamente o que eu tinha medo que pudesse acontecer.
- Eu não vou desistir de tudo – ela suspira e volta a encarar a paisagem pela janela – sabe que eu não vou conseguir ficar pelo tempo que eu quero, né? Que esse lugar, não é o que o Gonzalo sonhou para a vida dele.
- Eu sempre soube disso – diz a mais nova que agora se aproxima da janela fazendo Sophie se afastar em seguida.
- Uhm – Lóren aperta os olhos para ver mais longe na estrada – quem sabe o que você sempre quis acaba de chegar...
Sophie corre para a janela quando ouve o ronco de uma motocicleta, o coração disparando: era Vicente!
- Você tem alguma a coisa a ver com isso? – ela pergunta para a irmã enquanto corre para vestir-se adequadamente.
- Não – ela suspira – eu não tenho, nem teria como ter... Esse homem sumiu no mundo, So.
- E porque diabos ele está aqui agora? – Sophie grita em desespero – Hoje?
- Papai sempre disse, que as coisas acontecem quando são para acontecer...
Mais cedo, há pouco mais que vinte e cinco quilômetros da fazenda, aquela mesma motocicleta parou em frente ao estabelecimento que agora era conhecido como “Barreto”, Vicente desce da moto e encara a fachada: pintura, plantas, parecia que a velha Rosane tinha ficado menos relaxada e ranzinza. O homem suspira e entra: por dentro parecia mais claro, haviam mais opções também, e pessoas de vários tipos. Reconheceu um homem ruivo, alto e forte atrás do balcão: aquele só podia ser o Jeremias.
- Esse lugar mudou um pouco – Vicente disse ao sentar-se em um banco em frente ao atendente – mas ainda quero uma cerveja gelada.
- Ah, Vicente – o homem sorriu e entendeu a mão contente – quanto tempo, meu amigo.
- Uns cinco anos ou mais – ele sorriu pensando que eram sete – como andam as coisas? E a sua mãe?
- Tudo tranquilo – o homem suspirou – mamãe está viajando, mas agora quem cuida disso aqui sou eu, ela está velha demais pra isso e esse lugar precisava de umas mudanças.
- Nisso concordamos, está muito melhor agora – Vicente sorriu agradecendo a cerveja que Jimmy trazia.
- Obrigado, mas me conta, veio para o casamento?
- Quem vai casar? – Vicente da um gole na sua cerveja.
- Sophie Bones – Jimmy disse despreocupado – voltou tem um mês, vai ser uma festa grande...
- Não sabia – o peito apertou, como assim Sophie iria casar?
- As fofoqueiras andam dizendo que ela está grávida, e por isso está casando – Jimmy deu de ombros – os pais são tão progressistas, acho estranho que seja por isso.
- Pode ser que tenha apenas escolhido – fazia mais sentido.
De repente o silêncio tomou conta do ambiente: alguém importante devia ter chegado. Jimmy rapidamente saiu por uma porta atrás do balcão, sumindo dentro da cozinha.
- Boa tarde – um homem disse e logo sentou-se ao lado de Vicente.
- Boa tarde – Vicente respondeu reconhecendo aquele homem que agora vestia uniforme da polícia – Inácio Ottero.
- Vicente? – o homem parecia um tanto desconcertado ao vê-lo ali – O que faz por essas bandas?
- Estava perto, resolvi passar para ver como as coisas estão.
- Acho que é melhor você dar volta então – o homem riu – estão bem sem você.
- Você nunca vai deixar de ser um b****a, não é? – Vicente sorria debochado.
- E você nunca vai aceitar que perdeu...
- Que se f**a – Vicente esvazia o copo e o larga sobre o balcão e logo enfia a mão o bolso e tira o dinheiro para o p*******o, deixando ao lado do copo – até mais Jimmy.
Vicente ignora o policial e vai para a Fazenda: o clima é de festa e ele é recebido com alegria por todos. O velho Bones parece realmente contente em vê-lo, e os dois conversam por longas minutos embaixo da nogueira até Sophie aparecer.
- Vicente? – ela pergunta assim que se aproxima.
- Sophie – ele responde – tá ficando bonita a festa!
- Por onde andou? – ela se aproxima e o abraça.
- Por muitos lugares – ele responde.
- Vou deixá-los conversar – Bones sorri para a filha e sai em direção ao galpão.
Um silêncio constrangedor toma conta da atmosfera. Sophie suspira: o mês de setembro era sempre o preferido dela... As cores estavam lindas naquela iluminação de fim de tarde:
- E então... Vai casar? – Vicente começa
- Vou sim – ela suspira – e você? Casou?
- Não – ele ri – terminei os estudos, andei por aí, voltei para casa e agora, cai no mundo de novo – ele a encara – porque diabos está fazendo isso?
- Decisão própria – ela responde séria – tem alguma proposta melhor do que o meu casamento? – ela ri em tom de deboche.
- Achei que você esperaria por mais tempo pra se amarrar – ele dá de ombros – nunca pensei que fosse se casar cedo.
- E é cedo? – ela ri – Estou com vinte e cinco, formada, com um bom emprego, casa própria, carro... Super estável.
- Viveu por muito tempo aqui – ele a encara falando baixo – e aí, poderia aproveitar mais, viajar, sei lá... Lembro de um espírito mais livre.
- Está me julgando? – ela debocha.
- Você sabe que não – ele suspira – você está linda.
- Obrigada.
- Tenho certeza de que vai ser uma excelente esposa, rapaz de sorte esse ai que você arrumou...
- Conheceu ele? – ela questionou
- Não, cheguei agora, mas já vou conhecer, ele vem vindo aí, eu imagino.
Sophie sorriu quando percebeu o noivo caminhando na direção dos dois.
- E ai – Gonzalo sorri: o homem moreno claro tem um sorriso contagiante – muito prazer, sou o Gonzalo, noivo da Sophie – ele abraça a noiva, Vicente não pode deixar de reparar que apesar de parecerem um bonito casal, não parecem feitos um para o outro.
- Muito prazer – sorri Vicente – é o cara mais sortudo que eu conheço – Vicente dá uma piscadinha para Sophie – tenho certeza de que vão ser muito felizes.
- Obrigada – Gonzalo parecia satisfeito.
Vicente conversa com Sophie e Gonzalo por mais um tempo, até Lóren aparecer enlouquecida atrás da irmã para resolver alguma coisa sobre uma fita que veio no tom errado.
Vicente e Gonzalo estão sozinhos no banco embaixo da nogueira até que Vicente quebra o silêncio de uma maneira agressiva:
- A Sophie é muito especial – ele diz – acho bom você cuidar dela.
- Vou cuidar sim – Gonzalo responde inquieto.
- E eu acho bom... – Vicente levanta e sai em direção à casa dos peões, queria aproveitar para conversar com o pessoal.
Sophie suspira quando finalmente senta na cadeira de balanço da varanda depois de gerenciar umas três crises. A gravidez a deixava um pouco mais cansada e irritada do que o habitual, fechou os olhos e sorriu quando ouviu ao longe a melodia vinda do que ela tinha certeza ser a gaita de boca de Vicente.
- Fiquei preocupado – Richard sentou-se ao lado da filha – por uma fração de segundos, quando vi o Vicente chegando, imaginei você fugindo com ele naquela moto – o velho ria.
- E eu lá pareço louca? – Sophie achou divertido.
- Não, mas conheço o jeito que você olha para ele – o velho a encara – tem certeza do que está fazendo Sophie?
- Tenho – ela disse decidida, e quase tinha, mas a volta de Vicente a havia balançado, com toda a certeza – você sabe que estamos bem.
- Sei sim – o pai suspirou – se você tem certeza, quem sou eu para questionar.
O silêncio novamente tomou contar, até Gonzalo aparecer questionando alegre o que Sophie e o pai conversavam, os dois disseram “nada de mais” praticamente juntos, e logo Sophie e Gonzalo foram para o quarto, ela sentia-se cansada.
- E então – o homem encara a noiva – qual é a do grandalhão que apareceu hoje?
- Trabalhou conosco – ela responde distraída enquanto escova os cabelos.
- Não gostei dele – o homem continua.
- E porquê? – ela o encara.
- Acho que é pelo jeito como você olha para ele – Gonzalo a encara – tem certeza de que não tem nada para me contar? Vocês provavelmente tiveram alguma coisa.
- Não tivemos nada – ela respondeu séria – Não acredito que vamos discutir na véspera do casamento.
- Você mente para mim – ele a encarou.
- Não minto, nunca tive nada com Vicente.
- Mas está escrito na sua cara que gostaria de ter – Gonzalo deita-se e vai dormir.
Sophie encara as paredes por um tempo, está tentando não beber durante a gestação, mas não conseguiria dormir se não tomasse ao menos uma cerveja. Desceu sorrateira e foi até a cozinha onde pegou uma garrafa e logo sentou-se na varanda dos fundos onde permaneceu sozinha por um tempo, até Vicente aparecer.
- Insônia de novo? – ele a encara – Ainda não se tratou?
- Não é tão simples – ela suspirou.
- Uhm, certo – ele riu – pode ficar bêbada então e desistir de casar...
- Não – ela o encarou séria – já me dei ao luxo de beber essa – ela ergueu a garrafa – não posso exagerar.
- E porquê? – ele a encara sério.
- Porque estou grávida – ela responde com os olhos marejados – e sim, é por isso que eu estou casando.
- Mas não precisava – ele se sentou ao lado dela afastando as mãos dela que escondiam o rosto.
- Precisava sim – ele suspirou – como ia fazer diferente?
Vicente apenas a abraçou e não disse nada. Sophie voltou para o quarto alguns minutos depois, e Gonzalo estava acordando esperando.
- Sinto muito – foi tudo o que ele disse quando ela entrou no quarto.
- Tudo bem – ela suspirou conformada.
- Não deveria ter dito aquilo – ele insistiu – vai ficar tudo bem – ele a abraçou.
- Vai sim – ela concordou, mas por dentro, o coração apertava questionando se realmente um dia, ficaria bem.