02. Carolina Narrando
Tá louco, tava trabalhando no posto, peguei no plantão às 7h da manhã. Quando eu digo que alegria de pobre dura pouco, é por isso, quase na hora de eu ir embora? Invasão.
Aí ninguém vai embora, o posto abre para receber qualquer um que possa ficar ferido no meio do tiroteio, e também ninguém seria louco de sair no meio da invasão. Eu mesma sei da minha função, só saio daqui quando esse caos se encerra, até porque a quantidade de funcionários aqui é escassa.
— Ai, que saco, eu queria minha casa, tô morta — eu falo com uma colega que concorda, enquanto eu pegava um café porque já não aguentava mais ficar em pé.
— Você trabalhou hoje, hein? Eu fugi com o médico de tarde, voltei agora pouco. Ainda bem que nossa chefe não viu — ela fala rindo, e eu encaro ela com tédio.
— Não viu porque eu estava aqui igual uma escrava louca, né? Mais uma vez te cobrindo. Seu salário tinha que ser todo meu pra compensar essas tuas fodas durante o horário de trabalho — falo irritada, mostrando o meu desgosto, e ela sai de perto de mim sem graça.
Mina folgada, s*******o. Eu tomo no cu daqui e ela fica dando a b****a dela, já deve estar toda larga. E eu não sei quem é pior, ela ou o doutor Felipe. O cara é casado, tem duas filhas, e fica nessa p*****a com a Rafaela. Aí, eu tenho nojo deles dois. O pior é quando tenho que responder a ele, como meu supervisor. O cara não tem um pingo de bom senso, não pode ver um buraco que quer se enfiar, e eu não tenho paciência pra isso.
Eu não reclamo tanto porque preciso do meu trabalho. Hoje é disso que me sustento. Com muita luta eu estou finalizando o meu estágio e quase formada, mas é muito difícil quando vejo que trabalho até mais que muitos médicos daqui.
Pode me jogar em qualquer área que eu me viro. Eu sempre fui pró-ativa e sempre fui buscando um pouco de conhecimento em cada área. Mas a que eu sonho em me especializar é na área cirúrgica, eu tenho fascínio por essa área.
— Atendimento aqui, c*****o! Anda logo — ouço a voz do dono do morro, e ele entra com um homem todo ensanguentado.
Eu já saio correndo assim que vejo e puxo uma maca indo pra perto dele e colocamos o homem deitado.
— Cadê o médico desse c*****o? — eu grito nervosa e vou empurrando o homem que estava desacordado — Chama o doutor Felipe, p***a! Paciente perdendo muito sangue, está inconsciente. Iniciando massagem cardíaca — eu subo na maca, e o dono do morro me puxa com tudo, me jogando no chão quase, e eu me apoio em seus braços para não cair.
— Você sabe o que está fazendo? Se ele morrer, eu te mato — ele fala, e eu puxo o meu braço da sua mão com raiva.
— Se você não me deixar trabalhar, ele morre — eu falo subindo na maca de novo e começo a massagem cardíaca de novo, vendo ele me encarar com fúria.
O médico finalmente aparece e fomos direto pra nossa ala de cirurgia, que o dono do morro construiu aqui. Eu não parava a massagem, e o homem não respondia. Eu já estava ficando nervosa e cansada, pois o dono do morro estava colado do meu lado, e quem estava caído nas minhas mãos era o sub dele. Eu sempre vejo os dois juntos, então eu sei o tamanho da responsabilidade que está nas minhas mãos.
Entramos na sala de cirurgia e o doutor já começou todos os exames e preparos. Nisso, a Rafaela já veio tirando onda com a minha cara, tentando me jogar pra fora da sala, e aquilo me subiu uma revolta que na mesma hora eu a situei.
— Escuta aqui, Rafaela, eu não tô aqui pra brincar. Se você quer mostrar serviço, faz o seu e cala a boca, que p***a — eu falo encarando ela e começo a ajudar o doutor Felipe.
Ela age como se fosse fiel dele, a mulher dos sonhos, e não passa de mais uma das enfermeiras que ele come. Ela não entende que só serve de depósito de p***a pra ele, e quer vir colocar banca pra cima de mim.
Se eu quisesse eu já tinha dado, se eu quisesse ele era meu, mas eu tenho pavor de relacionamento, ainda mais com homem casado, dele principalmente. Eu trabalho com ele porque sou obrigada, porque na realidade eu tenho nojo desse homem, só a sua voz me irrita, e eu não quero nada aqui além de trabalhar. Apenas isso me importa, e mais nada.
Agora a minha única preocupação era esse homem deitado na minha mesa de cirurgia, ainda mais no estado em que ele estava.
Foi um tiro no abdômen. Ele perdia muito sangue, e pra controlar aquilo tudo estava quase impossível.
— Ele vai morrer, não tem como salvar ele — o doutor Felipe fala, e todos os meus pelos se arrepiam.
— Nós não temos essa escolha. Nós temos que salvar esse homem, ou quem morre somos nós — eu falo, e ele me olha. — Ele é o sub do morro, então ou você salva ele, ou o Barão te mata, e eu vou de arrasta junto — eu falo, e ele já volta o foco pra cirurgia.
Foram mais de sete horas de cirurgia. No final, eu já não sabia nem o meu nome mais, estava exausta, minhas pernas doíam, minha bexiga parecia que ia explodir. E eu ainda tenho que ir com o doutor Felipe pra falar com o Barão. Olha, eu dancei Anitta na cruz, porque não é possível.
— Cadê ele? Vocês salvaram ele, né? — Barão se levanta rápido, e ele estava inundado de sangue.
Os tiros já haviam parado, mas parece que a briga foi feia, e eu só pensava em chegar em casa e tomar um banho, me jogando na minha cama. Era a única coisa que eu desejava hoje.
— Ele tá vivo, mas está em coma. Foi uma cirurgia delicada, ele perdeu o baço e uma parte do fígado. Foram duas perfurações graves, a recuperação dele será difícil — o médico fala, e eu vejo o Barão ficar furioso.
— Vocês vão me garantir que ele vai sair dessa vivo, ou eu mato vocês dois — ele nos ameaça mais uma vez.
— Ele vai sair vivo, só terá uma recuperação difícil. Tudo vai depender de quando e como ele vai sair do coma — o médico fala, e ele me encara, e eu sustento o olhar pra ele.
— A invasão já acabou, né? — eu pergunto, e ele confirma sério. — Ótimo, melhoras para o seu amigo, estaremos aqui cuidando dele — eu falo e dou as costas, mas sinto ele me puxar pelo braço.
— Você foi a primeira a tocar nele, então você vai ficar aqui até ele acordar e se recuperar — ele fala, e eu arregalo os olhos.
— Não mesmo. Eu tô há mais de 24 horas de plantão, eu vou dormir. Temos turnos aqui — eu falo me defendendo, e ele dá risada se aproximando mais de mim.
— Não foi um pedido, foi uma ordem. Você vai ficar até ele se recuperar — ele fala, e eu olho pro médico com tédio.
— Deixa ela ir para casa hoje. Ela dorme, descansa, e volta pra ficar cuidando dele — o médico fala com ele, que me encara bolado.
— Você tem 12 horas para estar de volta no posto — ele fala, e eu nem respondo nada.
Fui pra sala dos enfermeiros, troquei minha roupa e fui saindo do posto no puro ódio. 12 horas? Jura? Eu tô muito revoltada, de verdade.
Fui subindo o morro todo a pé, minhas pernas pulsavam. Quando chegou no meio do morro, eu parei e respirei fundo, olhando pra vista e passo a mão no rosto sentindo o suor escorrer.
— Sobe na moto — ele fala parando do meu lado, que eu dou até um pulo com o susto.
— Não precisa, eu termino de subir a pé — eu falo, e ele me encara serrando os olhos.
— Eu não aceito não como resposta, sobe na moto. Você precisa estar logo no hospital de volta — ele fala, e a vontade era de rebocar ele no soco de tanta raiva que eu estava sentindo.
Eu subi na moto e fui pra casa segurando na lateral. Falei pra ele onde morava, e por onde passávamos, todos olhavam pra mim na garupa, e eu estava p**a já com isso.
Chegando na minha casa, eu desci da moto e fui entrando em casa, mas ele me chamou.
— Não se atrasa ou você vai se arrepender, e nunca mais ouse falar não pra mim ou questionar minhas decisões — ele fala, e eu viro a cara.
Entro em casa batendo a porta com tudo e vou pro banheiro tirando toda a minha roupa e entrando debaixo da água gelada pra tirar todo aquele peso do meu corpo e aliviar minha mente. Lavo o meu cabelo e vejo o meu corpo escorrendo sangue de tanto sangue que aquele homem perdeu. Saio do banho e fui direto pra cama, só coloquei uma camiseta e me deitei respirando fundo. Ouvi meu celular apitar e vi um número desconhecido.
— Em 12h estou na sua porta; é melhor que esteja pronta, ou você vai do jeito que tiver — era o Barão, claro. Eu nem me dei ao trabalho de responder.
Deitei na minha boa e velha cama de solteiro, virei pro lado e apaguei sem demorar nem um minuto de tão cansada que eu estava. É tanta dor que eu sentia nas pernas, elas chegavam a estar inchadas de tanto tempo que eu fiquei em pé