Paulo

1433 Words
Igor estava acostumado ao preconceito. Como homem n***o e morador da Rocinha, ele sabia bem como era ser subestimado e, por vezes, ser visto como um criminoso apenas pela sua aparência. Nos tribunais, muitas vezes teve sua capacidade questionada, até que provava ser um advogado excepcional, deixando juízes e jurados boquiabertos com sua habilidade e inteligência. O preconceito não o abalava mais, tinha aprendido a ignorá-lo, a transformá-lo em combustível para seu sucesso. Mas quando viu aquela mulher dirigir seu veneno a Micheli, algo dentro dele mudou. O que ele normalmente ignoraria se tornou, naquele momento, um pecado mortal. Enquanto o homem lia o cartão que Igor lhe entregara, a expressão de surpresa e reconhecimento no rosto dele era evidente. Aquele era o advogado que, apenas uma semana antes, havia esmagado seu cliente no tribunal, fazendo-o perder uma causa miseravelmente. O pavor se instalou no homem enquanto ele levantava o olhar para Igor, percebendo quem estava à sua frente. Igor, mantendo a voz controlada, mas carregada de ameaça, disse: "Se sua mulher ousar dirigir a palavra à minha novamente, nos veremos no tribunal em breve." O silêncio que seguiu suas palavras era ensurdecedor. Ele se virou para se sentar novamente, sentindo-se levemente satisfeito com o impacto que causara, mas, de repente, a mulher bufou, um som desdenhoso que cortou o ar. Igor sentiu a raiva ressurgir, transformando-se em algo quase palpável. Com olhos sanguinários, ele a encarou e, dessa vez, a ameaça era clara, carregada com a gravidade de suas palavras: "Ou então, posso realmente mostrar para essa v***a que ela está mexendo com o homem errado. Um homem que pode, com um telefonema, fazer com que vocês sejam julgados por um tribunal diferente, se é que me entendem. Onde, se condenados, simplesmente deixarão de existir." O homem, ao lado da mulher, ficou pálido. Imediatamente, ele se virou para ela, sua voz um sussurro urgente, mandando-a se comportar. A mulher, que até então havia mostrado uma arrogância inabalável, agora encarava o chão, horrorizada com as possíveis consequências de sua ação impulsiva. Micheli, por outro lado, sentiu o peso das palavras de Igor. Ela segurou a mão dele e o puxou gentilmente para que ele se sentasse. Por um breve momento, ela pensou estar diante do irmão fantasma, tamanha era a intensidade que ele exalava. Mas então, ao perceber que aquelas palavras, ditas no calor do momento, poderiam prejudicar a carreira que ele estava construindo com tanto esforço, ela soube que precisava intervir. Para a surpresa de Igor, no exato momento em que Micheli segurou sua mão, toda a raiva que havia sentido se dissipou. Era como se o simples toque dela tivesse o poder de acalmá-lo, de trazê-lo de volta à realidade. Ele se sentou ao lado dela, mas manteve a mão dela entre as suas, o gesto transmitindo um pedido silencioso de desculpas e uma promessa de proteção. O clima na sala de espera estava denso, todos ainda sob a tensão das palavras trocadas. Mas, para o alívio de todos, o nome do casal foi chamado, e eles se levantaram rapidamente, evitando qualquer contato visual com Igor ou Micheli enquanto seguiam para a consulta. Ninguém mais na sala se atreveu a olhar na direção de Micheli, como se temessem despertar a ira de Igor novamente. O silêncio que se seguiu à saída do casal era pesado, mas também carregado de respeito. O status de Igor naquele espaço havia mudado. Não era mais apenas o acompanhante de uma paciente; era alguém a ser temido e respeitado, alguém com poder suficiente para fazer valer sua vontade. E, ao seu lado, Micheli, apesar de sentir o impacto de tudo o que acabara de acontecer, soube que, naquele momento, estava protegida. Eles ficaram em silêncio, mas a mão dele continuou firme, envolvendo a dela, transmitindo uma sensação de segurança que, até então, ela não sabia que precisava. Finalmente, o nome de Micheli foi chamado. Ela e Igor se levantaram da sala de espera, ainda com as mãos entrelaçadas, e seguiram em direção ao consultório. O médico que os atendeu era um homem de cerca de cinquenta anos, com uma expressão calorosa e simpática que logo os deixou à vontade. Com poucos minutos de conversa, ele conseguiu dissipar a tensão restante no ar. O médico começou a explicar sobre o terceiro mês de gestação, confirmando o tempo que Micheli acreditava estar grávida. Ele falou sobre as mudanças que o corpo dela estava passando, o que esperar nos próximos meses e a importância de manter uma alimentação saudável e fazer exercícios leves. A cada palavra, Igor absorvia a informação com seriedade, o olhar fixo no médico, enquanto Micheli assentia em silêncio, sentindo-se cada vez mais confortável. Após as explicações, o médico pediu uma série de exames para garantir a saúde de Micheli e do bebê. Ele anotou tudo com calma, sem pressa, explicando cada detalhe, como se estivesse ciente da importância que aquele momento tinha para os dois. Quando ele terminou de escrever, sorriu e olhou para Micheli com um brilho nos olhos: "Agora, Micheli, quero que você deite na cama, levante a blusa e abaixe bem o cós do short," disse ele, sua voz suave e reconfortante. Igor o encarou, ligeiramente confuso. O médico percebeu a expressão no rosto dele e esclareceu com um sorriso: "Vamos fazer uma ultrassonografia. Você não quer ver e ouvir o coração do seu filho?" O coração de Igor disparou no peito ao ouvir aquelas palavras. Ele assentiu, sentindo uma mistura de ansiedade e emoção tomar conta de si. Micheli, por um breve momento, quase explicou ao médico que Igor, na verdade, era o tio do bebê, pois o pai havia falecido. Mas ao olhar para Igor e ver a expressão determinada em seu rosto, ela optou por permanecer em silêncio. Em vez disso, seguiu as instruções do médico, deitando-se na cama e fazendo o que ele havia solicitado. O médico preparou o equipamento e colocou o gel frio na barriga de Micheli. Igor, posicionado ao lado dela, tinha os olhos fixos na tela, ansioso para ver o que apareceria. Inicialmente, tudo parecia um borrão indistinto, mas então o médico acionou a tecnologia de ultrassom em 3D, e lá estava: aquele pequeno ser, com seus contornos suaves e delicados, revelando o milagre da vida. Na tela, o bebê parecia um pequeno feixe de luz, com braços e pernas minúsculos, o corpo enrolado em posição fetal. A imagem era incrivelmente nítida para algo tão pequeno, e Micheli não pôde evitar que seus olhos se enchessem de lágrimas ao ver o bebê. Igor, por sua vez, sentiu algo profundo e irrevogável mudar dentro de si. O som rítmico e forte do coração do bebê preenchia a sala, e naquele instante, ele sentiu o peso da responsabilidade e do amor incondicional. Não era uma relação de sangue, mas de sentimento. Igor sabia, sem sombra de dúvida, que estava pronto para ser pai. Ele seria tudo o que aquele bebê precisasse. Automaticamente, suas mãos procuraram as de Micheli, e quando as encontrou, ela apertou as dele com força, transmitindo um silêncio compartilhado, cheio de emoção e promessas não ditas. "Querem saber o sexo?" perguntou o médico, com um sorriso nos lábios. Os dois responderam quase ao mesmo tempo, suas vozes misturando-se: "É claro!" O médico riu suavemente e explicou: "Pode ser que ainda não dê para ver, mas vamos tentar." Eles prenderam a respiração enquanto o médico movia o aparelho pela barriga de Micheli, ajustando a imagem até encontrar a posição certa. E então, como se o destino estivesse do lado deles, a imagem se revelou clara e inconfundível. Era um menino. Micheli e Igor se entreolharam, um sorriso se formando em seus rostos. Eles não precisaram trocar palavras para saber qual seria o nome do bebê. "Paulo," disse Micheli, sua voz tremendo de emoção. "Paulo," repetiu Igor, com um orgulho silencioso em sua voz. O nome era uma homenagem a Fantasma, o irmão de Igor que havia sido uma figura importante em suas vidas. Era uma maneira de manter sua memória viva e de assegurar que o bebê teria uma conexão especial com aquele que, de alguma forma, os guiava do além. O médico, percebendo a emoção no ar, deu-lhes um momento para absorver a notícia, antes de continuar com as orientações finais. Igor e Micheli, ainda de mãos dadas, saíram do consultório com a sensação de que algo maior estava começando. A responsabilidade era grande, mas o amor que sentiam, tanto um pelo outro quanto pelo bebê, era maior ainda. E isso era tudo o que precisavam para enfrentar o que viesse a seguir.
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