O caminho até o palácio demorou uma eternidade. Senti cada pedra da estrada em minha barriga quando a carruagem sacudia. Halan apoiava minhas costas e segurava a minha barriga para estabilizar a lança.
Cheguei no palácio e saí da carruagem com ajuda dos servos e do príncipe. Joguei-me em cima de uma mesa e esperei o curandeiro real.
Os servos começaram a rezar para os deuses e acender velas nos altares do palácio. Eu conseguia sentir o cheiro dos pavios queimando.
Senti sede e um pouco de frio, provavelmente estava com hemorragia interna, já havia passado por isso antes.
O curandeiro chegou e cuidadosamente rasgou a parte de cima do vestido. Ele apalpou o ferimento para identificar o próximo passo. Pediu uísque para um servo e ofereceu um copo para mim.
_ Vou tirar! Preciso que beba para acalmar um pouco, pois a dor já sabe como é. _ explicou ele e desci o líquido queimando pela garganta.
_ Já foi ferida dessa forma antes? _ perguntou Halan praticamente gritando, passando a mão pelos cabelos.
_ Tome um pouco de uísque. _ sugeri a ele.
_ Eu não consigo imaginar você novamente em tal situação. _ declarou ele aborrecido andando de um lado para o outro.
_ É melhor que beba, príncipe. Preciso fazer meu trabalho. _ pediu o médico e vi quando Halan tomou a garrafa do servo.
O curandeiro puxou a lança de dentro de mim, mas eu ainda estava olhando para Halan. Travei os dentes e vi o príncipe sentar na poltrona em desespero.
_ É grande? _ perguntei já sabendo a resposta pela reação de Halan.
_ Profundo, muito profundo. Vou começar a costurar de dentro para fora. _ explicou o médico.
Continuei olhando para Halan enquanto o médico fazia seu serviço. Senti o cheiro de carne queimando quando ele cauterizou alguns pontos de sangramento.
_ Tragam os remédios que tiverem na residência, preciso ministrar alguns antes de terminar. _ pediu o curandeiro e vi os servos de mobilizando.
Halan já tinha arrancado sua sobreveste e a camisa estava aberta com o peito suado à mostra. Ele já estava na segunda garrafa de uísque com seus olhos fixos em mim.
Um servo me deu copinhos de uma mistura em uma garrafa para beber, depois mais três copinhos de outras misturas.
_ Esse ela vai tomar a cada três horas, esse a cada seis horas, esse aqui todo dia pela manhã. _ falava o médico para os servos. _ Eu vou estar aqui com ela, mas estou informando, pois se algo acontecer vocês já sabem os horários.
_ O que aconteceu? _ ouvi os gritos de Nicholas entrando pela porta.
_ Uma lança! O homem está morto, o povo tomou ele de nossas mãos e o matou. _ disse outra voz.
_ Não era para isso ter acontecido, não fizeram a barreira? _ gritou Nicholas para alguém, mas meus olhos ainda estavam em Halan.
_ Fizemos como no treinamento, mas eles eram muitos e empurravam demais. _ disse outro homem.
_ Era para eu estar lá! _ exclamou com pesar Nicholas.
_ Você lá ou não, não faria diferença. _ contestei suando fraca pelo ferimento.
_ Isso não teria acontecido! _ gritou Nicholas.
_ Com tantas pessoas e cheiros, eu não percebi o má|dito vindo. _ rosnou Halan com fúria.
_ Quando é para acontecer, acontece. Não foi a primeira e não vai ser a última. _ tentei acalmar Nicholas.
_ Ma|dição! Vai ser a última sim. _ gritou Halan para mim.
_ Eu sou a rainha dragão, meus homens não vão ao campo de batalha sem mim. _ falei entre os dentes colocando Halan no lugar dele.
_ Reis e principalmente rainhas não vão a batalha. _ contrapôs Halan.
_ Na Cidade Forte Vermelha não nos acovardamos atrás de muros. _ debati.
_ Tente ficar calma, minha rainha, poupe sua energia. _ pediu o curandeiro.
_ Beberemos rindo disso depois. _ falei rindo para os soldados, que percebi agora que se aglomeravam pelo salão.
_ Viva a rainha! _ gritou um e todos gritaram juntos.
_ Se você sobreviver. _ contestou com raiva Halan.
_ Eu tenho que sobreviver pra te fazer viúvo um dia. _ brinquei fazendo os soldados rirem. _ Tragam mais uísque, ainda sinto a mão pesada desse ma|dito médico.
Um servo trouxe mais uísque enquanto os soldados riam e o médico também. Halan parecia não perceber a menor graça daquela situação, mas brincar com a morte era uma peculiaridade do meu povo e não do dele.
O médico fechou o ferimento e entregou a lança para um servo jogar fora.
_ Não jogue fora! _ ordenei. _ Emoldure ainda suja, quero pendurá-la para ser lembrada de não ir mais a casamentos.
Os soldados riam e Nicholas jogava o corpo impaciente de um pé para o outro. Ele e Halan pareciam não estar se divertindo com a situação.
_ Nicholas, vá para casa e leve sua esposa, você tem uma obrigação para esta noite. _ ordenei tentando me levantar, mas o médico me impediu.
_ Ficarei aqui, o pior ainda não passou. _ declarou Nico.
_ Isso é uma ordem! _ gritei para ele. _ Eu quero sobrinhos.
Todos riram e alguns até se atreveram a bater no ombro de Nicholas o encorajando, mas pararam quando receberam seu olhar de fúria. Ele ainda culpava os soldados pelo ocorrido.
_ Eu te levarei para cima. _ informou Halan me pegando com delicadeza como se eu fosse uma pena.
_ Sirva o almoço para os soldados e depois libere todo mundo, não deixe toda essa comida perder. _ ordenei para os servos.
_ Poupe energias e tente dormir um pouco. _ instruiu o curandeiro. _ A noite vai chegar e a senhora já sabe nossas preocupações.
Halan me levou pela escada sem olhar para mim, mas eu podia analisar sua carranca em desaprovação. Ele estava com raiva do que aconteceu e queria de alguma forma me prender em uma torre.
_ Vai me prender em uma torre? _perguntei sarcasticamente.
_ Você disse que não mando em você. _ respondeu ele.
_ E não manda mesmo! _ concordei.
_ Vocês trans@m antes da batalha? _ perguntou Halan sem olhar para mim.
_ Bem, os soldados sim. _ respondi lembrando-me que eles se despedem de suas companheiras quando elas não vão. _ Lutam melhor.
_ Então, vou te fod£r tanto antes de qualquer batalha que você não vai conseguir sair da cama. _ declarou ele me fazendo corar.
_ Você luta batalhas? _ perguntei desviando o assunto.
_ Sim, eu sou um príncipe e não o rei, e nem o herdeiro principal. _ respondeu ele.
_ Então estará ao meu lado. _ constatei.
_ Sempre! _respondeu ele abrindo a porta do meu quarto.
Ele me colocou delicadamente na cama e eu ainda estava com energia, apesar de fraca e cansada do ferimento.
Barnepe entrou fazendo uma reverência. Ele e Halan conversaram no fundo, não conseguia ouvir a conversa, mas o servo saiu rapidamente depois dela.
Halan tirou os sapatos e a camisa, ficou apenas de calça quando uma serva entrou trazendo roupas novas para ele. As dele estavam ensanguentadas pelo meu ferimento. Ela não conseguiu disfarçar o olhar que deu medindo seu abdômen e peitoral.
Ele esperou que ela saísse e tirou suas calças de costas para mim, pude ver sua bund@ musculosa e quadril levemente mais estreito. Suas pernas grossas e musculosas, largo e alto. Ele realmente era esculpido, não tinha outro adjetivo para aquela parede de músculos.
Ele se vestiu com naturalidade, e percebi que só estava de costas para mim, porque suas roupas estavam apoiadas na mesinha, pois ele não tinha a menor vergonha de sua nudez.
_ Espero que a próxima vez que estejamos no mesmo quarto, sem roupas, você não esteja nessa situação. _ disse ele terminando de se vestir.
_ Vou me recuperar rápido, falta alguns dias para o nosso casamento. _ respondi calculando os dias.
_ Não se recuperará a tempo do casamento. _ constatou ele.
_ Até lá já estarei andando e vou atravessar aquela igreja enquanto tenho coragem. _ brinquei olhando para ele.
_ Discutiremos quando estiver melhor. _ sugeriu ele.
_ Eu estou bem, Halan. Estou medicada. _ o tranquilizei.
_ Você é forte, mas perdeu muito sangue e ainda temos a noite para enfrentar. _ completou ele falando o que eu já sabia.
Uma serva entrou trazendo panos e outra água quente. Cortaram todo o meu vestido me deixando nua, enquanto Halan me dava privacidade olhando pela janela. Elas não estranharam a situação, pois era uma situação atípica.
Outras servas entraram trazendo mais panos e flores. Fui esfregada da cabeça aos pés, todo o sangue foi lavado, por elas. Meu cabelo foi solto e penteado do jeito que dava devido a minha posição deitada.
Uma camisola longa até os pés foi colocada em mim com dificuldade, pois elas estavam com receio de me machucar ainda mais. Ela não tinha mangas, mas cobria todo meu corpo com botões grandes na parte da frente.
_ Majestade, o curandeiro pediu que fosse vestida com algo de botões para facilitar na hora de examinar e limpar seu ferimento. _ explicou uma serva percebendo minha curiosidade quanto ao vestido.
_ Escolhemos um longo, pois é provável que receba muitas visitas de homens enquanto está acamada. _ completou outra.
_ Fizeram bem! Obrigada! _ agradeci fazendo-as brilharem de felicidade pelo elogio.
Halan foi para a mesa de cabeceira examinar os vasos de medicamentos. Ele lia os rótulos, destampava-os e os cheirava como se pudesse identificar as substâncias.
_ Entende de remédios? _ perguntei observando divertida.
_ Entendo de substâncias. _ respondeu ele ainda cheirando.
_ Podemos ajudar com mais alguma coisa? _ perguntou a serva ainda brilhando.
_ Devolva esse frasco para o médico e avisa que ela só vai tomar depois que ele colocar o nome de todas as substâncias. _ ordenou o príncipe entregando o frasco para a serva.
_ As substâncias estão no rótulo, Halan. _ indiquei cansada.
_ Todas não, esse tem duas que não estão. _ disse Halan dispensando a serva.
As mulheres saíram e fiquei sozinha com ele. Ele se sentou ao meu lado na cama enorme, afundando um pouco o colchão. Sua mão foi para seus cabelos e ele passou os fios entre os dedos bagunçando.
_ É por isso que sempre está com o cabelo bagunçado. _ falei apontando para seu gesto automático.
_ Faço sem perceber. _ revelou o príncipe.
_ Quando está preocupado? _ perguntei observando.
_ Em diversas situações, essa é uma delas. _ respondeu ele pegando minha mão e beijando meus dedos.
_ Daqui a pouco estou boa. _ declarei sentindo o sono vir.
_ Sim! _ afirmou Halan puxando as cobertas sobre mim. _ Descanse, estarei aqui.
_ Vai vigiar meu sono? _ perguntei sendo puxada pela inconsciência.
_ Guardar e te proteger, coisa que não fiz na igreja. _ disse ele com pesar.