Ponto de Vista: Saga
Ele estava com uma amante aquecendo a cama dele. Ferido e mesmo assim se deitava com aquela serva. Ela era tão carinhosa com ele, chegava a me enjoar. Já havia passado alguns dias, mas eu continuava a pensar naquela cena.
As palavras da amante sobrevoavam a minha mente, "necessidades sórdid@s", senti novamente o aperto no estômago. Lembrei-me do que ele fez comigo, será que ele fazia o mesmo com ela?
Joguei o travesseiro de lado, eu me recusava a pensar nisso. Lara já havia se mudado para o palácio, mas deveria estar dormindo a essa hora da noite. Eu não tinha com quem conversar e descer as escadas era um risco que não iria correr, eu não queria encontrá-lo.
Vesti minhas capa e abri a porta do quarto, três homens armados estavam do lado de fora praticamente cochilando em pé.
_ Vou dar uma volta nos jardins, não consigo dormir. _ falei já caminhando.
Os soldados pareciam agradecidos de uma caminhada para despertar e se manterem mais alertas. Seguiram-me sempre tomando o cuidado para ficar um pouco atrás, dando-me privacidade.
A noite me abraçava como uma companhia misteriosa e de alguma forma eu me sentia acolhida pelo luar. Em alguns dias seria lua cheia , meu aniversário e meu casamento.
Meus pensamentos conflituosos e inquietos levaram-me ao jardim do palácio, um dos jardins mais complexos e bonitos do Segundo Mundo.
O jardim continuava bonito, recebendo o brilho da noite. Ele tomava toda a parte do fundo do palácio, em sua largura, era profundo e visitado por apaixonados durante as festividades. Cresci ouvindo histórias de rei e rainhas que se perderam entre suas folhagens.
Existiam flores de todas as cores, plantas medicinais e decorativas. Muitas delas haviam sido plantadas pela minha avó e pelo meu pai.
Minha mãe amava passear pelo jardim de manhã, foi em uma festa no palácio que ela conheceu meu pai. Ela estava perdida, sem conseguir achar a saída quando o encontrou fugindo de uma nobre que tentava ter um encontro romântico com ele.
Ele me contou, que ela falava, que o jardim revelava caminhos e saídas quando se perdia nele. Ela dizia que era um bom lugar para silenciar os pensamentos, enquanto buscava soluções e sempre acreditei nisso. Nos momentos mais difíceis de minha vida, visitei esse jardim para pensar de forma organizada.
Dentro do jardim, na parte central, havia uma estátua de uma mulher segurando um filhote de lobo. Meu pai me levava para ver a estátua e por isso decorei o caminho.
Frequentei tanto esse jardim que para mim era muito difícil me perder, pois eu havia me perdido tanto que o conhecia muito bem.
Havia anos que não vinha aqui, mas ela continuava do mesmo jeito. Seu olhar doce para o animal em seu colo, um pequeno sorriso nos lábios. Era quase como se estivesse segurando um filho.
Sentei-me na armação de pedra que ficava ao seu redor e observei as carpas dentro da água da fonte. Lindas com escamas avermelhadas, não fugiam de seres humanos.
_ Não consegue dormir? _ perguntou uma voz atrás de mim.
Olhei para o lado e vi Halan, com sua capa para protegê-lo da noite, mas estava sem camisa e com calças esverdeadas. Sua espada estava em suas costas, o que me lembrou que não peguei a minha novamente. Um soldado de seu reino o acompanhava.
_ Já estava de saída. _ falei levantando-me.
_ Fique, por favor. _ pediu ele fazendo um gesto para que eu voltasse a me sentar.
Continuei de pé observando a estátua da mulher e ignorando sua presença dominante. Seu cheiro era inebriante e limpo de álcool, não havia bebido esta noite.
_ Você fica mais linda com a luz do luar. _ disse ele me observando.
Não respondi seu elogio, continuei em silêncio observando. Os soldados se moviam ao nosso redor, vasculhando os arbustos.
Nicholas chegou e trouxe com ele um pequeno saco com migalhas de pão torrado. Não disse nada, apenas fez uma reverência e entregou-me o saco indo contemplar comigo a estátua da mulher.
Cheguei mais perto da estátua, abri o saquinho e joguei as migalhas para os peixes. Vieram todos para perto, catando as migalhas na superfície da água.
_ Faz isso com frequência? _perguntou Halan me observando.
_ Desde a infância. _ respondeu Nicholas fazendo uma pequena reverência para Halan.
Os homens se aproximaram e ficaram um de cada lado, olhando para a mulher e o lobo. Nicholas o tempo todo segurando o cabo de sua espada.
_ São amigos de infância? _perguntou Halan tentando sondar minha relação com Nico.
_ Não é do seu interesse. _ respondi mantendo a frieza em minha voz.
_ Tudo que diz respeito a você é do meu interesse. _ rebateu ele.
_ Achei que só tivesse interesse em servas. _ comentei fazendo-o franzir o cenho.
Dei a volta na estátua e fui observá-la de outro ângulo, deixando os dois homens sozinhos do outro lado.
Halan deu a volta na estátua e ficou ao meu lado observando as carpas. Seu p£ito musculoso estava visível desse ângulo e tive dificuldade em me manter neutra.
_ Algum boato que não estou sabendo chegou aos seus ouvidos? _perguntou Halan friamente.
_ Não! Eu apenas vi. _ respondi fazendo ele se balançar sobre os pés.
_ Viu o que? _perguntou ele irritado.
_ Sua amante. _ respondi encarando-o, mas seu rosto não mudou de expressão, continuava olhando para a frente.
_ Viu minha curandeira. _ corrigiu ele com frieza.
_ Olhe nos meus olhos e diga que nunca dormiu com ela. _ordenei olhando para ele e sendo encarada pelo mar verde.
Ele olhou dentro dos meus olhos, mas nada disse. No entanto não precisava falar nada, pois seu silêncio já era resposta. Ele dormia com a serva e não podia negar isso.
Ele respirou fundo parecendo vencido e tentando encontrar palavras para se defender de minhas acusações.
_ Sinto muito! _ simplesmente respondeu.
_ Não precisa sentir! _respondj irritada. _ Nosso casamento é um contrato feito pelo meu pai, apenas por isso irá ocorrer.
_ Se não fosse por isso, não se casaria comigo. _ completou ele friamente.
_ Jamais! _ reforcei.
_ Veja pelo lado bom. Assim que tiver o primeiro filho, poderá se deitar com quem quiser. _ disse ele com arrogância.
_ Notícia boa seria se eu pudesse me deitar com quem quisesse, ainda hoje. _ retruquei deixando-o boquiaberto.
Saí do jardim sendo acompanhada por dois soldados e Nicholas que parecia bastante risonho ao meu lado.
_ Pedi ao soldado para verificar se algum servo na cozinha estaria acordado, a senhora precisa de um chá de limão. _ informou Nicholas andando um pouco atrás de mim.
_ Andou conversando com Lara? _perguntei já sabendo da resposta.
_ Eu... eu. _ gaguejou Nico e eu não precisava olhar para seu rosto para saber que estava tão vermelho quanto as carpas.
_ Não vejo m@l nisso! _ completei antes que ele gaguejasse para sempre.
_ Tenho dever a cumprir. _ contestou Nicholas.
_ Ser o chefe da guarda real não o impede de ter interesses amorosos. _ falei ainda andando.
_ Família é distração! _ declarou o cavaleiro.
_ Família foi tudo para nós. _ refutei.
_ A morte de minha mãe, matou meu pai. Não quero meu destino atrelado a outro dessa forma. _ revelou Nicholas.
_ Que tenhamos sorte, Nico, de um dia encontrar um amor tão grande quanto os dos teus pais. _ desejei o silenciando.
_ Talvez o príncipe não tenha uma saúde muito boa. _ brincou Nicholas me fazendo rir.
_ Dizem que quando a pessoa é ru|m, vive mais. _ falei fazendo-o rir comigo.
Chegamos na cozinha e fomos recebidos pela senhora Berta com chá de limão e uma panela de sopa de batata. Ela fez uma reverência quando me viu e foi logo me servindo chá.
_ Continua magricela. _ brinquei olhando para dentro da panela de sopa.
_ Ainda sonho com essa sopa. _ apontou Nicholas.
_ Deixe de ser ingrato! _ repreendeu Berta. _ Minha sopa que te fez ficar desse tamanho.
Rimos muito com a cozinheira contando nossas histórias de infância, comemos sopa de batata com pão.
Por um par de horas esqueci minha angústia com toda a história envolvendo Halan. Voltei para o meu quarto de barriga cheia e lágrimas de risos ainda presentes no canto dos olhos. Mas uma sombra me aguardava dentro do meu quarto.