Ponto de Vista: Halan
Chegamos na Cidade Forte Vermelha e percebi que meus ferimentos eram mais graves do que eu esperava. O ferimento da panturrilha estava vermelho e quente, infeccionado.
Pedi a Barnepe que fosse buscar Milena na cidade para averiguar meus ferimentos. Já sentia um calafrio febril subindo pelo meu corpo.
Saga não me recebeu na entrada do palácio, mesmo sabendo que eu havia chegado. Fui recebido por um servo comum que informou o local dos meus aposentos, bem longe do dela, apesar de ser no mesmo andar.
Perguntei por ela e informaram que a rainha estava ocupada, resolvendo assuntos do reino e não poderia me atender. Agradeci e segui para o meu quarto.
Em cima da escrivania estava o contrato de casamento, ainda não havia sido assinado, mas suas folhas amassadas mostravam que tinha sido lido diversas vezes.
Medo tomou conta de mim, será que ela não pretendia assinar? Contive minha vontade de folheá-lo em busca de alguma anotação pessoal, pois o contrato era imenso e cansativo.
Esperei até Barnepe chegar esclarecendo tudo, mas até isso ocorrer parecia que tinha passado uma vida. Senti-me como um animal enjaulado, preso dentro das paredes daquele quarto, até finalmente Barnepe chegar.
_ Ela fez algumas alterações, meu senhor. _ explicava Barnepe para mim que não parava de andar de um lado para o outro do cômodo.
_ Quais? _ perguntei.
_ Pequenas alterações, mas o conteúdo principal está intacto. _ continuou Barnepe colocando um cesto de folhas em cima da escrivaninha.
_ Relacionada a que? Não tenho tempo de ler tudo isso novamente. _ retruquei ainda nervoso.
_ Ela quer a liberação para ter amantes depois do primeiro filho, independente de ser mulher ou homem. _ Barnepe respondeu.
_ Ela quer o que? _ perguntei entre dentes.
_ Após o primeiro filho, ficar livre para ter aventuras extraconjugais. _ reformulou Barnepe.
_ Extra o que? _ gritei indignado.
_ É um tempo, meu senhor... _começou a explicar.
_ Eu sei o que significa. _ interrompi o homem.
_ Por favor senhor, não tenho culpa, ela insistiu com a mudança. _ disse Barnepe cautelosamente. _ Foi feita pelo próprio conselho dela.
_ Ela nem se deitou comigo e já quer por outro no meu lugar. _ gritei enfurecido fazendo os servos tremerem.
_ Isso deve passar depois da noite de núpcias. _ disse inseguramente Barnepe.
_ Deve? Não tem certeza sobre isso. _ resmunguei.
_ Eu sou a pessoa menos indicada para tirar suas dúvidas, meu senhor, sobre esse assunto. _ acobardou-se o homem.
_ A quem devo perguntar? _ indaguei raivosamente.
_ Sugiro que pergunte isso a ela. _ sugeriu Barnepe.
_ A ela? _ perguntei fervendo.
_ Creio que sim, meu senhor. _ respondeu o servo cautelosamente.
_ Se ela quer ter amantes, ela terá. Dei-me esse contrato. _ ordenei procurando uma caneta.
_ Sua caneta, senhor. _ disse Barnepe entregando-me a pena já com tinta.
Assinei o contrato em todas as partes solicitadas e ordenei ao servo que levasse para ela assinar.
_ Onde está Milena? _ perguntei aos gritos já com a febre dominando meu corpo.
_ Preparando medicamentos, deite-se senhor, ela já vai chegar. _ pediu Barnepe levando-me para a cama de dossel alto.
_ Amantes? _ perguntei para mim mesmo com fúria.
_ Aguardem na antecâmera e tenham cuidado quando Milena entrar. _ ordenou Barnepe para os servos amedrontados.
Milena chegou um par de horas depois e já me encontrou tremendo de febre. Ela ministrou os remédios e costurou os ferimentos para que a ferida não ficasse exposta. Eu já tinha perdido as contas de quantas vezes ela tinha feito isso, geralmente quando eu me cortava com as minhas próprias garras ou protegendo a passagem leste.
_ Bandidos nas estradas não é incomum, mas bandidos que sabem de sua localização, senhor. _ comentou Milena. _ Alguém o quer bem morto.
_ Eu sei quem me quer morto. _ falei tremendo. _ Conheço bem o nome dele e o tipo de homem que ele é, um covarde.
_ Vai desafiá-lo? _perguntou Milena puxando a agulha.
_ Não tenho provas, matei o homem. _ respondi.
_ Não pensou em levar o homem, meu senhor? _ perguntou Milena enfiando a agulha .
_ Se tivesse pensado ele estaria aqui. _ respondi m*l humorado.
_ Geralmente o senhor não age só com emoção. _ pontuou Milena me fazendo concordar.
_ Tenho perdido a cabeça ultimamente. _ concluí pensativo.
_ Talvez seja porque passou pela transição sem ajuda, não tem que aguentar tudo sozinho, meu lorde. _ disse Milena.
_ Eu prefiro que seja assim, Milena. _ respondi com indiferença.
_ Temo que não resista a próxima vez se fizer novamente isso. _ insistiu ela.
_ Cada coisa no seu tempo. Por enquanto estou agradecido com seus serviços de curandeira. _ completei.
_ Foi um nobre? _ perguntou Milena
_ Sim! Um pretendente da rainha. _ revelei.
_ Vai contar a ela para que tome as devidas providenciar? _perguntou a mulher.
_ Não! Ela não acreditaria em mim. _ expliquei.
_ Mas deveria. _ respondeu ela.
_ Ele irá vacilar novamente e eu arrancarei sua cabeça. _ respondi apertando o punho enquanto Milena passava novamente a agulha na carne.
_ Acredita que ela te fará feliz? _perguntou Milena.
_ Está indo longe demais com suas perguntas. _ repreendi a curandeira. _ Lembre-se do seu lugar.
_ Sim senhor! Deveria ter bebido um pouco de álcool. _ sugeriu ela observando meu punho.
_ Tenho que ficar muito sóbrio esses dias, até que me case com ela, minha cabeça está a prêmio. _ revelei.
_ Ela tem muita sorte! O senhor será um Rei excelente. _ elogiou Milena.
_ Obrigado! _ agradeci com sinceridade.
_ Tem que ser bastante cauteloso. Não deve sair desse quarto nos próximos três dias, para dar tempo ao seu corpo de descansar. _ disse a mulher passando mais unguento sobre a ferida.
_ Não tenho nada para fazer fora daqui. _ retruquei irritado lembrando-me de Saga e sua ausência durante a minha chegada
_ Deve se alimentar bem, muito líquido e bastante frutas. _ orientou Milena.
_ Avise a Barnepe para trazer minhas refeições no quarto. _ ordenei a contra gosto.
_ Sua futura esposa já foi avisada de sua emboscada ? _ perguntou Milena sondando-me.
_ Creio que sim. O servo que veio comigo estava contando aos outros como enfrentou ferozmente quinze adversários. _ respondi apoiando-me nas almofadas.
_ Quantos bandidos foram? _ perguntou Milena rindo.
_ Apenas quatro. _ respondi sorrindo de lado.
_ Gosto desse seu sorriso, meu senhor. A febre vai baixar agora. _ disse Milena passando a mão em minha testa.
_ Obrigado, Milena. Tem sido uma serva muito dedicada, jamais esquecerei disso. _ falei fechando os olhos.
_ Bons sonhos, meu senhor. _ desejou Milena beijando minha testa e saíndo do quarto.