Sophie, ainda vestindo o luto, vai até o escritório da companhia de seguros, mas sabendo que estava literalmente a um passo de sua demissão, o que por sorte, aconteceu de uma forma bem amigável e sem configuração de justa causa, devido à doença e falecimento de seu pai e também à sua gestação. Bem, o certo era que ela não podia ser demitida, ainda assim, aceitou... Talvez o fato de que ela precisasse mesmo de um tempo para absorver tudo o que estava acontecendo a deixou um pouco mais tranquila. Sophie ainda trabalhou até o fim do expediente, para deixar as colegas a par de seus projetos em andamento e quando por fim consegue encerrar o dia, agradece mentalmente por estar chegando em casa. Tudo o que quer é tomar um banho, daqueles bem demorados, e vestir algo confortável, mas principalmente, não quer responder perguntas ou pensar sobre o que fazer.
- Precisamos conversar – Gonzalo diz assim que passam pelo vão da porta.
- Eu preciso descansar – ela responde e sorri ao ver a filha brincando com a babá.
- Eu sei – ele aperta gentilmente os ombros dela – mas infelizmente, não vamos poder esperar.
- Tudo bem – ela suspirou – vou conversar com a Alice e logo estarei no quarto, pode ser?
- É claro – o homem sorriu gentilmente para ela antes de pegar a filha no tapete e sair com ela no colo, cantarolando e dizendo que estava na hora de dormir.
Gonzalo tinha muitas qualidades e muitos defeitos, mas Sophie sempre gostava de destacar o quanto ele era um bom pai, um excelente pai, e isso a deixava muito tranquila em relação à sua família.
- E então – Sophie suspirou e largou-se na poltrona no canto do quarto enquanto descalçava suas meias distraída – o que não pode esperar pelo meu banho?
- Estive pensando – ele suspirou, ainda estava parado em pé, à porta do quarto – sabe, desde que você foi, e o seu pai... – ele suspirou novamente – isso não vai dar certo.
- O que não vai dar certo? – ela atirou as meias no chão e o encarou – Não estou te entendendo, Gonzalo.
- Sophie – ele caminha em direção à ela – as coisas não estão bem...
- As coisas estão bem – ela responde com a testa franzida – passei um tempo fora, eu perdi o meu Pai – ela suspirou – e agora fui demitida, mas isso eu já sabia que aconteceria... - ela começava a perder o controle – Gonzalo, eu não estou entendendo.
- Quero o divórcio – ele disse-lhe sem rodeios.
- Como assim? – ela o encarou – Eu estou grávida, Gonzalo, nós dois temos uma filha pequena, nós dois planejamos isso tudo – ela suspirou tentando conter as lágrimas – não acredito que esteja fazendo isso comigo.
- Sophie – ele disse muito sério – é exatamente isso – ele a encarou, não poderia mentir para ela – eu tenho outra pessoa, Sophie, e ela está esperando um filho meu...
- Gonzalo, você só pode estar brincando – ela o encarava.
- Não – ele aproximou-se mais um pouco, ajoelhando-se em frente à ela – eu não estou brincando – ele suspirou – eu cometi um erro, eu sinto muito – ele tentou tocar-lhe as mãos mas ela já se esquivara dele – eu só descobri que meu casamento era um engano, nós dois – ele a olhava nos olhos – nós não fomos feitos um para o outro, você sabe...
- Como que você pode fazer isso comigo, Gonzalo? – as lágrimas eram inevitáveis – Mentiu para mim, me enganou, me traiu – ela escondia o rosto atrás das mãos – não consigo acreditar.
- Sophie – ele seguia calmo, e até mesmo a calma dele era irritante – infelizmente, essa é minha palavra final – ele levantou-se – o meu advogado vai entrar em contato com você, e proceder para a separação – ele a fitou novamente – vou deixar tudo, exceto meu carro...
- Enfia tudo no meio do seu r**o, seu maldito i****a – ela gritou de repente e levantou-se da poltrona – a casa, a casa da praia, tudo enfiado no meio do seu r**o – ela continuou gritando – seu filho da p**a, canalha – ela lembrou-se da filha dormindo no quarto ao lado – você nunca, nunca mereceu a família que eu te dei – e apenas deu as costas à ele, recolhendo algumas peças de roupa, pegou a filha dormindo nos braços, e saiu do apartamento sem nem mesmo olhar para trás.
Ela sabia muito bem para onde é que ela queria ir. Ela sabia o que tinha que fazer, o que era certo e o que o seu coração mandava. E então, mesmo à noite, ela dirigiu até a Fazenda, sem nem mesmo pensar, e antes de todos dormirem, ela estava lá. A mãe apareceu incrédula à porta assim que ouviu a caminhonete de Sophie chegando. Ela desceu e correu para pegar Bibiana no carro, levando-a para dentro e a acomodando em seu antigo quarto.
- Pode me explicar o que está acontecendo? – Martha a encarava perplexa.
- Ai mãe – ela chorava copiosamente – o Gonzalo – ela soluçou – pediu divórcio.
Não trocaram mais nenhuma palavra, a mãe simplesmente a abraçou e consolou seu choro por longos minutos até que Sophie pode se sentir melhor. Logo a irmã apareceu, confusa, pois havia chegado da cidade e visto a caminhonete de Sophie. Logo as três dividiam vinhos sentadas na sala de estar enquanto Sophie contava a história toda, por vezes chorando, por vezes possessa de raiva e por outras vezes rindo...
O divórcio parecia algo distante assim que o dia amanheceu. Richard Bones havia falecido há quinze dias, o advogado havia lido o testamento e nele, estava muito claro que tudo deveria ser dividido igualmente em três partes. Haviam propriedades além da Fazenda, e até aquele momento, todos pensavam em vender a Fazenda e dividir, porém, quando amanheceu, Sophie tinha plena certeza de que o certo, era reivindicar a sua parte da herança na posse da Fazenda.
- Bom dia – ela anunciou solene ao chegar na cozinha – dormiram bem?
- Sim – Lóren sorriu – como uma pedra de rio.
- Eu apaguei – Martha respondeu – não sei se foi o vinho, os remédios ou a combinação...
- E você? – Lóren perguntou distraída enfiando um morango na boca – Conseguiu descansar?
- Mais do que eu imaginei – ela respondeu – precisamos conversar.
- Certo – Martha a encarou.
- Vocês já têm uma proposta para a compra da Fazenda? – Sophie questionou.
- Temos uma – Martha respondeu revirando os olhos – não é das melhores, mas se você estiver precisando da sua parte, aceitaremos...
- Quem fez a proposta? – Sophie questionou.
- Adivinha? – Lóren debochou – Antônio Ottero.
- E se eu quiser ficar com a Fazenda? – ela disse sem nem pensar duas vezes.
- Seria justo – Lóren respondeu – a Fazenda, hoje, povoada, com porteira fechada, corresponde à vinte e cinco por centro do patrimônio do papai. O advogado tem direito à quatro por cento, e nós, à trinta e dois cada uma... Você ainda teria sete por cento para receber...
- Certo – ela respondeu e encarou a mãe – o que você acha, mamãe?
- O que você faria enfiada aqui, com todo o seu dinheiro enterrado nesse fim de mundo, grávida e com a Bibi ainda pequena?
- Acho que sempre me senti melhor aqui do que em qualquer outro lugar – ela respondeu com sinceridade – acho que é exatamente isso o que eu preciso no momento, e na pior das hipóteses, ainda poderei vender para o Ottero, porque nós sabemos que ele sempre vai querer comprar...
- Se você tem certeza... – Martha ia dizendo, mas Sophie a interrompeu.
- Não diz isso, da última vez que eu tive certeza, fiz uma das maiores merdas da minha vida – ela suspirou desolada – casei com aquele idiota...
O dia foi longo: Bibiana acostumava-se a rotina da Fazenda enquanto Sophie, Lóren e Martha discutiam como proceder com a partilha dos bens. O advogado da família concordou com os termos e simplesmente anunciou que faria resgate das aplicações financeiras até o fim daquela quinzena, para que pudessem sacramentar todas as coisas. O imóvel da cidade ficou com Lóren e a casa de praia com Martha, ela decidiu que passaria uma temporada por lá até decidir o que fazer de sua vida. Todas as avaliações necessárias foram feitas e logo cada uma soube quanto ainda teria de dinheiro para receber referente à herança. Aquele era um caminho, um bom caminho para começar a trilhar depois daquela intensa sequência de golpes.