Busca por aliados

1479 Words
No quartel do BOPE, Mateus estava sentado em uma mesa, cercado por pilhas de documentos, fotografias e relatórios. Ele examinava tudo com cuidado, como se cada detalhe pudesse lhe dar a peça final do quebra-cabeça que tentava montar. Era uma missão pessoal, uma obsessão que o consumia há semanas: descobrir a verdadeira identidade do homem conhecido como Coringa, o suposto dono do morro da Rocinha, e entender como ele poderia estar conectado ao promotor de justiça Eduardo Coimbra. As informações sobre Coringa eram escassas, quase inexistentes. Mateus sabia que o sistema era falho, que o Brasil estava repleto de criminosos como Coringa, e que muitos deles operavam à margem do sistema, intocáveis por trás de redes de corrupção e medo. O morro da Rocinha, em particular, era considerado "sob controle". Isso significava que, sob a administração atual, os moradores viviam em uma paz forçada, onde as regras eram ditadas pelo crime, mas sem os confrontos violentos que justificariam uma intervenção militar. Para os superiores de Mateus, o morro estava estável, e a estabilidade era uma palavra que eles gostavam de ouvir. Mas para Mateus, essa "estabilidade" era insuportável. Ele sabia que Coringa era muito mais do que apenas um criminoso qualquer. Havia algo de perturbador na forma como ele mantinha o controle, algo que sugeria inteligência, planejamento, e talvez até uma conexão com as esferas mais altas da sociedade. Mas, acima de tudo, Mateus estava convencido de que Coringa e o promotor Eduardo Coimbra eram a mesma pessoa. Essa suspeita era o que mais o incomodava. A ideia de que um promotor de justiça, um homem que jurou proteger a lei, pudesse estar operando nas sombras como um dos maiores traficantes do Rio de Janeiro, era inaceitável. No entanto, não havia nada em sua vida pública que sugerisse tal ligação. Eduardo Coimbra era um cidadão exemplar, um promotor de sucesso que acumulava vitórias nos tribunais e parecia dedicado a combater o crime. Sua vida era uma vitrine de perfeição, sem falhas visíveis, sem ligações com o submundo do tráfico. Mateus passou os dedos pelos documentos, seus pensamentos rodopiando em círculos. Ele precisava de uma nova abordagem, algo que lhe desse uma vantagem. E então, a ideia o atingiu como um raio: ele precisava de alguém de dentro, um infiltrado que pudesse confirmar suas suspeitas ou, no mínimo, fornecer informações cruciais sobre Coringa. Alguém que conhecesse o morro da Rocinha por dentro, que tivesse a confiança dos moradores e acesso às áreas que a polícia não podia alcançar. Mas Mateus sabia que isso seria quase impossível. Conseguir alguém disposto a se infiltrar na Rocinha era como pedir para a pessoa se tornar inimiga do d***o. Coringa não era um criminoso comum; ele era uma figura de poder, quase um mito para os moradores. A lealdade, seja por respeito ou por medo, era algo profundamente enraizado na comunidade. Qualquer um que fosse associado à polícia, e especialmente ao BOPE, seria considerado um traidor, e traidores não viviam muito tempo no morro. Mateus ponderou sobre suas opções. Ele poderia tentar coagir alguém, mas isso apenas garantiria uma infiltração instável e provavelmente curta. Um informante com medo não era confiável. Ele precisava de alguém com uma razão pessoal para aceitar a missão, alguém que tivesse algo a perder ou a ganhar ao colaborar com ele. E então, outra ideia começou a se formar. Talvez não precisasse ser um morador comum. Talvez alguém com um passado ou uma ligação complicada com a Rocinha pudesse ser persuadido. Uma pessoa com contas a acertar, alguém que já estivesse à margem, alguém que não fosse nem totalmente de dentro, nem totalmente de fora. Mateus anotou alguns nomes em um pedaço de papel, pessoas que ele sabia que tinham laços com o morro, mas que também estavam afastadas o suficiente para considerarem uma proposta como a que ele tinha em mente. Ele precisaria ser cuidadoso, abordá-los com delicadeza, oferecendo garantias e, acima de tudo, mostrando que ele era a única opção deles. Ele sabia que estava entrando em um jogo perigoso. O BOPE tinha uma reputação de ser implacável, mas Coringa não era um alvo comum. Qualquer erro poderia custar vidas, e não apenas a do informante, mas a de civis, moradores que estavam tentando apenas sobreviver naquele ambiente. Enquanto Mateus refletia sobre os próximos passos, sentiu uma onda de determinação se apoderar dele. Ele não podia deixar essa oportunidade passar. Havia algo de errado, algo podre no coração da Rocinha, e ele não descansaria até descobrir o que era. Mesmo que significasse ir contra ordens, contra a burocracia que insistia em ver a situação como "sob controle". Para Mateus, essa era uma guerra pessoal, e ele estava disposto a fazer o que fosse necessário para vencê-la. Ele guardou os documentos e apagou a luz do escritório. O quartel estava silencioso àquela hora da noite, mas na mente de Mateus, a batalha apenas começava. Amanhã, ele iniciaria a busca por seu informante, alguém corajoso ou desesperado o suficiente para se infiltrar no morro da Rocinha e trazer de volta as informações que ele precisava. O jogo estava em andamento, e Mateus sabia que, se quisesse vencer, teria que jogar sujo. Mateus saiu do escritório, sentindo a mente ainda presa às complexidades do caso que estava tentando desvendar. Ele fechou a porta atrás de si e caminhou pelo corredor do quartel do BOPE, seus passos ecoando no ambiente silencioso. Enquanto ele se dirigia à saída, foi surpreendido por um grupo de policiais militares que conversavam animadamente perto de uma das salas de descanso. Um deles, mais velho, com um semblante duro e barba por fazer, chamou sua atenção. Era Pedro, um sargento veterano, tio de um dos caras que se formou com Mateus na academia. Mateus o reconheceu imediatamente e, ao passar, foi cumprimentado com um aceno de cabeça. "Mateus! Quanto tempo, rapaz!", Pedro exclamou, estendendo a mão para um firme aperto. "Pedro, bom te ver por aqui", respondeu Mateus, apertando a mão do sargento. "Como você está?" "Ah, na correria de sempre", Pedro disse com um sorriso cansado. "Mas a vida segue. E você? Como está se adaptando ao Rio?" "Bem, na medida do possível", Mateus respondeu, embora soubesse que a resposta não era completamente verdadeira. O Rio era uma cidade complexa, cheia de nuances e perigos que ele ainda estava aprendendo a navegar. Pedro assentiu, percebendo a hesitação nas palavras de Mateus: "Você ainda é novo por aqui. O Rio pode ser complicado, mas com o tempo, você se acostuma." Mateus deu um sorriso de lado, mas não respondeu. Ele sabia que Pedro tinha razão, mas também sabia que seu tempo para se adaptar estava se esgotando. Ele precisava de respostas e, mais do que isso, precisava de aliados. "Escuta", Pedro continuou, como se tivesse lido os pensamentos de Mateus, "vai rolar um churrasco daqui a uns dias. Um dos nossos está se aposentando e o batalhão vai dar uma festa de despedida. Acho que seria bom pra você ir, conhecer mais a galera, se enturmar." Mateus considerou o convite por um momento. Ele sabia que precisava expandir seus contatos. O círculo policial era conhecido por ser uma rede de informações, onde tanto os leais quanto os corruptos se misturavam. Talvez, em um ambiente mais descontraído, ele pudesse descobrir algo útil, talvez até sobre Coringa. "Vou estar lá", respondeu Mateus com um sorriso, já calculando os possíveis benefícios de comparecer ao evento. "Preciso mesmo me integrar mais." "É isso aí, garoto", Pedro disse, batendo no ombro de Mateus com camaradagem. "Vai ser bom. Vou te passar o endereço." Pedro pegou um pedaço de papel e rapidamente rabiscou o endereço do local onde o churrasco seria realizado. Ele entregou a Mateus, que guardou o papel no bolso. "Então, nos vemos lá", Pedro disse, se afastando para se juntar ao grupo de policiais que já estavam saindo. "E não se preocupa, vai ser tranquilo. A gente cuida de tudo." Mateus observou Pedro se afastar, a mente já voltando a calcular os próximos passos. Ele sabia que precisava estar preparado para qualquer oportunidade, e a festa de despedida poderia ser o ambiente perfeito para sondar o terreno. Conhecer mais policiais, criar novas alianças, e, quem sabe, descobrir algum elo perdido com Coringa. A possibilidade de que algum dos presentes pudesse ter ligações com o crime organizado, ou até com o próprio Coringa, não estava fora de cogitação. Com um sorriso discreto, Mateus seguiu seu caminho, sentindo-se um pouco mais animado com a ideia de que, finalmente, poderia estar se aproximando de uma nova pista. Se ele jogasse suas cartas corretamente, poderia descobrir muito mais do que esperava naquele churrasco. Enquanto saía do quartel, a noite começava a cair sobre o Rio de Janeiro, e Mateus sabia que aquela seria apenas mais uma batalha em uma guerra muito maior. Mas, ao menos por enquanto, ele estava pronto para o que viesse.
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