Retornar

Agora tudo está muito diferente

Quando Sophie acordou na manhã seguinte, Gonzalo não estava na cama. Ela levantou-se e instintivamente foi até a janela: uma parte dela parecia ainda ter uma esperança de que Vicente havia desistido de ir, de que ele estaria no galpão ou no costado das casas.

- Bom dia - ela vira para a porta reconhecendo a voz de Lóren.

- Oi - Sophie responde - que horas são?

- Não adivinha? - a mais nova indica a janela - Sabia fazer isso pela posição do sol...

- Agora tudo está muito diferente - suspira Sophie - saiba você que nunca foi o sol...

- O que era então? - a mais nova questiona parecendo estar realmente confusa

- Era a posição de Vicente... - a recém casada responde rindo alto - ele era bem previsível com horário, eu sempre sabia que horas eram, baseado no que ele estava fazendo.

- ... e ele sempre estava perto - ri Lóren.

- Sim - a outra concorda.

Café da manhã - Gonzalo diz entrando dentro do quarto com uma bandeja nas mãos - cunhada - ele sorri para Lóren - eu trouxe o seu também, Martha disse que estaria aqui...

- Ah, obrigada - sorri a garota - acho que a minha irmã se deu muito bem, você mima ela demais.

- É o mínimo que eu posso fazer - ri Gonzalo - ela carrega meu filho no ventre, é a mulher da minha vida, o mínimo que eu posso fazer é mimar ela até ela dizer chega!

- E ai ela vai ficar ainda mais m*l acostumada do que já é - protestou Lóren - imagine, cunhado, quando começar a ter desejos bizarros de grávida, quando a barriga começar de pesar e ela se aproveitar disso para nos tornar ainda mais escravos do que já somos.

- Deixe de ser exagerada - protesta Sophie - ainda vai chegar a sua vez...

- De que? - Lóren a encara confusa.

- De encontrar algupem te ame e vá te mimar... - a outra responde enfiando um morango na boca - sabe que no fundo, é isso o que quer.

- E aquele seu namorado? - pergunta Gonzalo - Ele não mima você?

- E eu lá vou deixar? - Lóren ri alto - Vocês homens - ela suspira - um dia estão aqui nos mimando, nos cuidando e nos tratando como as princesas que somos e no outro... Decidem ir embora, decidem ser livres, decidem que não podem mais esperar e vão embora... - a pausa silenciosa fez com que os olhares de Lóren e Sophie se encontrassem, elas sabiam exatamente de quem Lóren estava falando - e ai ficamos nós, nossas dores, nosso abandono... Prefiro lidar com o desapego, acho que sou capaz de preparar o meu café da manhã - ela diz sorrindo por fim.

A conversa se estende por um longo tempo, até Gonzalo decidir que precisa sair e deixar as suas mais um tempo sozinhas, como se soubesse que tinham algum assunto inacabado:

- Acha que eu fiz uma m***a, né? - questiona Sophie.

- Não - Lóren responde - eu só tenho medo de que com o tempo, descubra que não é o que quer, ou pior - ela revira os olhos - que Gonzalo descubra que não é o que ele quer e que as coisas fiquem difíceis...

- Nem todo mundo é como ele - diz Sophie - e a culpa foi minha, você sabe disso.

- Não - Loren respondeu - ele sempre soube que as coisas iam mudar, e em nenhum momento disse para você que não estava bem com isso ou que precisava de mais, ou que não saberia viver sem você - ela sacode a cabeça em negação - não é porque ele abandonou a possbilidade de um futuro com você, e sim, porque ele deixou tudo para trás e nem mesmo teve coragem de tentar.

- E você virou a versão masculina dele? - diz a mais velha rindo - Desapegada, com medo de dizer o que sente?

- Não - ela suspira - eu só não sei se sinto tantas coisas - ela ri - não por ele...

- Entendi.

O silêncio novamente toma conta do ambiente, como se sentisse necessidade real de preencher cada pedacinho vazio do quarto, até parecer que sufocaria as duas. Gonzalo abre subitamente a porta:

- Querida - ele diz - precisamos terminar de arrumar as nossas coisas...

- Sim - Sophie responde e encara Lóren - sabe que não precisa ser assim.

- Eu sei que estou fazendo o que eu faço de melhor - ela ri.

- Obrigada pela companhia - agradece Sophie.

- Sim - a mais nova revira os olhos - eu agora preciso pedir permissão pra ficar com você...

Lóren sai rindo do quarto, deixando Sophie e Gonzalo rindo também da atitude exagerada e dramática dela:

- Gosto dela - diz Gonzalo - é como uma "mini você" só que mais doidinha da cabeça...

- Doidinha da cabeça? - ri Sophie.

- Não, eu fui bem claro "mais doidinha da cabeça" - ele a beija na testa - se você não fosse doidinha, certamente teria encontrado um noivo - ele ri - marido, desculpe, melhor do que eu.

- Sabe que eu não encontraria nem mesmo que eu estivesse procurando - ela sorri.

Enquanto terminavam de arrumar as coisas para a curta e simplória viagem de lua de mel que haviam escolhido, a única coisa que não parava de martelar em sua cabeça era a conversa com Lóren. Como pudera ser tão egoísta de não pensar em como a ausência súbita de Vicente pudera ter mexido tanto com ela, a fazendo sofrer e mudar tanto? Lóren costumava ser doce e meiga, e depois da partida, passara a se meter em cada vez mais encrencas na escola, namorando caras mais velho e os tratando como se fossem nada.

Talvez Lóren nem mesmo soubesse o quanto aquilo tinha a ver com a sua mudança de personalidade. Será que ela amava Vicente, não como um irmão como Sophie havia pensado? Será que ela havia sido tão negligente assim com os sentimentos de sua irmã mais nova, a ponto de nem mesmo perceber outro tipo de envolvimento que não fosse a relação quase de irmandade que aqueles dois tinham? E se fosse assim... Ela também poderia ter contribuído para as mudanças - para pior - da irmã mais nova, afinal, ela não estava lá, ela havia ido embora e nunca mais tinha voltado, bem como Vicente também havia feito: eles deixaram Lóren sozinha.