Acordei de manhã sentindo como se eu fosse o asfalto da Times Square em horário de pico no engarrafamento de sexta às 17h. Derrotada e pisoteada e ao invés do cheiro de gasolina, eu podia sentir o cheiro de álcool em meu próprio corpo. Eu sabia que beber tendo que trabalhar no dia seguinte não era a melhor a se fazer, mas no momento de euforia era sempre a melhor escolha, e no momento em que eu acordava sentindo que meu sangue havia sido substituído por álcool, eu me sentia arrependida.
O ser humano definitivamente não foi feito pra trabalhar bêbado. Era como abastecer o carro com suco.
Acho que levar uma paulada na cabeça seria menos doloroso do que acordar.
— A princesa finalmente acordou! — Quinn havia prometido me levar em casa, mas foi a cabeleira cacheada de Willow que passou pelo batente.
Em um susto eu despertei. Merda! Meu trabalho.
— Droga! — Exclamei caçando meu celular, que por sinal já estava descarregado! — Que horas são?
— Calma, ainda é cedo! São 7h da manhã. Vá tomar um banho e me encontre na cozinha! Estou fazendo chá preto pra nós duas. — Disse ela
Ufa, estava cedo.
O banho gelado me despertou e o café que me aguardava na cozinha faria parte do combo perfeito anti-alcoólatra. Foi enquanto a água gelada caía sobre minha cabeça, que tive lapsos de memória constantes da noite passada, todas alegres, menos aquela onde Jacob aparecia sorrindo para na TV.
Calça jeans, camiseta social preta e sapatos sociais pretos. O luto seria pela morte de Corbyn quando eu o enforcasse não com palavras, mas com minhas próprias mãos.
O cheiro de chá com hortelã estava forte na cozinha, dando-me água na boca. Sentei-me na bancada da mesa de jantar na hora em que Willow despejava água quente sobre as xícaras preenchidas com os sachês para depois despejar mel sobre os waffles amanteigados.
— Como pode estar tão bem? Parece que você acabou de sair do útero da sua mãe, Willow! Eu me sinto como se um trem tivesse me atingido! — Eu reclamei sacudindo a cabeça na tentativa de me livrar do enjoo e da dor de cabeça.
Ela se sentou na cadeira à minha frente, puxando a xícara no pratinho de porcelana e assoprando. Eu fiz o mesmo.
— Pelo simples fato de eu ter bebido inúmeros copos de água junto de Quinn. Mas você ficou com tanta raiva do seu chefe que resolveu botar goela abaixo tudo que tinha de álcool naquele bar! — Ela puxou uma pequena medalha dourada. Parecia ser barata.
— O que é isso?
Dei um gole pequeno no chá. Hm…tinha gengibre.
— Você ganhou depois de ter bebido 12 shots de tequila.
Eu me engasguei com o chá e senti o gengibre queimar meu nariz.
— 12? Meu deus. — Eu tossi um pouco — E Quinn, não veio?
— O Robbin Hood dela resolveu roubá-la no fim da noite e eu acabei ficando pra ouvir você xingar seu chefe de palavrões que eu nem sabia que existiam. — Ela riu tendo a certeza que a lembrança era fresca em sua cabeça. Willow estendeu a medalha no ar em minha direção. — Você virou um fenômeno lá. Os homens se sentiram pequenos perto de você! Até que você acordou bem. Achei que você acordaria vomitando todos os seus órgãos.
Eu ri de nervoso.
— Eu não deveria ter bebido tanto!
— Jura? Se você não me contasse eu não saberia.
Respirei fundo, tomando o restante do chá em um só gole. Belisquei metade dos waffles.
— Sobre Jacob…ele realmente disse…— Uma parte queria que fosse alucinação de gente bêbada.
— Cada palavra. Você não estava bêbada o suficiente para um sonho tão péssimo. — Willow resmungou levando os dedos ao queixo — Eu acho…
— Eu quero jogar ele do último andar hoje!
E eu queria de fato. Os funcionários da Orsoft foram escolhidos a dedo por um departamento de RH extremamente seletivo já que Jacob fazia parte deste grupo em época de seleção. Todos foram incríveis, desde Lorah na recepção até Lumena da limpeza. Nós éramos um grupo diferente, nós éramos uma empresa diferente. Tudo poderia ser diferente se Jacob fosse um chefe diferente, mas ele fazia questão de ser o teste de provação em nossa vida todo santo dia. Corbyn era um desafio diário que já estava começando a me cansar onde a gota da água foi seu discurso chulo em uma entrevista onde o país inteiro estava assistindo.
— Vai gastar seu réu primário no seu chefe? — Willow falou com a boca cheia, vazando waffles.
Eu olhei em um misto de simpatia e ironia e sorri antes de me levantar da mesa.
— Tenho certeza que vai valer a pena!
(...)
Eu deveria passar no Starbucks e levar um chá gelado e rosquinhas de canela. Mas eu precisava me expressar de alguma forma toda minha irritação e minha indignação com a cena da última noite, eu precisava mostrar a Corbyn o tamanho do erro que ele havia cometido.
Lorah acenou quando me viu atravessar a roleta na recepção do prédio. Peguei um elevador cheio no primeiro andar, mas acabei chegando com ele vazio no último. A porta de aço se abriu e o caos que eu tinha saudade já estava instalado na sala principal. Eu havia chego antes do horário, mas mesmo que eu fizesse essa proeza algumas vezes, nunca era cedo o suficiente para chegar mais cedo que Jacob.
Quando abri a porta, lá estava ele.
Fora de seu paletó, mas com a gravata azul, que enrolava na gola de sua camisa branca folgada no pescoço. Os cabelos penteados para trás, e sua atenção focada nos papéis que assinava sobre sua enorme mesa. Ele sabia que eu havia entrado, mas não se deu ao trabalho de olhar, porque normalmente eu me aproximava e depositava sobre a mesa, seu café da manhã. Então quando segundos se passaram e ele não notou minha aproximação, seus olhos varreram sua mesa, tapete e estacionaram sobre minhas mãos vazias que se juntavam à lateral de meu corpo.
Sua sobrancelha dourada se ergueu e ele parou o que fazia, depositando a caneta ao lado da folha, prestando toda sua atenção em mim.
— Bom dia! — Eu desejei mais formal do que o normal.
Jacob engoliu o ar.
— Seria se meu café estivesse em suas mãos.
— Precisamos conversar. — Manifestei-me. — Ainda não são 9h, portanto ainda não é hora de começar a trabalhar.
Corbyn se desmanchou na cadeira, fitando meu rosto curioso, sustentando a face séria que mais um pouco daria lugar a um sorriso cínico.
— Se não veio trabalhar, deveria ter marcado uma reunião para conversar comigo, Claire. Mas adianto que a fila de espera é grande.
— De repente se eu fosse um dos seus casos amorosos eu ganharia uma vaga ainda essa semana. — A minha intenção foi ser sarcástica, mas Jacob não havia entendido aquilo da forma na qual eu queria que ele entendesse. Ele se levantou de sua cadeira, apoiou seu quadril na beirada da mesa à minha frente com um sorriso de lado, sem mostrar o interior de sua boca.
— É isso que tem em mente?
— Não foi nesse sentido a qual me referi…— Eu tentei me corrigir, falhando, escorregando o olhar e gaguejando mediocremente.
— Ah não? então me explique de forma mais clara.
— Vi sua entrevista ontem! — No momento em que eu terminei de dizer, seu sorriso finalmente se alargou e eu pude ver seus dentes brancos, e sua convinha sedutora na musculatura da maçã rosada de seu rosto. — Mulheres têm fácil acesso a você quando é do seu interesse, Jacob! Mas quando é ao contrário, você se torna o milionário inacessível. Sua entrevista foi ridícula. Como você pôde dizer uma coisa daquelas? Quantas vezes eu já não ajudei você com coisas na qual eu nem mesmo deveria? Quantas vezes doei do meu tempo e dedicação a você?
Ele uniu as sobrancelhas em um sinal de que não estava gostando do rumo das coisas. Mesmo que minha vontade fosse xingá-lo severamente, eu não podia fazê-lo, pois sempre que eu imaginava, a imagem do banco tomando meu apartamento vinha à tona em minha mente.
— Então vamos ter uma conversa sobre feminismo, é isso? — O tom de Jacob era como se estivéssemos falando sobre algo irrelevante, falando sobre peso para papel e esse tipo de indiferença fazia meu sangue borbulhar.
— Não se trata apenas sobre isso. A sua fala foi extremamente ingrata. Você falou diante das câmeras como se nunca tivesse precisado de nós, como se todas as mulheres da empresa fossem um enfeite aqui dentro.
— Está botando as palavras na minha boca, Claire! — Ele disse com cautela.
Jacob estava sendo cínico?
— Botando as palavras na sua boca, Corbyn? Você disse que nenhuma mulher conseguiria levar à Orsoft até onde você levou!
Ele deu uma risadinha.
— E eu falei mentiras? Eu sou a cabeça dessa empresa, se eu não estivesse aqui dentro, Claire, esse lugar já teria ido a baixo. Se a Orsoft não tivesse vocês como funcionários, eu contrataria outros. Mas e se vocês não tivessem a mim, Jacob Corbyn, como diretor geral? A Orsoft seria a mesma coisa?
Esse era Jacob. Embora um bom empregador, era um péssimo homem, daqueles que se dependessem de mim, ficariam solitários no mundo para entender que as pessoas a sua volta não praticavam o geocentrismo acreditando que ele fosse o planeta terra e que tudo rodava em volta de si.
— Você é importante Jacob, Ok, eu entendi, mas nós também somos. As suas falas foram péssimas! Deveria pedir desculpas. Menosprezou todas as mulheres que trabalham aqui. — Dei um passo em sua direção, e se eu desse apenas mais dois, meu corpo esbarraria no dele.
— Não vou pedir desculpas a ninguém, Claire. Eu não xinguei o público feminino. Lá, eu dei a minha opinião, e não vou mudá-la porque não agradou você. — Ele suspirou. — Vocês são funcionários e são substituíveis, mesmo que o trabalho de vocês seja excelente.
Eu vou matar ele.
Eu vou matar Jacob.
Eu vou matar Jacob Corbyn.
Eu vou matar o meu chefe.
E então, com a cabeça cheia pelo cansaço semanal, pelo término com o i*****l do Hardin, com a noite m*l dormida, com o estresse pós bebida e principalmente por Corbyn ser um babaca, eu explodi. Me virei depositando minha bolsa no sofá e tranquei a porta. Voltei até onde eu estava antes, bem em frente ao cara mais i*****l, mas ainda sim mais lindo de Londres.
— Me diga, Jacob, quantas secretarias passaram por aqui?
Ele gargalhou.
— Isso não quer dizer nada! — Ele me cutucou, como se não importasse.
Eu gargalhei alto, ainda indignada e perdendo o controle da paciência ainda mais rápido do que eu achei que poderia perder.
— Não quer dizer nada? Nenhuma mulher parou no cargo como secretária. Você já parou pra se perguntar o porquê? Qual o motivo? — Ele nada respondeu, apenas balançou a cabeça negativamente para um lado e para o outro sem tirar os olhos azuis de mim. — Porque você é um homem e******o, que acha que o cargo de secretária é uma espécie de empregada.
Ele quase se engasgou com a própria saliva, porque notoriamente, eu nunca havia feito nada parecido.
— Elas não ficaram porque não estavam aptas para o cargo.
Eu sorri cinicamente.
— Ah claro! Eu também acho, mas eu acho bem difícil você conseguir encontrar uma entregadora de comida, uma mototáxi que busca suas encomendas em Nova York. Prepara suas reuniões, dá ideias dentro do RH, do Setor de marketing, recebe a sua mãe, encomenda presentes para sua família, e merda… eu até agendo faxinas para sua casa. E olha tudo o que você disse, que eu sou substituível. — Eu respirei fundo — Todas pediram demissão, Corbyn! — Eu dei uma risada nervosa, novamente. — O problema não era elas, o problema é você.
Ele piscou quatro vezes, abaixando a cabeça, e quando eu achei que ele daria o braço a torcer, um sorriso brotou em sua boca, um ar azedo, cheio de achismos infundados.
— Talvez não entenda, Claire! Mas quando se tem uma empresa, qualquer funcionário é substituível.
Não havia remorso em seu rosto.
Rangi os dentes como um cachorro com raiva. Jacob podia ser egocêntrico, mas minha tia Carrie havia me ensinado o tipo certo de barra a qual eu devia aguentar, e o problema com ele, havia passado dos limites.
Eu amava a Orsoft, eu amava meu trabalho mesmo sendo cansativo, mas olhar para Jacob, e saber que eu havia dado meu suor, minhas forças por um chefe que mesmo pagando bem, tinha o prazer de dizer que eu era substituível, como uma peça de brinquedo de ideias e que tudo que eu já havia feito, era totalmente irrelevante… Era desgastante, pra ele eu era só uma funcionária qualquer, e talvez sempre devesse ser assim, talvez eu tenha sido a errada querendo mover seus e terra por alguém que não moveria um palito por mim. Então ali, cansada de tudo, com o ego ferido eu não tive mais escolhas.
— Peça desculpas, agora! Grave um vídeo pedindo desculpas, Jacob! ou eu juro que nunca mais piso aqui!
— Sinto muito, Claire! Mas tudo que dei lá, foi a minha opinião e eu estaria sendo incoerente se eu voltasse atrás. — Ele respondeu-me, causando fúria e remorso por ter aceitado estar aqui desde o início.
— Peça desculpas, agora! — rosnei.
— E se eu não fizer?
Eu precisava tomar coragem, porque mesmo que eu precisasse do emprego, eu não poderia permanecer em um lugar onde meu próprio chefe deixava explícito e claro que o público feminino que tanto engajava a empresa, não faria a menor diferença e que nós nunca seríamos capazes de crescer tanto a Orsoft quando ele cresceu.
Jacob piorava a cada dia que passava.
— Se não fizer, vou pedir demissão!
Ele riu como se eu tivesse acabado de contar uma piada e mesmo que tivesse sido difícil até pra mim acreditar que eu poderia fazer isso e pôr em risco meu imóvel, eu não queria ficar em uma empresa que me diminuiria.
Eu sou uma grande mulher e ninguém pode contestar isso.
— Você não tem coragem.
— Você acha? — O desafiei.
— Tenho certeza!
Eu me virei pegando minha bolsa sobre a poltrona.
— A partir de hoje eu não entro dentro dessa empresa, e espero que você possa encontrar outra secretária já que eu sou tão substituível.
Jacob não acreditou em minhas palavras, e pra falar a verdade, nem mesmo eu pude acreditar. Seu rosto perdeu a cor, e por sua feição, percebi que havia jogado um balde de água fria em seus ombros. Seus olhos azuis semicerraram. Ele sabia do meu apartamento, sabia que eu precisava do emprego, mas o que ele não sabia é que aquilo havia me magoado profundamente ao ponto de jogar tudo pro alto.
— Não seja infantil, Claire! — Disse autoritário, cruzando os braços acima do peito.
— E você não seja um machista de merda, Jacob!
Abri a porta vagarosamente após destrancá-la.
— Se passar por essa porta, não deixo que volte atrás!
— Não precisa se lamentar, afinal, eu sou inútil, mas o que seria da Orsoft sem o Jacob Corbyn? Eu saio e você fica