Vivi uma vida inteira para isso.
Ouvi do meu pai milhares de vezes que havia alguém querendo me matar, ouvi milhares de vezes que eu deveria me proteger.
Calma.
Sei que por enquanto vocês devem me achar alguém que foi criado por songos mongos.
Entendo a revolta mas preciso desabafar sobre mim, sobre o meu passado e tudo o que eu coloquei acima da minha verdade.
Acima de mim, acima da minha família e de todo mundo que me ama ou amou.
- Levanta c****a! Eu quero olhar pra tua cara! - e eu ainda estava com a cara no chão, eu me levantei com o estômago doendo de verdade, levantei e vi o sorriso no rosto do Martín.
Como foi fácil né enganar, como foi fácil me colocar nessa posição tão humilhando por causa de um homem que eu sabia que não valia a pena.
Eu me levantei, e limpei o meu rosto... olhei nos olhos daquela mulher, e eu percebi... não precisou de muito... ela me odiava.
Dava para ver na cara dela o ódio de mim.
Mas o que ela odiava em mim?
Eu fui burra de acreditar no filho dela, mas... eu peguei no ar do que se tratava.
Era difícil para ela ver uma pintura da minha mãe desfilando por aí com os olhos azuis do meu pai.
- Ah meu Deus... - eu falei olhando nos olhos dela, eu poderia morrer, mas eu não ia morrer como uma cuzona! - Você está com ódio de mim... você é a mulher que o pai meu falava, o folclore na minha casa... - gargalhei mesmo sem vontade.
Ela olhou para os lados, encarou o filho... parecia que eu havia desmascarado ela completamente.
- O seu pai falou de mim? - disse disfarçando
- Você é apaixonada por ele não é? E ele... escolheu a minha mãe... - tomei um tapa na boca tão forte que eu senti o meu sangue fresco escorrer nos meus lábios.
- Você ainda acha que pode ser debochada? acha que pode falar o que quer? - tomei outro soco, mesmo caída no chão ela ainda segurou o meu cabelo com força - O seu pai tirou tudo de mim, isso não tem a ver com amor... tem a ver com o fato de que agora, eu vou tirar o que ele ama! Algo que vá doer!
- Então, você deveria ter rendido a minha mãe, ela é a mulher da vida dele... Sorry!
- Leva esse desgraçada daqui! Se mexe p***a, leva ela para longe da minha vista!
Os capangas armados me seguraram nos braços, e quando eu passei eu olhei profundamente nos olhos de Martín, coloquei ali toda a minha raiva, o meu pesar de ter aceitado selar o meu destino.
Ele olhou nos meus olhos também e baixou a cabeça.
O que queriam fazer comigo, eu não sabia Eu ia morrer? eles iam me jogar em alguma vala por aí? Eu apanharia muito por vários dias?
Me jogaram na parte de trás do carro,e me amarraram, o meu rosto estava sangrando tanto que um deles ofereceu um lenço enquanto o companheiro arrancou com o carro.
- c*****o hein, e agora vamos fazer o que com essa garota irmão? - disse o motorista
- Eu não sei, só vamos seguir o que ela fala! pra não dar problema!
- Qual é Thomaz? Você faz tudo o que ela quer? p***a você acha justo matar a menina?
- Ela não mandou matar! mandou colocar na cela! Não confunde!
- Quem vai pra cela fica vivo? você tá doido? gratidão tem limites! Eu entendo o bagulho que ela te criou, te deu uma chance... mas cara o que você acha que vai acontecer quando esse traficante importante souber que a gente matou a filha dele? quem eles vão vir cobrar? usa a cabeça!
- Pensamos nisso depois! eu não posso ser traíra, e você também não! o pai dessa aí vai demorar para de tocar, e esse é o meu último trabalho! Então foca! - ele repreendeu o companheiro.
Demorou um milênio até chegarmos a algum lugar, eu consegui ver todo o caminho, e ainda sim eu não saberia sair dali.
Eu não sabia se eu ia sobreviver, mas eu pensava na minha mãe, eu pensava na quantidade de vezes que ela supostamente encarou a morte e zombou da cara dela.
O tal do Thomaz me arrancou do carro com violência, evitava olhar o meu rosto e ter algum tipo de pena de mim. Ele estava ali para fazer um serviço, e apesar do amigo estar querendo desistir, ele estava firme em sua missão! Firme na estratégia!
Ele me jogou em uma cela.
sim, uma cela... isso existia de verdade?
Pelo visto sim, saiu andando como se eu fosse um cachorro.
- Ei... - eu chamei com medo - por favor... um de vocês.... eu só quero um pouco de água para beber e lavar o sangue do meu rosto.
Ninguém me ouviu, ninguém me disse p***a nenhuma, e tudo o que me alimentou naquela madrugada foi a raiva, foi o ódio foi a pressão de estar em uma experiência de quase morte.
Eu já estava fora do meu corpo.
Ali o meu sobrenome não valia nada, os meus interesses morreriam comigo.
Eu não era a Anna Júlia Grecco, com o meu sobrenome temido e furioso!
Eu era uma sombra de um ser humano, alguém no corredor da morte.
- Por favor... - falei desesperada - joguem pelo menos um pouco de água no meu rosto.... eu imploro! - eu gritei em desespero, chorando de verdade mesmo e de todo o meu coração. - por favor... só um pouco de água.
E ninguém apareceu.
Nem o capanga bom que estava me defendendo no carro, nem o outro que fez a minha espinha tremer inteira.
Eu não valia nada.
Eu não era ninguém.
E aquilo não acabaria aquela noite!
Nenhum bandido perigoso que se preze prende alguém para matar no mesmo dia.
Eu ainda ia sofrer muito, e só Deus para me conseguir me salvar de um destino pior do que a morte.