Capítulo 01.
*** Claire Blackwood ***
Hardin andava de um lado pro outro na minha frente, enquanto eu estava sentada no sofá, ansiosa, e não era por causa de seu tom alterado, mas sim por causa do relógio na parede. Cada vez que eu via o ponteiro bater um minuto a mais, eu conseguia ouvir a voz do meu chefe dentro da minha cabeça, porque a exatos 5 minutos atrás, eu deveria estar chegando na empresa.
Jacob iria me enforcar, e dessa vez não seria com palavras de cinismo ou com discurso de ódio, mas sim com as duas mãos.
Talvez se fosse outro dia normal ele deixaria passar com uma bronca desagradável como todas as outras vezes, mas hoje não.
Hoje era a reunião com os empresários imbecis que Corbyn tanto puxava o saco pra tentar agradar. A droga de um contrato que estava fazendo aniversário e quase ganhando nome e um registro de nascimento. Neste exato momento eu deveria estar de pé, ao seu lado, na sala de reuniões, com um sorriso escancarado onde todos os meus dentes apareciam, fingindo ser a secretária que ganha milhões de euros, e que amava seu trabalho, mas que não era exatamente assim, pelo menos não na maioria das vezes.
— Olha só, você ao menos está prestando atenção em mim. — Hardin me acusou de uma quase desistência no assunto. Ele já vinha repetindo esse roteiro dramático há semanas e eu nunca fui muito fã de teatro, até porque ele mesmo seria um péssimo ator.
— Eu já deveria ter saído de casa. Eu não posso me atrasar, você sabe! — Suspirei, apertando minha bolsa debaixo do braço. — Acho melhor deixar essa conversa pra depois.
Hardin Collins era meu namorado há quase 4 anos e a nossa história seria de um conto de fadas se ele não tivesse terminado comigo a 2 anos atrás, me fazendo alugar um apartamento pra mim depois de eu deixar o dele. Morávamos juntos, e ele claramente quis que eu saísse de seu lar porque naquele momento, ele decidiu que não tínhamos mais um vínculo amoroso, e sabe o que eu aprendi com isso? Nunca dependa de homem pra nada, nem para lhe emprestar um palito de dente para retirar a carne do rodízio dos domingos, continue com o dente sujo e lave quando chegar em casa, porque a possibilidade de eles pedirem o palito novo e intacto de volta é enorme.
— É o nosso relacionamento, Claire! Não é algo que possamos conversar mais tarde. Você só tem tempo pro trabalho, passa mais tempo com seu Jacob Corbyn do que comigo. p***a, eu sinto sua falta. Parece que você não está nem aí!
Eu contei de 1 até 3.
Mas ao chegar no 2, eu voltava pro 1.
Minha paciência não era tão extensa quanto já foi um dia, e eu desconfio de forma verídica que ao chegar na minha velhice estarei tão ranzinza como a irmã mais velha de Tia Carrie.
Hardin era claramente um dos homens mais sentimentais que eu conhecia e sabendo disso, eu confesso que às vezes pegava um pouco mais leve nas alegações, eu gostaria de falar coisas mais duras, como: Você terminou comigo, me expulsou da sua casa somente porque você queria um tempo. Você foi um i*****l e eu te perdoei, mas ao invés disso eu disse outra coisa.
— Olha, é meu trabalho. É com ele que eu p**o o financiamento do meu apartamento, que eu p**o todas as minhas contas. Você não tem o direito de falar de Jacob. Ele é meu chefe e ser secretária dele é justamente minha função.
Hardin cruzou os braços na minha frente, como uma criança birrenta que ouvia não de sua mãe.
— Eu já disse que você pode voltar para minha casa, Claire. Você continua nisso porque quer. Sabe o que eu ouvi nas entrevistas e tabloides? que esse empresário i*****l é mulherengo. — A velha tática dele estava realmente ficando velha. Mesmo que Jacob realmente fosse um mel entre as mulheres, Hardin usava esse adjetivo com todos os homens do planeta na qual ele sentia que o pudesse ameaçar.
A conversa estava começando a me incomodar pelo caminho que continuava a andar.
— Vamos lá Hardin, duas coisas. A primeira é, eu nunca mais volto pra sua casa porque eu não quero que você me expulse mais uma vez de lá, e se eu perder meu emprego eu voltarei para casa de tia Carrie para fazer companhia a Katie. — Respirei fundo — E por último, Jacob nunca ousou me desrespeitar, mesmo sendo um i*****l. Mas saiba que se um dia ele tentar, vou chutar suas bolas com tanta força que ele vai cuspi-las em cima de sua própria mesa.
— Você prefere voltar para sua Tia irritante do que ficar comigo? — O famoso ego ferido — E meu deus, Claire! Isso é passado, eu mudei.
— Chamando a tia Carrie de irritante mostra que você é o mesmo. Nosso relacionamento está indo muito bem com cada um no seu canto, Hardin. Você está fazendo tempestade no copo da água.
Eu gosto de Hardin, de verdade, mas chega um momento na vida que você deixa de ser uma adolescente com hormônios à flor da pele, com apenas 18 anos, louca pra t*****r na biblioteca da escola no ensino médio, ou no banheiro do bar despojado que sempre toca Britney Spears no auge da noite. Você cresce, amadurece, assume responsabilidades infinitas que te consomem. Daí na verdade você entende que precisa de muito mais do que sexo pra viver. Ele acabou se tornando um amigo, na qual passei a preservar muito mais nossa amizade e cumplicidade do que as peripécias sobre a cama. Mas Hardin infelizmente ainda continuava pensando com a cabeça de baixo porque claramente seu cérebro de alguma maneira tinha ido pra lá, fazendo entender que era um absurdo ele ficar sem trepar, mas era super normal ele acordar em um sábado de manhã e decidir terminar comigo basicamente me expulsando de sua casa.
— Tempestade no copo da água? Já faz mais de 2 semanas que nós não transamos…
— Sexo não é tudo, Hardin!
— Mas pra mim é muito importante. — Ele quase gritou e minha paciência foi pro ralo. — Se você não vier pra minha casa, acho melhor darmos um tempo. Não quero continuar desse jeito.
Eu gargalhei em ironia.
Pois é, acho que Hardin Collins continuava o mesmo i*****l de sempre.
— Minha vida não gira em torno de você. E é preciso ser muito imaturo para achar que depois de financiar isso — Apontei para a parede e meus quadros clássicos de Quentin Tarantino pendurados — Eu vou largar tudo e ir com você. Sinto muito, Collins. Preciso ir! — Me levantei caminhando até a porta semi-aberta. — Deixe a chave do meu apartamento na portaria depois que pegar suas coisas.
Não dei um minuto para que ele me visse saindo pela porta. Ele não era uma pessoa r**m, mas no auge de seus 32 anos, devia ser muito mais maduro pra saber que nem sempre ele teria tudo com dinheiro, talvez sim com algumas pessoas, mas comigo não.
Passei muito tempo estudando em cursos para tentar uma vaga em uma boa faculdade, e ainda que eu não tenha passado para Harvard, consegui uma boa bolsa em Oxford, onde me formei em direito. Passei incontáveis dias contando as moedas para xerox de trabalhos e simulados vendendo Brownies para pagar a maioria dos custos, já que a tia Carrie tentava dividir igualmente a ajuda financeira para mim e Katie, minha irmã. Foi uma época agitada, eu não ganhava rios de dinheiro com os brownies, como o pessoal de humanas que enriquecia vendendo brownies de maconha e dissertando sobre o mito da caverna de Platão para seus clientes, mas ganhei o bastante para me manter entre a linha tênue do tudo bem e o estou ferrada.
Minha primeira obsessão foi me tornar advogada depois de descobrir que o salário-teto anual dos advogados de Londres ultrapassava 80 mil euros, mas depois de me formar no Legal Practice Course para me tornar oficialmente uma combatente judicial americana, eu soube na pele que não seria tão fácil. Perdi a primeira causa que peguei, pra um time de advogados com mais de 20 anos de carreira de uma maneira vergonhosa. Minha cliente havia ficado literalmente careca com o produto para alisar cabelos e mesmo com todas as provas, a defesa e argumentação do réu havia sido coisa de outro mundo, onde no final, depois de ver minha cliente chorando, parecendo a irmã gêmea do Van diesel, eu quis ir lá nos advogados do réu e pedir algumas aulas. Eu me enclausurei por uma semana e entrei em uma crise existencial me perguntando se eu realmente teria perdido meu tempo estudando algo que não conseguia exercer. Eu tinha certeza que o processo estava ganho e os advogados adversários puxaram o tapete dos meus pés com toda força que minha cabeça tilintou por um longo tempo.
Depois de tomar um tremendo trauma em minha estreia nos tribunais, fui chamada pra uma vaga que eu havia me candidatado a quase 2 anos antes em uma empresa de tecnologia, e para minha surpresa eu ganharia uma quantia gorda o suficiente para encher o guarda roupa de casacos de pele e as gavetas de calcinhas de renda, mas eu só não sabia que não teria tempo de nem mesmo ir às lojas comprá-las.
Eu era secretária de Jacob Corbyn há exatamente 3 anos.
Entrava às 9h da manhã e não tinha hora pra sair.
Bom, no meu contrato de trabalho eu devia ficar até somente às 16h, mas isso era algo que nunca acontecia. Se ele precisasse de mim eu estaria lá.
Eu tinha que estar lá.
E ainda que não tivesse tempo pra nada eu havia entrado no guiness book interno da Orsoft ao ser a secretária mais estável da história da empresa, visto que ninguém aguentava o homem i*****l que ocupava a sala de chefe geral ou mais formal: CEO.
Jacob e eu nos tratávamos a ferro e fogo.
Ele era formal demais com todos na empresa, mas comigo...comigo parecia pessoal.
A impressão que eu tinha era que Deus me testava para que eu pudesse segurar a vontade de mandá-lo para o inferno, e como uma mulher de fé eu me segurava. Tudo bem que na maioria das vezes eu nunca conseguia ouvir quieta.
Eu o odiava.
E também sabia que ele me odiava.
Mais ao contrário de mim, Jacob tinha satisfação em ver meu rosto rosado de raiva e minha respiração condizente como se eu tivesse corrido uma maratona debaixo do sol quente.
Estávamos no início de julho, época mais quente do ano onde o d***o parecia ter saído do submundo apenas para se hospedar no palácio de Buckingham e fazer com que os ingleses tivessem uma amostra grátis do inferno.
Essa é a maravilha de Londres. Nunca é mais ou menos. No verão é quente demais e no inverno é frio demais.
Se 26ºc já é um inferno para os londrinos, o que são 40ºc para os cariocas?
A preocupação, o nervosismo pelo atraso me seguiam a todo momento, meus pés se movendo mais rápido do que eu conseguia pela Cabot square, me fazia suar como uma louca. Minha camiseta social branca estava molhada nas costas, eu podia sentir. Minhas coxas roliças friccionavam-se umas nas outras e mais um pouco me deixariam assada, meu cinto apertado na saia mídi me esganava pela cintura e acho que a única coisa cômoda que me deixava feliz às 10h da manhã, era meu cabelo preso em um coque no pé da nuca.
Meus pés no salto quase se embolaram quando cheguei na recepção da Orsoft Enterprises. A empresa de tecnologia responsável pelas principais redes sociais de relacionamento do país era dona do maior prédio no Canary Wharf, o maior complexo de edifícios e prédios comerciais de Londres. Eu passava tanto tempo da minha vida dentro da Orsoft que acabei lidando com ela como se fosse minha própria família, tinha seus momentos incríveis, mas também tinha seus momentos de guerra, onde o campo minado era a sala do nosso querido chefe.
— Mais um pouco eu encomendaria seu caixão no primeiro cemitério que eu visse pela rua. — Fui recepcionada por Lorah. Ela era a ligação entre a recepção e o setor administrativo. Eu costumava dizer que ela era um ciclope, pois ninguém passava por seus lindos olhos castanhos sem que ela não percebesse.
— Eu não morri, estou atrasada, porém viva. — Eu sorri murchando pelo cansaço, encostando meu crachá e batendo o ponto do dia na máquina eletrônica.
— Não estou dizendo que eu achei que estava morta, estou dizendo que o Sr Corbyn vai cortar seu lindo pescoço. Ele está ligando pra cá a cada 5 minutos perguntando se você já passou por essa roleta, mas te digo que com certeza se tivesse se atrasado mais 10 minutos ele faria picadinho de você.
O problema de Jacob, meu chefe, era justamente que eu nunca sabia o que esperar dele. Sua paciência e leveza para lidar com as diversas situações na empresa o transformavam em uma caixinha de surpresa. Quando raramente estava feliz ele era agitado e barulhento, mas quando estava com raiva e chateado era calmo e cínico.
E o marco de sua personalidade era essa, ele nunca ficava feliz o suficiente para não ser calmo e cínico.
— A reunião já começou?
Lorah pousou seu queixo no peito da mão sobre o balcão de mármore.
— Deus resolveu te abençoar e atrasar o voo dos representantes da Pandors!
Eu realmente precisava ser mais grata, afinal, nem tudo está perdido.
Eu acho.
— Em um nível de irritação, o quanto acha que ele está estressado? — Falei atravessando a roleta.
Lorah estalou os lábios, tentando se recordar da última vez que ele estava ao telefone.
— Julgando que senti o sorriso na voz dele ao telefone? Acredito que bastante.
— Me deseje sorte!
Ela sorriu.
— Antes mesmo de você chegar.
Eu não tinha medo ou receio de Corbyn. O único problema é que eu precisava desse emprego como eu precisava de ar para respirar, entretanto, assim como meu chefe era explosivo, eu também tinha os meus momentos de surtos e falta de paciência, mas diferente dele eu não era dona de uma empresa que valia no mercado bilhões de euros. Eu precisava desse trabalho porque tinha inúmeras parcelas de um financiamento gordo em meu nome esperando de forma ansiosa para serem pagas. A parte boa? Faltava menos de um ano para olhar para as chaves do meu apartamento e finalmente poder chamar de meu e saber que nenhum gerente bancário o tomaria de mim mesmo que Jacob me chutasse para fora da Orsoft.
O som do salto até o elevador parecia o ponteiro de um relógio que levaria para o pico do caos. As portas de aço fecharam e eu pude me olhar no espelho ao fundo do elevador, tentando enxugar o suor que escorria pelos meus cabelos. Será que dá pra piorar?
As portas se abriram, os corredores do setor comercial e administrativo estavam vazios e silenciosos. Normalmente em dia de reuniões decisivas e importantes era assim que tudo ficava, mas quando não recebíamos ninguém de presença relevante, os corredores pareciam campos de guerra, escritórios como aqueles cenários de cinema, onde inúmeras folhas e relatórios voam pelos ares e falatórios como nas salas das corretoras no filme O lobo de wall street. A Orsoft era uma empresa que não fazia terceirização de seus serviços, justamente porque tudo era personalizado da maneira mais informal possível: dos sites, sac, e-mails, solução de problemas e entregas. Era tudo informal demais para que o usuário se sentisse familiarizado.
Meus passos pelo corredor eram o único som que passava por meus ouvidos. Parei diante da porta, fixando meus olhos na placa de aço grudada na parte superior que dizia; Jacob Corbyn, meus olhos passaram para a maçaneta enquanto dei alguns toques na porta aguardando a permissão para abri-la.
— Entre! — Ele disse