/Desejo Insaciável
"Pouco dura a dor que termina em lágrimas, e muito longo é o período
em que o sofrimento permanece no coração." (Pietro Aretino)
Alex Miller
– Mãe… eu sei disso, mas … tudo que eu quero é poder chegar em casa e dormir. Talvez eu vá no domingo, ainda não sei. A senhora sabe bem o motivo de não querer ir nesse evento. – retruco derrotado.
Depois de um longo dia de reuniões, nem a conversa harmoniosa conseguiu tirar o peso dos enfados da rotina. Deixo meu sapato na entrada, sigo o caminho até a cozinha. Acendo o fogo, deposito o bule com água para ferver a água. Minha mãe continua por alguns minutos argumentando sobre a importância de ir à tal evento, ela e meu pai são pessoas importantes no círculo de amigos da minha cidade natal, mas sinceramente prefiro evitar pôr os pés em Sapporo por um bom tempo. Nasci la, mas ainda pequeno, fui morar com os meus avós na América. A ligação durou total de quarenta e cinco minutos, no final, minha mãe me convenceu a repensar sobre minha posição. Faz tempo que não vejo o pequeno Ethan, sinto saudades…
Termino de tomar meu chá, coloco arroz junto do salmão para aquecer no microondas e separo alguns legumes para cozimento. Uma equipe vem toda semana fazer a limpeza do meu apartamento, e a vizinha faz a minha comida da semana. Moro em um apartamento na zona nobre aqui Tokyo, diferente do Victor que reside em um luxuoso bairro e Henry em sua mansão de vidro em um condomínio fechado. Faço minha refeição sozinho apreciando o silêncio. Mesmo trabalhando com tecnologia, não sou fã ou praticante assíduo. Quando chego em casa, aprecio a paz e o silêncio, desligar meu celular é a primeira coisa que faço assim que passo pela porta de casa, sendo hoje uma exceção, pois minha mãe me ligou antes que eu atravessasse a porta do meu apartamento. Termino minha refeição, lavo os utensílios usados, subo as escadas em silêncio, pensando em todas as minhas ações durante o dia, é uma técnica que utilizo para memorização do meu dia. Após um banho breve, faço minhas orações, assíduo e pragmático para só então, repousar meu corpo no colchão aquecido.
A chuva toca o chão de forma agressiva. O acúmulo de gotículas quase ferem a pele pela pressão exercida. Aperto contra a palma da minha mão a chave do carro, estou ansioso, meus músculos do corpo doem pela ansiedade e apreensão.
“Senhor Miller, troque de roupa para entrar na sala”
A frase reverbera minha mente me fazendo devagar, mas o aperto do meu pai me faz retornar a realidade. Sigo no encalço do enfermeiro, ele me orienta como devo agir na higienização como a roupa que devo vestir. Estou nervoso, afinal é meu primeiro filho. Conheci Kimiko em Sapporo quando tinha dezesseis anos. Éramos apenas conhecidos, nada demais, porém anos depois em uma reunião entre empresas de tecnologia nos reencontramos e saímos juntos. Sua presença era agradável, um sorriso gentil estampava seu rosto sempre que fitava meus olhos. Um encontro aqui e outro ali nós acabamos engatando em um namoro não anunciado. Nosso relacionamento era perfeito… Eu não a amava, mas isso eu só descobri depois, mas na época eu fazia todo o possível para fazê-la feliz. Perguntava sobre seu dia, fazia questão de levar e buscar na universidade. Todas as noites buscava no emprego para levar até em casa, flores eram entregues toda semana, eu sempre estava disposto a ouvi-lá, ela tinha minha total atenção mas mesmo depois de tudo que eu fiz… não foi suficiente ?
– Alex… – Kimiko me chamou para segurar sua mão, assim eu fiz. Seu rosto estava suado pelo esforço, suas pernas abertas, o pijama hospitalar estava completamente úmido pelo suor. Levei minhas mãos até sua destra, selei meus lábios logo após no local.
– Tudo vai ficar bem. Nosso garotinho já está vindo – Disse tentando tranquilizar a minha ex-esposa. Os próximos minutos foram tensos e angustiantes. Todos os poros do meu corpo expeliram o suor, meus pêlos eriçados, minha destra tensa pela ansiedade, mas tudo passou quando ouvi um choro agudo, longo do recém nascido.
– Senhor Alex, quer segurar o bebê?” – a doutora perguntou eu nem mesmo hesitei indo na direção deixando a mão de Kimiko por alguns instantes. O calor que senti ao segurar meu filho nos braços não foi maior do que a decepção que aplacou meu peito.
– Kimiko? – sussurrei apático, olho para os traços do bebê em meus braços. Fios tão vermelhos quanto o sangue, olhos azuis e a pinta no queixo, esse menino não era meu e muito menos lembrava a Kimiko a não ser os lábios. Mas ironicamente seus traços me lembram o do seu ex-motorista particular. O motorista antes de começarmos a namorar. Aperto Ethan por mais algum tempo nos meus braços tentando assimilar toda a situação.
— Alex?
Kimiko me chamou mas me mantive de costas, todos os demais olhavam para mim, eu podia ver de relance, provavelmente já suspeitavam no momento que pegaram a criança. Minha mente doía, meu corpo arrepiado, raiva e furor, tentava raciocinar qual seria a melhor atitude. Afinal de contas, Ethan não é meu filho…
— Alex, me deixe ver o nosso bebê! – direciono meus olhos sobre ela que no momento fica confusa, mas assim que aproximo ela entende o motivo. Entreguei Ethan nos seus braços, ela estava tensa, aproximo meus lábios do seu ouvido.
– Você me traiu, pensou que eu não descobriria?
Sussurrei rente seu ouvido. Sem olhar para trás, caminho até a porta saindo do local. No momento que sai do quarto, toda a realidade me afligiu, não queria acreditar que Ethan não era meu filho, mas contra fatos não há argumento. No corredor, Victor e Henry me aguardavam. Henry conversava com meu pai, enquanto Victor, lutava contra uma máquina de refrigerantes, sorri desgostoso, era melhor rir para não chorar.
— Fala meu papai Alex! – exclamou Victor com os braços abertos, seu pé direito socava a máquina, me aproximo segurando seu braço, ele me encara curioso.
— Para onde nós vamos?
— Sair. — digo secamente.
— Mas, e o seu moleque ? — ele me indaga confuso.
— Não sou o pai.
— Hã!” Victor me encara confuso. — Meu pai e Henry, logo se aproximam e eu me sinto um i****a!
Desperto ofegante. Mesmo depois de oito anos isso me assombra, não porque eu amasse Kimiko, eu gostava dela, apreciava sua companhia e valorizava o que tínhamos. Com o anúncio da sua gravidez, casar com ela foi o mais correto. Algumas pessoas podem julgar estranho ou equivocado casar-me sem amor, mas eu sempre acreditei na construção do amor com um tempo, e valorizava o que tínhamos. Sempre quis ser pai, e essa felicidade me foi usurpada no momento em que Ethan nasceu. Ainda assim, ele é como meu filho. Sou presente na medida do possível, pois não consigo conviver mais que dez minutos no mesmo ambiente que Kimiko. Ela não apenas manchou nosso casamento, ela me traiu, foi desleal, me manipulou, humilhou não só a mim como toda minha família. Ethan nasceu na sexta-feira, na segunda os documentos do divorcio já haviam sido enviados para dar entrada no processo e graças a contatos, na quinta-feira, eu já era um homem divorciado. Fiz questão de deixar a casa que morávamos para Ethan. Apesar de Ethan não ser meu filho legalmente, tenho prazer em custear suas despesas desde o momento que ele nasceu, assim como a casa está no nome do mesmo e não da vagabunda da mãe dele.