Anna narrando:
Dizer até logo á ele, era como dizer adeus, eu sentia dentro de mim a sensação de qual algo iria dar errado, que aquele lugar não é mais para ele, que algo poderia tirar ele de mim, e pensar nessa possibilidade me enlouquece. Já passamos por tantas coisas, mas nada me doí mais que ficar afastada dele, e pior é que eu não sei por quanto tempo ficaremos afastados. Para mim, vai ser muito angustiante esse período, não estar ao lado dele, não sentir seu cheiro, ou se quer saber que não terei seu abraço quente durante as noites frias... enquanto o carro que ele estava sumia no fim da rua, eu sentia o abraço apertado da Milena, nessa história eu não estou sofrendo tanto quanto ela, além do pai morto, agora tem o marido e o irmão longe e exposto ao perigo, e ainda assim, ela está me dando apoio. Eu sei que o meu comportamento é um pouco egoísta, mas só em pensar em perder o Rodrigo, eu sinto que vou ficar louca, sentir essa dor por dois anos, quando achei que ele estava morte e morria um pouco todos dias, eu sei tudo que passei e senti naquele período, a única coisa que me deu força para suportar a suposta morte dele foi nosso filho, o Rodriguinho era o pedacinho do Rodrigo que crescia em mim, ele era tudo para mim. Agora eu tenho dois pedacinhos dele comigo e nesse período, eles serão meu combustível para ser forte, resistente e corajosa.
Milena narrando:
Eu estava tão destruída por dentro e isso era muito visível, mas nesse momento a única coisa que eu quero é justiça. Mas ter o Rodrigo e o Henrique longe era um sacrifício muito doloroso, sem falar no perigo que eles estão correndo, isso me preocupa demais. Eu sei que nada está fácil para nenhum de nós, eu se o quanto a Anna também está sofrendo e o quanto ela odiou essa ideia e eu entendo, ela é mãe e esposa, as decisões tomadas afetam toda a família e para nós que somos mães, não tem nada mais importante que a estabilidade dos filhos, por esse motivo, eu entendo a decisão dela de não querer que meu irmão retornasse ao Brasil.
Eu me pego pensando, por inúmeras vezes o como isso aconteceu, qual real motivo, nossa família estava a alguns anos afastados de tudo isso, foi como se a gente estivesse sumido do mapa e de uma hora para outra a noticia da morte do meu pai nos devastou, o meu irmão ainda acredita que tudo isso pode ser mentira, mas eu prefiro me apegar com a realidade, não quero criar falsas esperanças para o meu coração e depois ter que enfrentar a realidade novamente.
Eu sei o quanto de erro meu pai, meu marido e meu irmão já cometeu, mas eu não quero perder mais ninguém, eu os conheço de uma forma que ninguém conhece e por isso falo com convicção, eles são homens maravilhosos, se moldaram e melhoram com o tempo, recomeçamos do zero, uma vida nova, longe de tudo que manchava nosso nome, mas de alguma forma, alguém está nos puxando para a lama de novo e eu estou com medo, eu já perdi o meu pai, eu não quero perder mais ninguém.
Tigre narrando:
Entrar naquele e seguir sem eles me doeu muito, mas a partir de agora eu preciso focar no que vai trazer segurança para nós de novo e além disso, descobrir o que aconteceu com meu pai, eu vou correr atrás dessas duas coisas, não posso por nenhum momento desviar do meu objetivo, quanto mais rápido eu descobrir toda a verdade mais rápido eu volto para casa.
Essas horas de voo serão as horas mais longas da minha vida, eu já entrei em contato com um aliado meu do Brasil, ele vai me receber na comunidade dele, o cara quando falou comigo nem acreditou, ele achou que eu já estava morte depois de tanto tempo sem fazer contato, mas eu estou vivo, mais vivo que nunca e estou voltando para cobrar toda essa judaria. Pedi a ele descrição sobre isso, não quero comentários antes do tempo, afinal, eu não sou e nunca vou ser qualquer um no Rio, minha volta vai deixar muitos de cabelo em pé, mas meu papo reto, não tenho interesse nenhum em tomar conta de favela, eu só quero resolver minhas ondas e sair fora, minha vida não é mais sobre isso.
Rico: Como você acha que vai ser, no Rio?
- Como assim?
Rico: Sei lá, comunidade sempre foi nossa vida irmão, no fundo eu sempre senti um pouco de falta disso tudo, a adrenalina correndo na veia, sei lá, são emoções que nos marcam.
- Eu sei, eu também sentia saudades as vezes, acho que vivemos bons momento e relembrar dessas coisas de certa forma nos faz bem, a gente sabe que viveu o que tinha de viver. Como vai ser agora eu não sei irmão, nós não somos mais os chefes e muita coisa deve ter mudado lá também. Eu botei em minha mente que eu vou resolver o que eu tiver que resolver e vou sair fora de novo sem olhar para trás.
Rico: O foco é esse, eu só espero que nada mais nos prenda, você sabe como foi difícil deixar tudo, essas paradas são como imã, parece que gruda na gente e não solta de jeito nenhum.
- A gente conseguiu uma vez, vamos conseguir de novo.
Ele assentiu com a cabeça, eu sei do que ele está falando, quando a gente sente adrenalina percorrendo nosso corpo é uma loucura, eu sempre gostei de me sentir assim e isso fazia com que eu me sentisse vivo, ativo. Mas agora as coisas são diferentes, a coragem e disposição que eu tenho, ninguém nunca vai tirar de mim, mas eu mudei irmão, e por nada nesse mundo, eu quero que aquele velho Tigre ressurja dentro de mim, apesar de sentir que uma parte dele começa a fluir no meu corpo.