Ponto de Vista: Saga
O professor já estava na sala com sua régua para "educar" alunos indisciplinados e solicitando minha presença. Era meu aniversário, iria fazer sete anos, e eu não queria ter aulas naquele dia.
Observei escondida atrás do jarro, no corredor, enquanto ele perguntava aos guardas sobre mim e onde eu estaria. Nico mentiu falando que não me viu o dia todo.
Esperei que ele pegasse suas coisas e fosse embora para sair do meu esconderijo, quando um guarda passou olhando para mim sorrindo. Ele informou ao professor que não conseguiam me encontrar em lugar nenhum.
_ Vamos comer biscoitos na cozinha. Berts fez duas fornalhas de biscoitos de arroz. _ sussurrou Nico para mim quando pôde sair sem ser seguido pelo professor.
Segui Nico para a cozinha tomando cuidado ao olhar, antes de virar, em cada corredor e nas escadas também. Os guardas passavam por nós e fingiam que não estavam nos vendo.
_ Sinto cheiro de criança traquina. _ disse Berta quando entramos na cozinha.
_ Sinto cheiro apenas de biscoitos deliciosos. _ retruquei puxando uma cadeira enfarinhada para sentar.
_ Não deveria estar assistindo aula? _ perguntou a cozinheira com desconfiança.
_ Hoje é meu aniversário! Estou de folga! _exclamei enquanto pegava alguns biscoitos quentes.
_ Esses não, vai dar dor de barriga. Comam esses. _ avisou Berta colocando um pote grande de biscoitos a nossa frente.
_ Você que vai fazer o bolo de aniversário dela? _ perguntou Nico curioso olhando ao redor.
_ Não! O bolo vem de uma confeiteira famosa de outra cidade. Farei todo o resto. _ respondeu Berta.
_ Gosto do seu bolo. _ falei desapontada.
_ Faço um grande só pra você e seus amigos comerem amanhã, com nozes e abacaxi. _ disse a cozinheira piscando para mim.
_ Amo seu bolo de abacaxi. _ falei já babando, imaginando o bolo.
_ Depois do treino, você pode chamar sua amiga da cidade, Nico já deve estar por aqui. _ sugeriu a cozinheira.
_ Ela tem que treinar muito. Continua medrosa. _ declarou Nico rindo de mim.
_ Eu não sou medrosa! _ retruquei.
_ Tem medo até da sua sombra. _ sussurrou Nico para mim quando a cozinheira foi buscar alguns ingredientes.
_ Eu não tenho medo de nada. _ gritei levantando o nariz.
_ Opa! Se vão começar a gritar, melhor saírem da minha cozinha, não quero confusão aqui não. _ ordenou Berta.
_ As comidas são cismadas, não é? _ perguntei já sabendo o que ela iria falar, pois era ela mesma que falava aquilo.
_ Qualquer alvoroço e a receita desanda. Vão brincar no jardim, o dia está lindo. _ mandou a cozinheira nos empurrando pela porta da cozinha.
_ Tem medo de uma sala vazia. _ sussurrou Nico para mim ao sair da cozinha.
_ Meu pai não me deixa entrar lá, é a sala do dragão. _ defendi-me de suas acusações.
_ O dragão só aparece se for feito o ritual e é muita gente para conseguir convicá-lo. _ explicou Nico.
_ Se tiverem feito o ritual quando eu chegar lá? _perguntei tentando mostrar que meu medo era racional.
_ Não tem ninguém para tentar receber a marca do dragão, você é a próxima e só será feito com doze anos, então ele não vai estar lá. _ esclareceu Nico.
_ Mesmo assim, é questão de respeito. _ menti.
_ É questão de medo. Sua medrosa. _ acusou Nico.
_ Não sou! _ gritei.
_ É sim! _ gritou mais ainda Nico.
_ Eu não tenho a chave. _ tentei encerrar o assunto já perto dos jardins.
_ E se eu pegá-la para você ? _duvidou Nico.
_ Aí eu entrarei. _ declarei vitoriosa, pois ele não conseguiria pegar a chave
_ Ela fica sobre a mesa de seu pai, me espere no jardim que já trago. _ disse o menino saíndo.
Fiquei ansiosa nos primeiros trinta minutos, com medo de que ele realmente conseguisse, mas passado de uma hora percebi que provavelmente meu pai o tinha pego e mandado para casa.
Para meu desespero, finalmente, Nico chegou me entregando a pesada chave de ouro com uma pedra de rubi no cabo.
_ Quero ver se vai ter coragem. _desafiou Nico e se eu não fosse, ele passaria o resto de minha vida me chamando de medrosa.
_ Eu ganho o que com isso? _ barganhei na tentativa dele desistir.
_ Eu... eu... eu te dou minha sela nova, aquela prateada que você gostou. _ respondeu Nico.
Ele gostava muito da sela e provavelmente achava que eu iria fraquejar. Era um prêmio digno e o dragão não iria estar lá. Uma sela para entrar em uma sala vazia.
_ Certo. _ concordei pegando a pesada chave de sua mão.
Fomos para a frente da grande porta de ouro, ornamentada com escamas de dragão, também de ouro. Coloquei a chave na fechadura e girei com Nico se afastando e ainda duvidando que eu entrasse. Entrei na grandiosa sala vazia e quando olhei para o garoto, a porta fechou de repente com um vento brutal e quente. A última coisa que vi do lado de fora foi o rosto apavorado de Nico.
_ Quem ousa me acordar ? _ perguntou o dragão atrás de mim.
Senti todos os pelos do meu corpo se arrepiando e não conseguia girar para encarar a best@ atrás de mim, pois acreditava que seria morta.
_ É sangue real! _ declarou o dragão. _ Quem é você?
_ Eu não tive... tive intenção de te acordar, achei que a sala estava vazia. _ falei sem me virar mais curvada do que qualquer servo apavorado desse palácio.
_ Seu sangue me chamou. Vire-se! _ordenou o dragão.
Virei-me encarando a grande fera, cor cinza escuro, que preenchia todo o fundo da sala como um gato dentro de uma gaiola. Ele era a personificação do poder, era tão feroz que dava para apalpar a energia caótica que girava ao redor dele.
_ Quem é você? Não me faça perguntar novamente. _ perguntou o dragão estreitando os olhos para mim.
_ Sou Saga, princesa da Cidade Forte Vermelha. _ falei esperando que ele me devorasse.
_ Não me lembra seu pai. Assim, o menino de grandes olhos azuis. _ falou o dragão lembrando-se do meu pai aos doze anos.
_ Eu tenho os olhos dele. _ expliquei feliz. _Mas o cabelo castanho é da minha mãe.
_ Sabem o que dizem de mulheres de cabelos escuros e olhos azuis? _ perguntou divertido o dragão.
_ Fogem da probabilidade? _tentei acertar a resposta.
_ São bruxas temidas ou amadas por reis. _ respondeu o dragão cinzento.
_ Meu pai fala que temos que ser os dois. Temidos por nossos inimigos e amados por nossos súditos.
_ É a herdeira ? _perguntou o dragão.
_ Não! Meu pai tem três filhos, todos os três homens. _ respondi.
_ Você cheira como uma rainha. _ declarou o dragão soprando ar de suas narinas sobre mim.
Puxei minha túnica tentando sentir o cheiro, mas a única coisa que cheirava era suor e biscoito de arroz.
_ É biscoito de arroz, senhor dragão. Ainda não tomei banho. _ revelei lembrando que saí do quarto antes das servas chegarem.
_ Você quer ser rainha? _perguntou o grandioso dragão rindo.
_ Eu não posso! Tenho irmãos homens que subirão no meu lugar. _contei para o dragão.
_ Só se forem dignos! Quando eles vierem até mim, eu decidirei isso. Eu coloco os reis e rainhas em seus tronos. _ manifestou o dragão irritado com minhas objeções. _ Você irá se sentar no trono e só alguém mais digno que você te substituirá em vida ou seu herdeiro em morte.
Com um balançar de corpo, a ponta do r@bo do dragão grudou em minha perna esquerda enrolando por todo o comprimento e aquecendo até virar brasa. Gritei e chorei com a carne queimando embaixo de suas escamas. Desmaiei sentindo o cheiro de carne assada.