01.
01. Barão Narrando
Eu tô sentado no pico do morro fumando meu bom baseado e pensando na minha vida. Daqui eu tenho a melhor visão da minha favela, como dizem por aí, a maior favela do Rio de Janeiro. A Rocinha é o mundo, meu parceiro. Aqui tem de tudo que você imaginar: é um bar em cada beco, mercado é 24h, amigo, ninguém fica com fome. Tem curso de inglês, loja de móveis e eletrodomésticos, tem restaurante de nome, shopping, e eu posso ficar falando aqui até amanhã o que tem dentro do meu morro. Nunca vai existir nenhum outro morro aqui no meu Rio de Janeiro igual.
Meu nome é Johnny Escobar, mas todos me chamam de Barão do Pó. Vocês NUNCA vão ouvir alguém me chamando pelo meu nome; eu não admito uma parada dessas. Eu tenho um vulgo muito bem escolhido e essa p***a é pra ser usada. Hoje eu tenho 32 anos, mas eu comecei nessa vida aqui com 16 anos.
Eu sou casado com a Vanessa há uns 10 anos, mas de rolo mesmo eu comecei com ela quando eu tinha 15 anos. Foi minha primeira f**a, e ficamos namorando, e nessa já emplaquei a Rebeca nela. Um ano depois veio o Thomas.
A Rebeca tem 15 anos e o Thomas tem 14 anos. Tem que ter muita paciência pra lidar com dois adolescentes dentro de casa e por isso meu lugar de paz é aqui, bem longe de todo mundo. Eu casei com ela quando eu peguei cadeia só pra ter o direito da visita íntima lá dentro. Eu quis casar, fiquei 5 anos fechado e na primeira saidinha que teve, meu amigo, eu meti o pé, cortei a tornozeleira e nunca mais voltei.
O governo acha mesmo que vai dar benefício da saidinha pra uma caralhada de bandido e a gente vai voltar pra dormir, mano? Qual é, pô. A realidade é que eles sabem que não vamos voltar, mas eles dão pra diminuir a população carcerária e maquiar o que aumenta todos os dias.
Eu sou feliz pra c*****o aqui, e eu não me vejo em nenhum outro lugar. Um montão de bandido foge da própria favela pra ir se esconder em outras favelas com medo da polícia invadir e pegar eles, mas eu não, meu parceiro, eu sou cria da Rocinha e daqui ninguém me tira. Eles podem vir a qualquer hora que eu vou pra cima pesadão e boto pra correr como sempre foi. Até eles conseguirem chegar em mim, tem muito soldado na minha frente.
Aqui eu sou feliz, pô, com as minhas mulheres, meus parceiros e a minha família, quer dizer, os meus filhos.
Eu vendo o pó, mas não uso como acham. O meu único vício é mulher, e isso, meu parceiro, eu tenho de monte.
Das minhas costas quem guarda é Deus, a minha segurança quem faz é um AK e disposição é o meu sobrenome. Pra bater de frente comigo, meu cria, tu tem que tá preparado.
Olho pro meu morro e fico admirando tudo o que eu construí, respiro fundo e me levanto soprando a fumaça do meu baseado e fecho os olhos sentindo a brisa.
— E esse império aqui? — eu falo abrindo os braços no topo do morro — Ele é todo meu. — Abro os olhos e sinto a paz da minha comunidade.
Depois do meu estresse com a Vanessa por causa de dinheiro, eu desci de volta pra boca e ouvi uns tiros. Eu parei a moto e passei o radinho.
— Qual foi, dado? Que p***a é essa?
— É os cana, meu chefe, eles tão querendo entrar — ele avisa. Eu suspiro cheio de ódio, desço da moto e encosto ela no canto.
Entro correndo na boca, pego o colete, coloco, pego meu fuzil e atravesso no peito, coloco a Glock na cintura e penduro o radinho no colete. Olho o Capoeira entrando correndo e pegando o armamento dele, e a gente distribui um pesado pra rapaziada.
— Ó, eu não devia descer nessa não, mas vou dar uma moral de cria pra rapaziada. É pra dar sem pena pra cima desses vermes. Eu quero eles longe daqui. Fiquem vivos que eu preciso de vocês, hein. Vambora que eu tô com vocês e depois a gelada é por minha conta — eu falo e eles gritam zoando, saindo correndo da boca.
— Tá de bom humor por quê? Aposto que comeu aquela j**a da padaria — o Capoeira fala me olhando e rindo, a gente vai saindo juntos.
— Comi mesmo, a bucetinha — eu faço sinal de pequena com os dedos — Gostosinha, fiquei até com pena de socar de tanto que ela gemia. Mas é fraquinha na f**a, pelo fogo que ficou comigo achei que ia me dar um chá, pô.
— Barão, a menina tem 19 anos — ele fala, e eu fico rindo.
— Irmão, ela quis me dar, eu não fui lá ajoelhar na frente dela pedindo a b****a dela em casamento, não, pô — eu falo e engatilho o fuzil e vou correndo pelas vielas com ele na minha frente. Essa p***a ia acabar rápido, era só uma blazerzinha. Devem ser novos e erraram o caminho, pô, tenho certeza disso. Mas vão tomar um balaço pra nunca mais errar a entrada da minha favela.
A troca de tiros começa intensa, muito bandido correndo, policial entrando perdido. Aqui é um verdadeiro labirinto. Se não tem as manhas, é melhor não entrar, ainda mais de noitão quando só tem vagabundo na pista doido pra acertar cara de polícia safado que acha que manda mais do que nós. Aqui, a lei que vale é a minha, e nenhum fardado se cria.
Eu tava trocando tiro pra expulsar esses filhos da p**a daqui e eu tava vendo que eles estavam perdidos, pô. O Capoeira viu a mulher no canto da parede com uma criança e correu pra eles.
— Não acredito que ele vai fazer uma coisa dessas não — quando eu terminei de falar, eu vi ele arrancando o colete e colocando na criança. Eu só respirei fundo e corri na viela e ouvi os passos dele correndo atrás. Eu subi na laje e aqui de cima eu comecei a atirar nesses vermes filhos da p**a. Meu sangue ferveu, mano, e os tiros ficaram fortes. Eu puxei o outro pente de munição da cintura e encaixei no fuzil e meti bala pra cima deles. Eu vi quando um deles miraram pra gente, eu meti bala na cabeça dele e os tiros pararam, mas eu vi quando o Capoeira caiu pra trás e eu arregalei os olhos.
— c*****o, CAPOEIRA, MANO, ACORDA — eu joguei o fuzil nas costas, peguei ele no colo, colocando no meu ombro, e desci correndo com ele gritando por ajuda. Eu tava cego de ódio e com medo. Eu sentia o sangue dele em mim e ele mole no meu colo. Eu saí correndo e entrei no posto gritando por ajuda.