Acordei com a perna queimando onde minha marca era visível, esfreguei a superfície e podía jurar que estava quente.
Sentei-me com meus cabelos suados colados em minhas costas, precisava de um banho depois de uma memória como aquela.
Hoje era quarta-feira, ontem, depois da audiência com alguns pretendentes, afundei-me em trabalho e tentei esquecer o príncipe de origem duvidosa. Mas era quase impossível, pois o tempo todo girava em minha cabeça a imagem dele rindo, se divertindo enquanto deixava os concorrentes embaraçados sem saberem o que falar.
Ele era sério e centrado, muitas vezes o observei olhando friamente para algumas pessoas e ignorando-as como fez com Aya depois da minha chegada. Mas ao mesmo tempo ele era divertido e irônico, isso me deixava intrigada. Será que ele usava uma máscara de gentileza quando estava próximo de mim? De qualquer forma eu não deveria estar pensando nele, ele não era uma opção.
As servas entraram fazendo reverências ligeiras e colocaram água na banheira para que eu pudesse tomar um banho. Tomei meu banho vagarosamente, pois sabia que o Conselho demorava para se reunir. Usei o vestido que deveria ter usado ontem, um vestido vinho solto com decote em coração. Correntes prateadas subiam do topo do coração, entre meus s£ios, para os ombros onde mangas fluídas cobriam meus braços.
A cabeleireira fez um coque desleixado com pequenos aros prateados prendendo as mechas dos cabelos.
Saí para a reunião do conselho e já imaginando o tipo de conversa que encontraria. Não peguei uma capa, pois o vestido era fechado nas costas e me esquentaria.
_ Fizemos uma lista de alguns lordes que chegaram e estão para chegar, queremos conversar sobre as qualidades que beneficiária nosso reino. _ declarou Onto.
_ Eu prefiro fazer eu mesma minha lista.
_ Os cavaleiros enviados para o Sul estão retornando após seu treinamento. _ comentou Pomelo. _ Vamos enviar alguns mantimentos para a Cidade Forte Muralha como agradecimento.
_ Certo! _ confirmei lembrando dos soldados que foram enviados há cinco anos atrás, durante o meu primeiro ano de reinado.
_ Um tem se destacado e o rei da cidade enviou uma carta de próprio punho para deixá-lo servir em sua cidade. _ continuou Pamelo.
_ Quem? _ perguntei, mas no fundo já sabia a resposta.
_ Nicholas Varol. _ respondeu Pamelo.
_ Nico! _ sussurrei lembrando do garoto de cabelos loiros na altura dos ombros. _ Pergunte ao soldado e o que ele decidir aceitaremos.
_ O príncipe Yohan solicitou uma audiência particular. _ informou Eron.
_ Negada! Ceda audiências aos nobres que chegaram ontem e hoje que ainda não tive oportunidade de conhecer.
_ Sim, Majestade! _ assentiu Eron.
O conselho continuou com outros assuntos sobre o palácio e sua organização. Preparativos para o baile e acomodações de novos convidados, mas por vezes os membros do Conselho pigarreavam para chamar minha atenção, pois meus pensamentos vagavam na audiência de ontem.
Recebi vários nobres e príncipes que não se preocuparam em eu não estar me alimentando, e só podia lembrar como foi fácil para Halan atender minha necessidade. Olhei várias vezes para a mesinha ao lado de minha poltrona que continuava vazia.
_ A senhora deseja alguma coisa, Majestade? perguntou o servo.
_ Um pedaço de torta e chá de limão, por favor. _ falei para o servo chamando atenção do nobre a minha frente.
_ Perdão, Majestade! Não percebi que estava com fome, deveria ter solicitado à um servo que trouxesse algo para se alimentar. _ disse o irmão caçula de Yohan.
_ Não há necessidade! _ falei lembrando-me que Halan trouxe, pessoalmente, um prato com doces e salgados.
_ Ficarei atento para a próxima vez. _ declarou Yan.
_ Obrigada! _ agradeci vasculhando o salão.
_ Você tem irmãos ? _perguntou Yan.
_ Tenho sim, quatro irmãos. _ falei lembrando de meus irmãos.
_ Eu tenho três! Contando comigo, formam quatro. _ declarou alegremente o rapaz. _ Eu sou o caçula. Minha irmã do meio está noiva e se casará breve.
_ Seu irmão mais velho já está casado. _comentei lembrando da informação dada por Yohan.
_ Sim! Tiveram uma menina linda. _comentou Yan.
_ Eu tenho três irmãos homens e uma menina. _ falei com felicidade lembrando de Ane.
_ Yohan a senhora já conhece. _ acrescentou Yan.
_ Tive uma audiência com ele e mais alguns convidados. _ falei sem revelar muito.
_ Quem está ganhando? _ perguntou Yan rindo.
_ Como? _ perguntei surpresa com seu questionamento.
_ De todos que a senhora, Majestade, conversou até hoje. _ explicou o jovem.
_ Creio que ainda é cedo para falar isso e provavelmente esse não será o único baile. _ falei me justificando.
_ Então é uma peneira. Achei interessante. _ comentou Yan.
_ Não entendi! _ provoquei-o para continuar a falar.
_ Esse é para a senhora conhecer os jovens disponíveis com títulos. Possivelmente marcará uma nova temporada com aqueles que passaram nos seus critérios. _ Esclareceu o rapaz.
_ Isso. Farei dezoito em dois meses, então tenho dois meses para encontrar alguém apropriado. _ revelei a Yan me sentindo confortável com ele.
_ Casará por amor? _perguntou Yan.
_ Casarei porque tenho obrigação com o meu reino. _ expus.
_ É um motivo forte o suficiente. _ concordou Yan.
_ Amor é luxo que não posso ter. _ desabafei.
_ Casar com um amigo seria bem vindo então. _ observou Yan.
_ Mais do que bem vindo. _ revelei.
_ Espero estar aqui na próxima temporada. _ confessou o jovem que deveria ter a minha idade.
Durante as audiências que tive no salão, por vezes meu olhar entediado vasculhava o salão a procura de um príncipe de cabelos negros.
Era ridículo como eu estava pensando e o buscando no salão, um príncipe de origem duvidosa que poderia me dar vários filhotes de lobisomem que teriam que ser trancados nos dias de Lua cheia. Minha cidade forte, os caçava e os matava. Sem pensar duas vezes, eu seria deposta assim que soubessem. Causaria uma revolta em meu reino.
Passei o dia sem vê-lo e encontrando Yohan várias vezes pedindo para ter uma audiência a sós comigo para me dar a oportunidade de conhecê-lo melhor. Pensei muito em sua proposta e estava disposta a isso quando fui deitar, amanhã avisaria para marcar uma audiência com Yohan.
Revirei-me na cama e não consegui dormir até meu estômago roncar de fome, fazendo-me levantar para ir na cozinha. Provavelmente ele não estaria nos corredores ou estaria ?
Amarrei uma capa grossa em meu pescoço, cobrindo a minúscula camisola negr@ e passei pela passagem secreta.
Não encontrei servos ou quem quer que fosse no caminho até a cozinha, o que me deixava aliviada, mas ao mesmo tempo desapontada. Repreendi os pensamentos de que queria vê-lo e me sentei na cadeira enfarinhada enquanto Berta aprontava uma bandeja.
_ A senhora tem que parar com isso. Sei que não sou nada para dar ordens a uma rainha, mas é muito perigoso. _ avisou a cozinheira.
_ Você é uma das poucas pessoas que me sobrou, Berta. Você pode falar comigo assim. _ falei com carinho para a senhora de cabelos esbranquiçados.
_ Sempre que olho para a senhora nessa mesa, Majestade, lembro de Nico tentando roubar meus biscoitos. _ disse a mulher rindo.
_ Ele está voltando! Concluiu seu treinamento e chegará para proteger o palácio no sábado. _ contei para a senhora que ficou bastante feliz.
_ Já deve ser um homem grande como seu pai. _ especulou a cozinheira enchugando uma lágrima.
_ Aposto que continua magricela. _falei tentando fazê-la rir.
_ Dei tanta sopa de batata com melaço para aquele menino e só conseguia ver os joelhos e pés dele quando andava. _ revelou Berta gargalhando.
_ Não deve estar muito diferente disso não. _ gargalhei junto com ela.
_ Seguiu os caminhos do falecido pai, quando sua mãe morreu, ninguém imaginava que seu pai morreria da mesma doença. Que doença miserável.
_ Tivemos muitas perdas naqueles anos, meu pai adoeceu, lembra ? Quase o perdemos naquela época também. _ falei lembrando dele de cama.
_ Algumas pessoas acham que foi as sequelas daqueles dias que o levou a morte anos depois. _ sussurrou a cozinheira.
_ Ninguém sabe o que foi, mas até hoje estamos investigando. _ disse para ela enquanto comia frutas cortadas, queijo e pedaços de tortas.
Após terminar meu prato me despedi e voltei pelo mesmo caminho. Avisei que não era necessário, pois ninguém conseguiria andar em um corredor tão escuro como aquele, a maioria das tochas e velas já estavam apagadas.
Subi as escadas no escuro, pois sabia onde elas ficavam, uma pessoa que não conhecia os corredores internos, não conseguiria dar um passo naquela escuridão.
_ Não deveria estar desacompanhada, Majestade. _ declarou uma voz profunda à minha frente e eu não precisava de luz para saber a quem pertencia.
_ Halan! _ ofeguei. _ deixei-me passar.
_ Quero uma audiência. _ declarou divertido com voz rouca. _ Agora.