03. Vanessa Narrando
Eu estava em casa tentando organizar a bagunça dos meninos. Rebeca e Thomas, meus filhos, estavam na fase que acham que são adultos e que sabem de tudo. A adolescência não é fácil, e com o pai que têm, as coisas ficam ainda mais complicadas. Jhonny, o Barão do Pó, é o rei do morro e, embora ele me trate mais ou menos, não é exatamente o marido dos sonhos. Ele começou nesse mundo muito cedo, e nós estamos juntos desde a adolescência. Quando ele foi preso, a gente decidiu casar para garantir a visita íntima, e depois que ele saiu, nunca mais olhou para trás. Desde então, a nossa vida é essa correria louca.
O Jhonny é um cara bom, na medida do possível. Ele cuida da comunidade, ajuda quem precisa, mas não deixa de ser um criminoso, e isso pesa. Eu tento manter a casa em ordem, e isso inclui lidar com os humores dos meninos. Rebeca, com 15 anos, acha que é adulta e já inferniza a minha vida, ela é patricinha de morro. Thomas, com 14, está começando a se meter em brigas na escola. Eu tento conversar com eles, mas a influência do pai é forte, ele arruma briga e eu tenho que ir lá, na maioria das vezes ele liga pro pai ir por que o pessoal tem medo, e isso de certa forma ja ta tirando o Jhonny do sério.
A gente tinha discutido feio mais cedo. Eu estava precisando de dinheiro para ir pro salão com a Rebecca, hoje é nosso dia de fazer a unha e o cabelo, e ele tinha gastado uma grana no dia anterior em uma festa na piscina que ele estava, cheio de p*****a. Fiquei furiosa.
— Jhonny, eu preciso de dinheiro. Hoje é dia de ir no salão com a Rebeca e você sabe muito bem, hoje é quinta feira — eu falei entrando no quarto onde ele tava deitado, tentando manter a calma, mas meu tom saía cada vez mais alto
— p***a, não posso descançar não mano? Não posso ficar em paz nessa p***a não? Eu sou um caixa 24h pra vocês p***a? — ele respondeu, já perdendo a paciência e levantou — A unica coisa que vocês falam comigo é só pra pedir
— Não é só sobre isso. Você tem que pensar na nossa família primeiro, Jhonny! — eu gritei — Foi pra p*****a ontem, ai hoje deve ta duro, né não? Eu quero o dinheiro do salão. — eu falei com raiva encarando ele
— c*****o, ta marola com a p***a da minha cara que tu ta mandando essa, né não Vanessa? Eu não penso na nossa familia? — ele ri de deboche pra mim, mete a mão no bolso dele, tira um bolinho de dinheiro e joga na minha direção — Toma ai, se não você vai fazer inferno na minha vida por causa de uma p***a de unha. — ele falou puxando a camisa e um bone e saindo de casa batendo a porta.
Depois disso, ele saiu de casa, e eu soube que ele estava indo resolver alguma coisa no morro. Fiquei sozinha me arrumando e esperando a Rebeca chegar do curso, pra gente ir pro salão como toda quinta feira. Ela chegou e foi correndo tomar um banho e botar a roupa por que nós iriamos no salão do shopping.
Quando os tiros começaram, meu coração disparou. Eu sabia que era uma invasão, e isso sempre significava perigo. Tentei ligar para o Jhonny, mas ele não atendeu. A Rebeca e o Thomas ja estavam em casa, graças a Deus, então pelo menos eles estavam seguros.
Fiquei andando de um lado para o outro, rezando para que tudo terminasse bem. Quando os tiros cessaram, mas ate que não demorou muito, foi bem rapido, suspirei de alívio, mas a preocupação não me deixava.
Logo depois, a notícia chegou: o Capoeira, o braço direito do Jhonny, tinha sido baleado. Fiquei com o coração na mão. Capoeira era quase da família, sempre estava por perto, ajudando quando precisava.
— Vanessa, corre lá pro posto. O Capoeira tá m*l, e o Jhonny ta lá também — uma das minhas amigas me avisou por mensagem.
Saí de casa correndo, e quando cheguei no posto de saúde, vi o Jhonny, coberto de sangue, desesperado. Meu coração apertou vendo ele daquele jeito.
— Vanessa, ele tá muito m*l. Eu não sei o que fazer — ele disse, com os olhos cheios de lágrimas.
Eu não sabia como falar com ele direito. Eu sabia que ele estava sofrendo, era o melhor amigo dele, mas a vida que ele escolheu não permite muita margem para arrependimentos. O Capoeira foi levado para a sala de cirurgia, e a tensão no ar era tava f**a.
— Vai ficar tudo bem, Jhonny. Eles vão fazer o melhor que puderem — eu tentei deixar ele mais calmo, mas nem eu mesma acreditava muito nas minhas palavras.
Aguardamos ali, no posto, por horas. O Jhonny andava de um lado para o outro, impaciente, enquanto eu tentava manter a calma. Quando finalmente saiu o doutor, com uma expressão séria no rosto, eu soube que não seria uma notícia fácil de digerir
— Ele está vivo, mas em coma. Foi uma cirurgia complicada. Ele perdeu muito sangue e teve várias complicações — o doutor explicou, e vi o Jhonny cerrar os punhos, tentando controlar a raiva.
— Eles vão pagar por isso. Eu juro que vão pagar — ele murmurou, e eu sabia que ele estava falando dos policiais.
Ficamos ali, no posto, até que o Jhonny decidiu que era hora de ir embora.
— Vanessa, vai embora que eu vou resolver isso — ele disse me olhando e olhava a enfermeira e o Medico4
Eó queria uma vida tranquila para mim e meus filhos, mas na favela, a tranquilidade é um luxo que poucos podem se dar. E eu sabia que, enquanto o Jhonny estivesse no comando, a nossa vida seria essa montanha-russa de emoções e perigos constantes.
Eu nem discuti, só virei e sai ligando pra Rebecca descer que iriamos ao shopping. Nós entramos no uber e fomos ate o shopping fazer nossas unhas. A Rebeca foi o caminho todo falando da oulseira da pandora que ela queria, essa garota é demais pra mim cara. O Jhonny reclama muito que eu mimo ela, mas é a minha filha, se eu nao mimar ela vou mimar quem? Por que se depender do Jhonny ela nao teria metade dos luxos que ela tem, mas eu dou sim, tudo que ela quer ate enquanto eu puder dá. Com o dinheiro do Barão do Pó, claro. Se tem dinheiro pra p**a, tem que gastar com a familia e acabou.